Certificação De Produtos Orgânicos

1. O que é certificação de produtos orgânicos

            A certificação é o procedimento pelo qual uma terceira parte, independente, assegura, por escrito, que um produto, processo ou serviço obedece a determinados requisitos, através da emissão de um certificado. Esse certificado representa uma garantia de que o produto, processo ou serviço é diferenciado dos demais. No caso de produtos orgânicos, a certificação é um instrumento, geralmente apresentado sob a forma de um selo afixado ou impresso no rótulo ou na embalagem do produto, que garante que os produtos orgânicos rotulados foram produzidos de acordo com as normas e práticas da agricultura orgânica.
            As agências certificadoras precisam ser credenciadas por um órgão autorizado que reconheça formalmente que uma pessoa ou organização tem competência para desenvolver determinados procedimentos técnicos de fiscalização da produção. No caso de produtos orgânicos, o órgão que credencia internacionalmente as certificadoras é a International Federation of Organic Agriculture Movements (IFOAM), que é a federação internacional que congrega os diversos movimentos relacionados com a agricultura orgânica.
            A iniciativa de adesão à certificação orgânica é voluntária, quando não houver legislação que regulamente o assunto. Os casos com suspeita de fraude, quando detectados, são passíveis de avaliação por uma comissão de certificação e outra de ética. Conforme a avaliação dessas comissões, a agência certificadora pode aplicar punições que podem chegar à exclusão do agricultor ou comerciante oportunista, impedindo o uso do selo orgânico.
            Quando existe legislação específica para isso, seja federal, estadual ou municipal, a rotulagem orgânica passa a ser obrigatória para esses produtos. Os infratores ficam sujeitos às penalidades previstas na lei. A regulamentação dos processos e tecnologias de produção é necessária para manter os padrões éticos do movimento orgânico e para fortalecer a confiança do consumidor no produto. Serve para orientar os produtores orgânicos e promover o comércio desses produtos entre fronteiras, uma vez que a qualidade orgânica é garantida pela presença do selo.

2. Porque certificar

            O estabelecimento de normas para regular a produção, o processamento, a certificação e a comercialização de produtos orgânicos surgiu da necessidade de os consumidores terem segurança quanto à qualidade dos produtos que adquirem, pelo filão de mercado que surgiu em vários países, impulsionado pelo crescimento da demanda por produtos cultivados com métodos da agricultura orgânica.
            A diferenciação de produtos orgânicos ocorre com base em suas qualidades físicas, decorrentes principalmente da ausência de agrotóxicos e adubos químicos, por exemplo, que estão mais diretamente relacionadas à forma como esses produtos foram produzidos. Estas características embutidas nos produtos orgânicos não podem ser observadas com facilidade no momento da compra. A distância entre consumidores e produtores e a incapacidade de se ter certeza quanto à forma pela qual os produtos orgânicos foram produzidos justificam a necessidade de monitoramento da produção por uma terceira parte, independente.
            A certificação é, portanto, uma garantia de que produtos rotulados como orgânicos tenham de fato sido produzidos dentro dos padrões da agricultura orgânica. A emissão do selo ou do certificado ajuda a eliminar, ou pelo menos reduzir, a incerteza com relação à qualidade presente nos produtos, oferecendo aos consumidores informações objetivas, que são importantes no momento da compra.
            A certificação orgânica começa a ser exigida para alguns produtos destinados à exportação, como soja, café, mel, hortaliças, óleos essenciais, óleo de dendê, caju, açúcar, mate, citrus, banana e guaraná. Nesses casos, a organização certificadora precisa, na maioria das vezes, ser credenciada pela IFOAM ou pelas normas ISO-65 para emitir um certificado que tenha reconhecimento internacional.
            O desenvolvimento do mercado de produtos orgânicos depende fundamentalmente da confiança dos consumidores na sua autenticidade, que, por sua vez, só pode ser assegurada por legislação e/ou programas de certificação eficientes. O novo ramo de atividade que surge com a regulamentação da agricultura orgânica pode ser desempenhado com diferentes níveis de seriedade, compromisso ético, transparência e competência.
            Quando os consumidores decidem pela compra de produtos orgânicos e pelo pagamento de um prêmio por efeitos positivos à saúde e redução de impacto ambiental, entre outros atributos, eles esperam obter, em troca, um produto de origem orgânica garantida. Assim como os produtores orgânicos, que arcam com custos de produção mais elevados, os consumidores desejam estar protegidos contra os falsos produtos orgânicos.

3. Quem pode certificar

            A certificação orgânica pode ser feita por agências locais, internacionais ou por parcerias entre elas. Pode também ser realizada por grupos de pequenos produtores, desde que existam mecanismos internos de controle que sigam os padrões da agricultura orgânica. Nesses casos, é comum a comercialização da produção através de feiras de produtores e não há preocupação com exportação.
            Para que uma agência certificadora de produtos orgânicos venha a funcionar legalmente, precisa credenciar-se junto ao órgão oficial competente, caso haja legislação. Deve também credenciar-se junto à IFOAM e obter o certificado ISO-65 para que o selo emitido seja reconhecido internacionalmente. Precisa ainda estabelecer suas próprias normas, padrões e procedimentos de certificação, mas que devem, necessariamente, estar subordinados tanto à legislação vigente em cada país quanto à organização credenciadora.
            As normas geralmente se referem à forma como os produtos de origem orgânica são produzidos. A prática mais comum é a definição de diretrizes gerais e a descrição de práticas culturais, tecnologias e/ou insumos permitidos, proibidos ou de uso restrito nesse modo de produção. A reputação das agências certificadoras constitui um aspecto fundamental, pois denota persistência de seriedade na produção e de qualidade dos produtos.
            A IFOAM foi a organização pioneira na criação de uma estrutura mundial de certificação orgânica, que contava, em 1999, com 14 agências credenciadas para emitir certificados de reconhecimento internacional. Seus padrões forneceram parâmetros para a legislação sobre produtos orgânicos de diversos países. Existem, ainda, certificadores independentes que tendem a atuar com base local. Até o momento, ainda não há um sistema que seja plenamente reconhecido no mundo todo e que possa fornecer a garantia da qualidade orgânica dos produtos.

4. Breve histórico da certificação orgânica no Brasil

            A certificação de produtos orgânicos no Brasil teve início em meados dos anos 80s. As primeiras iniciativas de organização da produção partiram de uma cooperativa de consumidores, a COOLMÉIA, no Rio Grande do Sul, em 1978. Em 1984, foi fundada uma entidade de produtores, a Associação de Agricultores Biológicos (ABIO) do Rio de Janeiro, que criou as primeiras normas para credenciamento de propriedades em 1986.
            Neste ano, iniciaram-se também os contatos para exportação de produtos orgânicos certificados através do Instituto Biodinâmico de Desenvolvimento Rural (IBD), localizado em Botucatu, Estado de São Paulo, cujo selo já conta com reconhecimento internacional. Após as primeiras exportações, que só se concretizaram em 1990, a demanda por um leque maior de produtos foi intensificada.
            Em 1992, a Associação de Agricultura Orgânica (AAO) de São Paulo, fundada em 1989, começou a cadastrar produtores para a feira de produtos orgânicos que organiza semanalmente no Parque da Água Branca. No final de 1996, a AAO lançou seu selo orgânico, permitindo a expansão dos canais de comercialização dos produtos de seus associados, que agora podem ser encontrados nas principais redes de supermercados de São Paulo. Nesse ano, foram exportadas 3.100 toneladas de produtos orgânicos certificados. O selo da AAO encontra-se em fase de reconhecimento internacional, através do credenciamento para este fim junto a certificadoras internacionais.
            Na esfera do Estado, o Governo Federal instituiu em 1995 o Comitê Nacional de Produtos Orgânicos (CNPO), para elaborar e aprimorar normas para a agricultura orgânica em nível nacional, com composição paritária entre governo e ONGs que atuam com agricultura ecológica. Fazem parte do CNPO representantes de ONGs das cinco regiões do país, do Ministério da Agricultura, da EMBRAPA, do Ministério do Meio Ambiente e de Universidades. Em outubro de 1998, foi publicada no Diário Oficial da União a portaria no 505/98 do Ministério da Agricultura, com uma proposta de normatização de produtos orgânicos. Esta proposta foi aberta para consulta pública até janeiro de 1999, período em que foram recolhidas sugestões da sociedade civil. Em maio de 1999, entrou em vigor a Instrução Normativa no 7/99 do Ministério da Agricultura e Abastecimento, com o objetivo de estabelecer as normas de produção, tipificação, processamento, envase, distribuição, identificação e certificação de qualidade para produtos orgânicos de origem animal e vegetal.
            Estas iniciativas surgiram em resposta a exigências de alguns países como o Japão e da Comunidade Européia, que passaram a condicionar a importação de alimentos à existência de certificação de qualidade ambiental, o que se constitui em barreira não-tarifária por parte dos países importadores. Outro fator importante para promover a regulamentação relaciona-se ao Mercosul. Argentina, Uruguai e Paraguai já dispõem de regras para produção orgânica, que serão impostas ao país, caso o Brasil não possua sua própria legislação.
            Outros certificadores nacionais são a Associação de Agricultura Natural de Campinas e Região (ANC), a Associação dos Produtores de Agricultura Natural (APAN) e a Fundação Mokiti Okada (MOA). Certificadores internacionais, como a norte-americana Farmers Verified Organic (FVO), a francesa ECOCERT-BRASIL e a alemã BCS, também estão atuando no país. Mas caberá ao Colegiado Nacional, previsto na Instrução Normativa no 7/99 e atualmente em fase de definição de seus membros a partir da formação dos Colegiados Estaduais, estabelecer quem pode e quem não pode certificar produtos orgânicos no Brasil.

5. Como se faz a certificação

            Uma vez que o produtor decide produzir utilizando métodos da agricultura orgânica, é recomendável que se associe a uma agência certificadora, onde obterá informações sobre as normas técnicas de produção. A certificadora poderá também indicar consultores para assistência técnica, que dão orientação quanto à produção e comercialização dentro de seus padrões técnicos para certificação.
            Em linhas gerais, o processo de certificação deve ser feito através de visitas periódicas de inspeção, realizadas na unidade de produção agrícola, quando o produto é comercializado ‘in natura’, e também nas unidades de processamento, quando o produto for processado, e de comercialização, no caso de entrepostos. As inspeções devem ser tanto programadas (com o conhecimento do produtor) quanto aleatórias (sem o seu conhecimento prévio).
            O produtor deve apresentar um plano de produção para a certificadora e manter registros atualizados de uma série de informações, como a origem dos insumos adquiridos, a sua aplicação e o volume produzido. Estas informações têm caráter sigiloso e, assim como as instalações do estabelecimento, devem estar sempre disponíveis para vistoria e avaliação do inspetor, caso seja solicitado.
            Após a visita, o inspetor elabora um relatório no qual são indicadas as práticas culturais e de criação observadas, o que permite detectar possíveis irregularidades com relação às normas de produção estabelecidas. Estes relatórios são encaminhados ao Departamento Técnico ou ao Conselho de Certificação da certificadora, que delibera sobre a concessão do certificado que habilita o produtor, processador ou distribuidor a utilizar o selo. A certificação pode ser solicitada para algumas áreas ou para toda a propriedade.

6. Padrões

            Os padrões de certificação orgânica são geralmente estabelecidos pelo Departamento Técnico das agências certificadoras, que promove reuniões periódicas com agrônomos, veterinários e produtores orgânicos para determinar a viabilidade técnica das práticas propostas. Os padrões devem sempre estar em consonância com as diretrizes básicas estabelecidas pela IFOAM. Aqueles que porventura ainda não estiverem em conformidade com essas diretrizes deverão adaptar-se dentro de um prazo estipulado para isso.
            As normas estabelecidas devem ser amplamente divulgadas entre os associados e prestadores de assistência técnica e cumpridas rigorosamente pelo agricultor, processador ou comerciante que desejem obter e manter a certificação. Os padrões são revisados periodicamente, para permitir a adaptação a eventuais atualizações técnicas.

7. Quanto custa

            Buscou-se reunir informações para duas das principais agências certificadoras de produtos orgânicos no Estado de São Paulo. Os itens de despesa considerados, apesar de serem semelhantes, variam de uma para outra. A Tabela 1 mostra a estimativa dos custos de certificação da AAO.

Tabela 1. Estimativa de custos de certificação de produtos orgânicos da AAO–
Associação de Agricultura Orgânica

Item de despesa
Valor*
Inscrição (anuidade, não obrigatória)
60,00
Inspeção
- hortaliças (sorteios p/ visitas extras cada 15 dias)
- frutas e cereais (visitas semestrais)
20,00 / mês

120,00 a 200,00 + despesas de viagem

Taxas de comercialização
Feiras do Produtor Orgânico**
- Água Branca
- hortaliças, frutas e flores
- processados e cereais
- produtos apícolas
- laticínios e ovos
- carnes
- Ibirapuera
- Alphaville

Selo Orgânico

Certificado de Exportação
- Produto Orgânico
 
 

- SAT (sem agrotóxicos, específico p/ café)
 
 

Empresa comerciante


 

23,00 / mês
34,50 / mês
77,00 / mês
105,00 / mês
130,00 / mês
75%
50%

1% sobre valor comercializado (mensal)
 

1% sobre valor comercializado + despesas de inspeção semestral (200,00 + despesas de viagem)

2% sobre valor comercializado + despesas de inspeção trimestral 
(200,00 + despesas de viagem)

1% sobre valor comercializado com o selo + despesas com inspeção (150,00 a 200,00)

                   * Os valores estão em R$ de março de 2000.
                   ** Valores por metro linear de comprimento de banca.
                   Fonte: AAO – Associação de Agricultura Orgânica

            Na Tabela 2, estão as estimativas de custo de certificação do IBD.
 
 

Tabela 2. Estimativa de custos de certificação de produtos orgânicos do IBD – Instituto
Biodinâmico de Desenvolvimento Rural

Item de despesa
Valor*
Matrícula Paga-se uma única vez. Varia entre 100,00 e 3.000,00 conforme o faturamento anual da empresa.
Inspeção (anual) - Custo de deslocamento
(inclui passagens, hospedagem e alimentação) 

- Diária do inspetor

    - produtos p/ exportação: 420,00 
    - produtos p/ mercado interno: 265,00 
    - pequenos produtores e associações: a combinar
- Execução de relatório
- produtos p/ exportação: 210,00 
- produtos p/ mercado interno: 125,00 
Emissão do Certificado Orgânico 0,5 a 2% do valor faturado para cada remessa. Varia conforme o tipo de produto.

               * Os valores estão em R$ de março de 2000.
               Fonte: IBD – Instituto Biodinâmico de Desenvolvimento Rural.

8. Quanto tempo leva

            O tempo necessário para a conclusão do processo de certificação depende de vários fatores e varia conforme o ciclo produtivo das atividades e da agência certificadora. Se o estabelecimento agrícola está passando por um processo de conversão para a agricultura orgânica, este pode levar até três anos para que seja considerado certificado, se for, por exemplo, o caso de culturas perenes como frutas. Esse período é necessário para garantir um tempo que permita a dissipação de resíduos de agrotóxicos no solo, que contaminariam a produção. No caso da produção de hortaliças, cujo ciclo é mais curto, esse período é mais reduzido. Enquanto não se cumprir os períodos exigidos para a adaptação, o estabelecimento e as atividades agrícolas são considerados como ‘em transição’.
            Se o estabelecimento já produz conforme as normas orgânicas, a emissão do certificado que o habilita a utilizar o selo é praticamente imediata, após a inspeção, caso não seja detectado nenhum procedimento que esteja em desacordo com as normas de produção e comercialização da agência certificadora.

9. Quanto se ganha

            Os produtos orgânicos geralmente recebem um adicional de preço, que busca remunerar as dificuldades enfrentadas e as possíveis reduções na produção. O diferencial de preço, no entanto, varia muito conforme o produto. Cabe ressaltar que o ágio obtido por produtos orgânicos está diretamente relacionado à sua oferta no mercado.
            As folhosas e demais hortaliças, por exemplo, que não têm problemas sérios para sua produção e apresentam oferta regular, costumam ter diferencial de preço que pode variar entre 20 e 30% acima dos produtos similares produzidos de modo convencional. Produtos com maiores problemas técnicos na produção podem alcançar 100% de ágio no preço pago ao produtor, como no caso de algodão orgânico naturalmente colorido.
            O mais alto diferencial de preço em relação aos similares convencionais, no entanto, é observado em produtos mais difíceis de serem produzidos com métodos orgânicos, como morango, tomate e batata, sobretudo quando a oferta já reduzida coincide com fatores desfavoráveis para a sua produção, como problemas climáticos. Nesses casos, o ágio pode alcançar 200, 300 ou ainda 400%.

10. Endereços úteis

AAO – Associação de Agricultura Orgânica
Av. Francisco Matarazzo, 455
Prédio do Fazendeiro - 2o andar – Sala 20
Caixa Interna 24
São Paulo – SP
CEP 05001-900
Telefax: (0XX11) 263-8013
E-mail:
organica@uol.com.br
http://www.aao.org.br

IBD – Instituto Biodinâmico de Desenvolvimento Rural
Caixa Postal 321
Botucatu – SP
CEP 18603-970
Telefax: (0XX14) 822-5066
E-mail:
ibd@laser.com.br
http://www.laser.com.br/ibd
 

11. Bibliografia

AAO. Manual de Certificação: normas de produção, regulamentos, contratos, formulários e estatutos. São Paulo: Associação de Agricultura Orgânica, 1998. 64p.

IBD. Diretrizes para os padrões de qualidade Biodinâmico, Deméter e Orgânico 'Instituto Biodinâmico'. 7 ed. Botucatu: Instituto Biodinâmico de Desenvolvimento Rural, set. 1997. 50p.

INSTRUÇÃO NORMATIVA No 07/99, de 17 de maio de 1999. Diário Oficial da União, 19 de maio de 1999.

PORTARIA No 505, de 16 de outubro de 1998. Diário Oficial da União, 19 de outubro de 1998.

SOUZA, Maria C. M. Algodão orgânico: o papel das organizações na coordenação e diferenciação do sistema agroindustrial do algodão. São Paulo, SP: USP/FEA, 1998. 187p. Dissertação de Mestrado 

 

Data de Publicação: 10/05/2001

Autor(es): Maria Celia Martins De Souza (mcmsouza@iea.sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor