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Apontamento sobre a Infraestrutura de Escoamento de Açúcar e Álcool na Região de Araçatuba (SP)
A
retomada da demanda de álcool combustível, no final da década de 1990 e
principalmente no limiar do novo milênio, se conecta com a ascensão do preço do
petróleo gerada pelos conflitos bélicos ocorrentes no Oriente Médio1
e intensificada pela especulação financeira nas principais bolsas de valores do
mundo. Mesmo com a introdução da inovação do carro flex fuel2
e com a problemática ambiental acentuada pelos relatórios surgidos no retrato do
aquecimento global ocasionado principalmente pela queima dos combustíveis
fósseis, os custos relativos favoráveis ao álcool combustível em relação à
gasolina derivada de petróleo são os maiores possibilitadores da expansão da
lavoura canavieira no Brasil, e especificamente na região de Araçatuba. Nessa
perspectiva de mudança do paradigma energético mundial, na qual vários países do
mundo estudam a anexação do etanol como um dos combustíveis alternativos, as
projeções realizadas por especialistas apontam o reajuste da produção do álcool
brasileiro dos 17,7 milhões de metros cúbicos anuais da safra 2006/07, para 38
milhões de metros cúbicos em 2012/13. Diante da produtividade média apresentada
nos níveis técnicos atuais, esse aumento da demanda requererá a expansão da área
cultivada com cana-de-açúcar no Brasil dos 6.200 milhões de hectares da safra
2006/07, para aproximadamente 10.500 milhões de hectares no ano safra 2012/13
(TOLEDO; SALIBE, 2007)3.
1 - A Expansão Canavieira na Região de
Araçatuba nos Anos 2000
O
Oeste Paulista, como na década de 1980, apresenta-se como o fragmento do
território paulista mais propício para o aprofundamento da anexação de objetos e
ações (SANTOS, 1994)4 do circuito espacial produtivo
canavieiro5. Isso se deve à inexistência de áreas para a extensão dos
canaviais em contiguidade aos já existentes na região de Ribeirão Preto e nos
terrenos de declividade que impossibilitam o corte mecanizado nas outras regiões
tradicionais como Piracicaba. Além disso, o preço de sua terra mais barato é um
chamariz para esse processo – com Araçatuba se fortalecendo enquanto
centralidade política do setor.
Possuidor de terrenos propícios ao corte mecanizado de alta produtividade (mais
barato que o corte manual feito por trabalhadores formalmente registrados), o
Oeste Paulista surge novamente apresentando as melhores possibilidades de custos
relativos na contiguidade às regiões tradicionais: a baixa ondulação do planalto
ocidental à margem esquerda na Bacia Hidrográfica do Rio Paraná condiciona o
setor atingir as metas médias requisitadas pelas novas normas ambientais
implementadas pelo governo estadual6.
A
partir de 2001, quando ocorre a decolagem dos preços do petróleo, projetos de
usinas e anexação de canaviais para a produção de álcool combustível começam a
se tornar atrativos à elite econômica regional. Do biênio 2000/01 ao 2003/04, 15
novas unidades produtivas do Oeste Paulista e Centro-Sul do país se incorporam à
centralidade adquirida por Araçatuba nesse novo momento do
setor.
Esse
processo se avoluma no começo da segunda metade da década dos anos 2000 e entre
os biênios 2004/05 e 2006/07, 14 novas usinas de açúcar e álcool são acopladas
ao espaço geográfico do Oeste Paulista, totalizando nessa década, até 2007, 29
novas unidades de produção. Dessa forma, a Região Administrativa de Araçatuba,
como uma das ofertantes de parte da cana processada pelas usinas do Oeste
Paulista, segundo as informações obtidas no banco de dados do Instituto de
Economia Agrícola (IEA), aumentou sua área de produção de 204.554 hectares em
2001 para 397.160 hectares em 2006.
2 - Infraestrutura para o Escoamento da
Produção de Açúcar e Álcool
Para
dar continuidade em estudos mais aprofundados na temática do escoamento do
açúcar e álcool em trabalhos vindouros, seguem abaixo alguns eventos
concernentes à instalação de uma infraestrutura multimodal diminuidora dos
custos de distribuição dos principais derivados da atividade canavieira,
ocorridos no decorrer dessa década para a região de
Araçatuba.
2.1 - Transporte
Rodoviário
Para
gerar a fluidez desses novos conteúdos dinamizadores do espaço geográfico
regional e evitar estrangulamentos infraestruturais que impeçam um desempenho
desejável dos sistemas de objetos e ações expandidos principalmente pelo
circuito espacial de produção do setor canavieiro, grandes investimentos
públicos e privados passam a ser direcionados. O modal rodoviário, sendo o mais
utilizado para as ações econômicas da região e especificamente para o escoamento
da produção de açúcar e álcool e outros produtos7 - ele também serve
como principal artéria receptora das mercadorias e pessoas vindas de localidades
externas -, tem apresentado problemas sérios em sua manutenção, como a
existência de buracos ocasionados, por exemplo, pelo desgaste obtido com o
excesso de peso dos caminhões canavieiros. Para reverter essa realidade
intensificada com o aumento do uso das estradas regionais provocado pela
expansão do circuito espacial de produção canavieira, o governo do Estado de São
Paulo, pelo Programa Pró-Vicinais, contemplou a Região Administrativa de
Araçatuba no segundo semestre de 2007 com R$63 milhões, onde 46 estradas
municipais começaram a ser recuperadas, em um total estimado de 381,9
quilômetros.
2.2 - Transporte
Ferroviário
Enquanto possibilidade colocada em prática pelos planejadores públicos e
privados para o transporte de mercadorias na região de Araçatuba, o modal
ferroviário aparece com as melhores condições atuais de complementaridade à
hegemônica locomoção rodoviária. Sucateada até fins da década de 1990 e pouco
movimentada desde então, a Estrada de Ferro Noroeste do Brasil (CEFNOB) -
privatizada em 1996 e renomeada de Ferrovia Novoeste S. A. -, começa a receber
em seu trajeto histórico nova vitalidade com a retomada do desenvolvimento da
região no início do século XXI8. Adquirida pela empresa
norte-americana América Latina Logística (ALL) em 2006, tem recebido
investimentos condicionados por parcerias com o setor produtivo, comercial e de
serviços.
Exemplo desses empreendimentos é a utilização cada vez mais intensa dessa malha
ferroviária pelo setor sucroalcooleiro. Em 2003, ano do encerramento da
construção do terminal rodoferroviário financiado pela multinacional francesa de
exportação SUCDEN, em parceria com as usinas ARALCO e UNIALCO9 de
Araçatuba, no entroncamento da estrada de ferro com a rodovia Eliezer Montenegro
Magalhães, parte do açúcar produzido na região para exportação deixa de ser
feito pelo modal rodoviário. Especializada na conexão intermodal, a empresa
proprietária do terminal rodoferroviário Araçatuba Logística (ARLOG) faz o
transbordo do açúcar produzido em usinas que tenham interesse pelo escoamento
alternativo para os trens.
Representando uma economia de 10% em relação ao transporte rodoviário de açúcar,
a pretensão da ALL é realizar o trajeto de volta transportando o álcool
utilizando os mesmos vagões10. Basta existir neste caminho centros
coletores com tanques armazenadores de álcool: é o que a ARLOG está planejando
construir no terminal rodoferroviário em Araçatuba.
2.3 - Transporte
Hidroviário
Também com a intenção de evitar gargalos advindos da limitada infraestrutura de
transportes presentes no espaço geográfico regional, a TRANSPETRO, a BR
Distribuidora -subsidiárias da PETROBRAS - e a Secretaria de Transportes do
Estado de São Paulo estudam o funcionamento do modal hidroviário por meio da
modernização da hidrovia Tietê-Paraná. A partir de uma previsão orçamentária de
aproximadamente R$300 milhões, pretende-se instalar novos terminais portuários e
ligações fluidas até 2011 – com o aumento do potencial dos calados dos rios -
com outros modais em municípios de Goiás, Minas Gerais, Mato Grosso do Sul,
Paraná e São Paulo. No transcurso do rio Tietê, no sentido interior-capital, a
idéia é avolumar o transporte hidroviário de soja, farelo, milho e
prioritariamente cana-de-açúcar e derivados. No sentido inverso,
capital-interior, almeja-se superar os gargalos atuais realizando carregamentos
principalmente de combustíveis e insumos agrícolas, devido à volta de muitas
embarcações vazias.
2.4 - Os
Alcoodutos
Seguindo os mesmos objetivos, a partir da verificação das estimativas de
crescimento do plantio de cana e da exportação de açúcar e álcool, o alongamento
do sistema de engenharia para o transporte dessas mercadorias11 é
vislumbrado pela anexação ao espaço geográfico do Centro-Sul – principal região
produtora de cana-de-açúcar do país – de alcoodutos interligados aos modais
rodoviário, ferroviário e hidroviário. Divulgado para entrar em funcionamento em
2012 (mesmo não o traçando em terras araçatubenses), o alcooduto projetado pela
TRANSPETRO servirá para o escoamento do álcool produzido no Oeste Paulista,
prioritariamente o da Região Administrativa de Araçatuba (que é cortada ao meio
pelo rio Tietê). Com braços localizados em Guararema (SP) e Santa Maria da Serra
(SP) ou Conchas (SP), na região do Alto Tietê (Leste Paulista), o alcooduto
sugará o etanol vindo da hidrovia na direção interior-capital e o locomoverá
para as refinarias de Duque de Caxias (RJ) ou Paulínia (SP), para posteriormente
alcançar o mundo, respectivamente, via os portos de Ilha D’Água (RJ) e São
Sebastião (SP).
______________________ 2Os carros flex fuel são
aqueles colocados no mercado pela indústria automobilística a partir da década
de 2003. Eles surgem como possibilitadores de reabastecimento tanto com gasolina
como com álcool. Quando o preço do álcool é até 70% do valor da gasolina, o
primeiro produto tem um custo relativo ao consumidor inferior ao do segundo
produto: acima desse percentual, o reabastecimento com a gasolina é mais
vantajoso.
3TOLEDO, J. C.; SALIBE, A. C.
Perspectivas de crescimento do setor de bioenergia no oeste paulista.
Araçatuba, Maio/2007. Apresentação powerPoint. UDOP.
4SANTOS, M. Técnica, espaço,
tempo: globalização e meio técnico-científico-informacional. São Paulo:
Hucitec, 1994.
5Nacionalmente, áreas
mecanizáveis no Paraná, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais e Goiás têm recebido
investimentos propiciadores da instalação de objetos e ações do circuito
produtivo canavieiro. Objetos, nesse caso, seguindo a teoria geográfica
construída por Milton Santos, são as construções fixadas rigidamente sobre a
superfície terrestre fruto da demanda dos mercados. Ações são os trabalhos
executados para a anexação desses objetos e a rotina gerada para o seu uso,
funcionamento e administração.
6Fechando o cerco às queimadas
nos canaviais – evento usado como argumento principalmente pelos países da
Comunidade Europeia lançar barreiras não-alfandegárias ao etanol brasileiro –,
as lideranças políticas paulistas têm negociado com o setor para fazer o uso
direto do corte mecanizado nas áreas em expansão do Oeste Paulista. Pelo
protocolo de intenções lançado em julho de 2007, o governo de José Serra
convenceu a grande maioria dos usineiros de entidades do porte da UNICA e da
UDOP a antecipar a data prevista para o fim das queimadas no Estado de São
Paulo.
7Para a Cooperativa do Polo
Hidroviário de Araçatuba (COOPERHIDRO), cerca de 90% das mercadorias regionais
são transportadas pelas rodovias.
8De 1996 a 2006, o aumento anual
no movimento de cargas via ferrovias no Brasil foi de 5,8%. Acelerando esse
processo de retomada da malha ferroviária nacional, esse reajuste saltou para
11% entre 2006 e 2007, segundo dados da Associação Nacional dos Transportes
Ferroviários (ANTF).
9Na concretização dessa parceria
fundou-se a empresa Araçatuba Logística.
10Um gargalo para legitimar esse
projeto é o custo da assepsia dos vagões para não retirar a pureza do álcool
comercializado.
11Segundo relatos da União da
Indústria Canavieira de São Paulo (UNICA), os problemas de logística dos
transportes ocasionam a perda de metade das vantagens competitivas do etanol
brasileiro.
Palavras-chave: expansão canavieira, escoamento de açúcar e álcool,
região de Araçatuba.
1Em meados de 2003, o preço do barril do petróleo estava
valendo ao redor dos 25 dólares; em julho de 2006 atingiu 75 dólares, e em
meados de 2008 beirou os 150 dólares.
Data de Publicação: 30/01/2009
Autor(es): Danton Leonel de Camargo Bini (danton.camargo@sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor