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Crise Financeira Internacional e Política Monetária no Brasil: algumas reflexões
No
início da atual crise financeira norte-americana, a retórica do governo
brasileiro era de que o País passaria ao largo dessa crise em função dos sólidos
fundamentos macroeconômicos apresentados pela economia brasileira. Passado algum
tempo, após a instalação dessa crise, o discurso do governo brasileiro mudou,
pois a partir de agora, não há necessidade de se decretar qualquer pacote
econômico, mas apenas implementar medidas pontuais para atenuar os possíveis
efeitos dessa crise sobre a economia brasileira. Uma dessas medidas pontuais
foi, justamente, a redução dos depósitos compulsórios dos bancos comerciais no
Banco Central do Brasil (BACEN). Essa medida foi adotada após se verificar que,
em função dessa crise, as linhas de créditos internacionais 'secaram' e isso
estava afetando as empresas exportadoras brasileiras, que são extremamente
dependentes desse tipo de mecanismo para estimular suas exportações. A redução
dos compulsórios é uma medida de política monetária. Sendo assim, este artigo
apresentará ao leitor quais são os instrumentos de política monetária à
disposição do BACEN. A seguir, especular-se-á sobre a efetividade que a redução
do compulsório terá sobre o segmento exportador. Em linhas gerais, três são os instrumentos de política monetária à disposição do BACEN. O primeiro deles consiste nas operações de mercado aberto1. Nesse caso, quando o BACEN, por um lado, realiza a compra de títulos no mercado, isso resulta em expansão da liquidez e induz a redução da taxa de juros, por outro, quando o BACEN vende títulos no mercado, a quantidade de moeda2 na economia é contraída e, como conseqüência, a taxa de juros eleva-se. Portanto, dado que há relação direta entre os lados real e monetário da economia, as operações de mercado aberto3 impactam diretamente o nível de investimento da economia. O segundo instrumento é a política de depósitos compulsórios, em que a autoridade monetária determina o percentual dos depósitos à vista que os bancos devem deixar em poder do BACEN. Quanto maior esse percentual, menor a quantidade ofertada de moeda na economia à disposição do sistema bancário para realizar empréstimos, e maior a taxa de juros; por outro lado, quanto menor o valor do compulsório, maior a quantidade ofertada de moeda na economia, e, como resultado, maior o volume de recursos à disposição dos bancos para alavancar as operações de crédito4, o que induz o aumento dos investimentos das empresas. O terceiro instrumento é a política de redesconto, em que o BACEN5 empresta recursos a instituições financeiras com problemas de liquidez. No entanto, é necessário observar que, para evitar que as instituições financeiras com problemas de liquidez recorram constantemente a esses empréstimos, o BACEN cobra uma taxa de juros acima da taxa praticada no mercado para evitar problemas de risco moral6 no comportamento dos bancos, pois esses últimos, sabendo que terão aporte de recursos do BACEN, operam com nível de reservas abaixo do ideal. Logo, a solução do BACEN é emprestar fundos a uma taxa de juros punitiva. Diante da crise financeira internacional, recentemente, o BACEN tomou duas medidas. A primeira delas foi que, após longo período, ele voltou a atuar no mercado de câmbio, passando de comprador para vendedor. Essa medida objetivou diminuir a volatilidade cambial decorrente da crise financeira internacional, pois bruscas alterações no câmbio impactam negativamente o planejamento das empresas. No entanto, o escopo deste trabalho recai sobre outra medida adotada pelo BACEN, também em período recente. Mais precisamente, em função da crise internacional, o acesso às linhas de crédito por parte de empresas brasileiras no exterior diminuiu consideravelmente. Para atenuar esse problema, o BACEN reduziu o percentual de depósitos compulsórios com o intuito de reduzir a taxa de juros e substituir o crédito externo pelo interno. Conforme mencionado anteriormente, dado que o BACEN controla somente a base monetária, mas não a quantidade ofertada de moeda, pois não tem como influenciar diretamente as ações de bancos e demais agentes econômicos, caso os bancos tenham uma percepção pessimista em relação aos acontecimentos futuros, a redução do compulsório será uma medida inócua, uma vez que, nesse caso, os bancos não emprestarão esses recursos adicionais para as empresas exportadoras, ou seja, ao invés disso, elevarão suas respectivas reservas bancárias esterilizando esses recursos extras. Em outras palavras, os bancos agirão como as pessoas, que diante de incertezas conjunturais, tendem a poupar recursos para atender necessidades que não podem ser perfeitamente previstas no futuro7. Por outro lado, supondo que os bancos repassem esses recursos adicionais provenientes da redução do compulsório para fornecer crédito para as empresas exportadoras, ainda há outro obstáculo para que o governo possa atingir seu objetivo. As 'estrelas' das exportações brasileiras são commodities minerais e agrícolas, no entanto, é de amplo conhecimento na literatura econômica que commodities possuem baixa elasticidade renda, ou seja, para que suas respectivas quantidades demandadas cresçam de forma expressiva, é necessário que a renda mundial também apresente considerável tendência de crescimento, isto é, o efeito renda internacional é o principal componente a impulsionar as exportações brasileiras. Sendo assim, dado que a atual crise norte-americana tende a contaminar as demais economias desenvolvidas e que também terá reflexos sobre os demais países, a demanda mundial por commodities possivelmente se contrairá e as exportações brasileiras também. A possível queda das exportações brasileiras fará com que as empresas brasileiras exportadoras demandem menos crédito, pois os países importadores reduzirão suas compras do Brasil, uma vez que a oferta não cria sua própria demanda, contrariamente ao que afirmavam os economistas clássicos. Portanto, apesar do esforço do governo em aumentar o volume de crédito disponível para as empresas exportadoras impulsionarem suas vendas ao exterior, o resultado efetivo dessa redução do compulsório depende do comportamento de variáveis que estão fora do controle do governo (comportamento dos bancos e economia internacional), isto é, essas variáveis são exógenas. Sendo assim, dependendo da magnitude (ou intensidade) e longevidade da atual crise, serão necessárias, ainda, várias outras medidas pontuais ao longo do tempo ou, na pior das hipóteses, até mesmo a implementação de algum pacote de medidas econômicas por parte do governo, visando tentar atenuar os possíveis efeitos dessa crise sobre a economia brasileira, pois o espectro da crise já pode ser visto no horizonte, dado que o BACEN reformulou a previsão da taxa de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB), que, anteriormente, era estimada em 4%, para 3,5% do PIB em 2009. 2É importante realçar que o BACEN controla a Base Monetária e não a Oferta de Moeda. Mais precisamente, o BACEN não tem poder para determinar nem o volume de Reservas Bancárias nem o volume de Depósitos à Vista no sistema bancário, os quais compõem a Oferta de Moeda na economia, e que dependem das interações entre Bancos, BACEN e Depositantes. 3As operações de mercado aberto, basicamente, visam o controle da inflação, apesar de, até recentemente, terem sido utilizadas para manipular a taxa de câmbio. 4Nesse caso, a hipótese é que os bancos tenham uma perspectiva otimista em relação ao futuro da economia, pois, caso contrário, os bancos adicionam esses recursos extras em suas reservas, ou seja, não emprestam esses recursos para o setor real e não geram investimentos na economia. 5Emprestador de última instância. 6O Risco moral (Moral Hazard) decorre da assimetria de informação, pois, depois de efetuada a transação há risco de que o tomador de empréstimos se engaje em atividades indesejáveis (que reduzam o retorno ou aumentem o risco do investimento) do ponto de vista do emprestador. 7Está se admitindo que a racionalidade dos agentes econômicos é limitada, ou seja, abraça-se a idéia de racionalidade da Economia de Custos de Transação (ECT) ao invés da racionalidade plena adotada pela tradicional microeconomia. Caso o ambiente em que se tomam decisões fosse perfeitamente previsível, a racionalidade limitada não teria sentido em termos analíticos e seria sobrepujada pela racionalidade plena. Palavras-chave: compulsório, política monetária, BACEN.
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1Também denominadas operações de open market.
Data de Publicação: 08/10/2008
Autor(es): Mario Antonio Margarido (mamargarido@iea.sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor