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Preços de alimentos e inflação
A
evolução dos preços dos alimentos sempre teve um papel importante nas políticas
de combate à inflação. A experiência do plano Cruzado, de 1986, é citada como
exemplo. O congelamento dos preços provocou, inicialmente, um considerável
aumento da renda real da população em geral, que se dirigiu, em grande parte,
para o consumo de alimentos. O excesso de demanda confrontou-se com uma oferta
relativamente inelástica, e, na impossibilidade de ajuste de preços, houve o
desabastecimento. É bom lembrar que naquela época a economia brasileira era bem
mais fechada ao comércio, e as importações não puderam ser usadas como
complemento da oferta doméstica de alimentos.
Quando o plano Real foi implementado, em 1994, a conjuntura era bem diferente.
Além de não haver congelamento de preços, mas sim uma troca de moeda bem urdida,
o Brasil estava mais integrado ao comércio mundial em comparação com a década de
1980. A apreciação inicial do real permitiu que se importassem mercadorias para
complementar a oferta interna a preços bem favoráveis. Alguns analistas usaram o
termo âncora cambial, e mesmo âncora verde, referindo-se aos preços dos produtos
agrícolas, para explicar o sucesso deste plano de estabilização.
Depois de um longo período de estabilidade de preços, em meados de 2007, foram
registradas algumas elevações atípicas de preços, sobretudo de produtos
agrícolas. O caso mais marcante foi o do leite, pois à já tradicional
entressafra, juntaram-se as importações da China e as restrições da Argentina às
exportações deste produto, visando garantir o abastecimento interno. O resultado
foi que houve uma considerável redução da oferta, com a conseqüente elevação de
preços. Outro exemplo é o trigo, também importado principalmente da Argentina,
que adotou a mesma política de garantir a oferta interna deste grão. Além disso,
começa a preocupar o aumento do preço internacional de algumas
commodities, como o milho e a soja, como decorrência do desvio de
parcelas das respectivas safras para a produção de biocombustíveis. No caso
deste último há que se registrar também o aumento das importações da
China.
Com o
propósito de avaliar se existe alguma pressão inflacionária oriunda de produtos
agrícolas, mais especialmente dos alimentos, foi examinada a evolução de alguns
índices de preços. O primeiro critério para a seleção dos índices foi que eles
refletissem da forma mais completa possível a evolução dos preços de alimentos.
Assim, a escolha recai naturalmente para os índices de preços ao consumidor,
como o Índice de Preços ao Consumidor, da Fundação Instituto de Pesquisas
Econômicas (IPC-FIPE), o Índice de Custo de Vida do Departamento Intersindical
de Estatística e Estudos Socioeconômicos (ICV-DIEESE) e a Cesta de Mercado do
Instituto de Economia Agrícola (CM-IEA). Além disso, consideraram-se índices de
preços mais gerais, mas que contivessem um item específico dedicado aos
alimentos ou produtos agrícolas. Estes índices são o Índice de Preços no
Atacado- Oferta Global (IPA-OG), da Fundação Getúlio Vargas, que contém um item
para alimentos (IPA-OGA), e o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), do
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, que também contempla
separadamente os alimentos (IPCAA).
Os
índices são apresentados em 3 grupos: 1) IPA-OG, IPA-OGA, ICV-DIEESE e CM-IEA
(Figura 1); 2) IPCA, IPCAA, ICV-DIEESE e CM-IEA (Figura 2); e 3) IPC-FIPE, IPCA,
ICV-DIEESE e CM-IEA (Figura 3). O período coberto pela análise é de janeiro de
2002 até setembro ou outubro de 2007, conforme a disponibilidade de
dados.
Do
exame das três figuras pode-se concluir, inicialmente, que no nível dos preços
praticados no atacado, as diferenças entre os índices é maior. Curiosamente,
neste caso, IPA-OG, que representa todos os preços da economia, esteve durante
boa parte do período em pauta acima dos preços agrícolas e dos preços pagos
pelos consumidores.
É
certo que no últimos meses verifica-se uma ligeira tendência de elevação nos
preços de alimentos e/ou produtos agrícolas (CM-IEA e IPA-OGA).
No
caso do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), que é a média oficial da
inflação brasileira para fins de política monetária, os índices evoluíram
bastante próximos, principalmente no final do período.
O
índices estimados pela FIPE também mantiveram-se próximos do ICV-DIEESE e da
CM-IEA. Todavia, também nota-se, neste caso, ligeiro aumento nos preços medidos
por estes dois últimos índices.
Como
conclusão deste exercício pode-se dizer que os preços dos produtos agrícolas e
dos alimentos ainda não contaminaram de forma significativa os preços em geral.
Entretanto, não se pode dizer que este perigo não existe, por duas razões: não
se sabe qual é a verdadeira força do aumento dos preços dos produtos agrícolas e
alimentos, e também porque demora algum tempo para que este tipo de pressão se
irradie. É necessário aguardar mais algum tempo para se ter um juízo mais
abalizado deste fenômeno.
Figura 1 - Índices de Preços no Atacado, Oferta Global, Total (IPA-OG) e Alimentação (IPA-OGA), do DIEESE (ICV-DIEESE), e Cesta de Mercado do IEA (CM-IEA), Jan./2002 a Out./2007.
Fonte: IPEADATA.
Figura 2 - Índices de Preços ao Consumidor Amplo Geral (IPCA), de Alimentos (IPCAA), do DIEESE, e Cesta de Mercado do IEA (CM-IEA), Jan./2002 a Out./2007.
Fonte: IPEADATA.
Figura 3 - Índices de Custo de Vida da FIPE Geral (IPC-FIPE) e de Alimentação (IPC-A), do DIEESE (ICV-DIEESE), e Cesta de Mercado do IEA (CM-IEA), Jan./2002 a Out./2007.
Fonte: IPEADATA.
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Palavras-chave: inflação, alimentos,
produtos agrícolas, números índices.
Data de Publicação: 13/02/2008
Autor(es): César Roberto Leite da Silva Consulte outros textos deste autor