Agricultura de alimentos X de energia: impacto nas cotações internacionais

            O mercado de óleos vegetais mudou. Até recentemente as oscilações nas produções das principais oleaginosas, a demanda por proteína vegetal (que se converte em animal, via consumo de farelo) e mesmo a procura por alimentos na forma de óleo (derivada do crescimento econômico e populacional) se constituíam em fatores suficientes para justificar as alterações no quadro da oferta e demanda e, conseqüentemente, nos níveis de preços. Atualmente, o comportamento do mercado de óleos vegetais também é determinado pelo biodiesel, em função do aumento na procura por óleos vegetais para esse biocombustível.

            Nos últimos anos, o mercado mundial de óleos vegetais tem se caracterizado pelo crescimento mais acentuado na demanda em relação à oferta, tendência que deverá ser acirrada na temporada 2007/08. Para o consumo é prevista expansão de 4,2%, o qual deve alcançar 126,6 milhões de toneladas, frente ao acréscimo de apenas 2,8% na oferta, de 136,2 milhões de toneladas, conforme o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA)1.

            A avaliação da demanda mundial de óleos vegetais por finalidade: alimentícia e industrial (para a produção de biodiesel) mostra quanto a questão energética tem modificado o consumo desse co-produto, nos últimos anos. Entre 2003/04 e 2007/08, o consumo total de óleos cresceu 26,2%, sendo que para alimentos em 18,2% e para fins industriais na ordem de 76,0%, ao saltar de 13,7 para 24,1 milhões de toneladas entre os extremos do período. Desse modo, o uso industrial apresenta crescimento relativo de 13,7% para 19,1%, enquanto a parcela para alimentos é decrescente, de 86,3% para 80,6% do total. Depreende-se, assim, que o aumento na demanda por óleos vegetais se deve principalmente ao uso como matérias-primas para o biodiesel (Tabela 1).

            O consumo de óleos vegetais para fins carburantes na União Européia (UE) cresceu 141,5% (de 3,30 para 7,97 milhões de toneladas) contra um aumento de apenas 10,6% observado para o consumo alimentar (de 12,3 para 13,6 milhões de toneladas), no período de 2003/04 a 2007/08. Isso ocorreu por força do comprometimento da UE, signatária do Protocolo de Kyoto, em reduzir as emissões de gases de efeito estufa (com relação aos níveis de 1990), até 2012.

Tabela 1 - Consumo Mundial de Óleos Vegetais para Fins Alimentícios e Industriais, 2003/04 a 2007/08
(em milhão t e %)


 

Ano
Consumo total (a)
Alimentos (b)
Industrial (c)
(b/a)
(c/a)
2003/04
100,4
86,7
13,7
86,3
13,7
2004/05
107,9
91,4
16,5
84,7
15,3
2005/06
115,3
95,8
19,5
83,1
16,9
2006/07
121,5
99,3
22,2
81,7
18,3
2007/08
126,7
102,5
24,1
80,9
19,1

Fonte: OILSEEDS (2007).

            A UE utiliza o co-produto da canola como base de seu programa de biocombustíveis (além de soja e girassol em menores proporções), dada a disponibilidade dessa matéria-prima, já que o Bloco é o maior produtor dessa oleaginosa com 38,0% do total mundial, seguido da China, do Canadá e da Índia. O consumo desse óleo para o biodiesel já supera o de alimentos e em 2007/08 deve alcançar 5,0 milhões de toneladas (Figura 1).

Figura 1 - Consumo de Óleo de Canola por Finalidade, União Européia, 2003/04 a 2007/08.

Fonte: OILSEEDS (2007).

            Em 2005, quando o Protocolo de Kyoto entrou em vigor, a UE estipulou metas de substituição de energia fóssil por renováveis. Para o setor de transporte, o objetivo é substituir 5,75% dos combustíveis fósseis (gasolina e diesel) por biocombustíveis. Segundo Bravo (2007)2, a Agência Européia para o meio ambiente calcula que para cumprir com esse objetivo será necessário dedicar entre 4,0% e 13,0% do total de terras agrícolas da UE-25, em função da eleição de cultivos. Portanto a UE se vê na necessidade de importar seja a matéria-prima (grãos oleaginosos), o óleo ou ainda os biocombustíveis. A autora prevê, ainda que, os cultivos que irão crescer no Terceiro Mundo para servir ao mercado demandante de consumidores europeus serão o de soja e o de palma.

            A produção mundial de óleo de palma se concentra na Indonésia, responsável por 46,0% e na Malásia, por 41,0%. No Sudeste asiático, o consumo alimentar desse derivado deve crescer 3,2% enquanto que para o biodiesel o aumento é de 20,0% em 2007/08, comparativamente ao da temporada passada. Os fins energéticos deverão demandar 3,87 milhões de toneladas, quantidade que já representa 37,0% do consumo total, conforme o USDA.

            Para o óleo de soja – segundo mais demandado depois do de palma – o consumo mundial em 2007/08 é previsto em 38,0 milhões de toneladas, 6,6% maior, enquanto a oferta deve totalizar 41,0 milhões de toneladas, 4,0% a mais que a da safra anterior. Os Estados Unidos, maior produtor de soja, reduziram 15,7% a área cultivada com essa oleaginosa em favor do milho cuja expansão, de 21,8%, foi estimulada visando a produção de etanol. Tradicionalmente, a participação estadunidense nas exportações mundiais do óleo de soja é relativamente pequena (7,0%), em virtude do elevado consumo interno, no qual a participação do uso de óleo de soja para fins energéticos saltou de 3,0% em 2003 para 12,0% do consumo total do derivado em 2006, conforme Soystats3.

            A Argentina é a principal exportadora de óleo de soja, com 60,0% do total, apesar de ocupar a terceira colocação na produção do grão, depois dos Estados Unidos e do Brasil. A preferência doméstica pelo consumo alimentar de óleo de girassol e, principalmente, a estrutura agroindustrial exportadora da soja justificam a liderança do país nas vendas externas dos derivados e ratificam o potencial do país para a produção e exportação de biodiesel. Em 2006, o país sancionou a Lei 26.093 que dispõe sobre o Regime de Regulação e Promoção para a Produção e Uso Sustentáveis de Biocombustíveis4, o qual prevê a adição obrigatória de 5,0% de biodiesel ao óleo diesel a partir do quarto ano a partir da promulgação da referida Lei, ou seja, em 2010.
 
            O Brasil é hoje o maior exportador de grão de soja com previsão de escoar 30,7 milhões de toneladas no período out./2007- set./2008, com acréscimo de 31,0% em relação ao anterior. A produção de óleo é estimada em 5,7 milhões de toneladas, com recuo de 3,0% e o consumo total (fins alimentícios e biodiesel) em 3,5 milhões de toneladas, 3,4% superior. Desse modo, o estoque final da temporada deve totalizar 301 mil toneladas (-17,0%), o menor patamar dos últimos quatro anos, conforme o USDA.

           No Brasil, a produção de biodiesel é predominantemente vinculada ao óleo de soja, em função da melhor estruturação da oferta, conforme Freitas (2004)5. Em função disso, Dall’Agnol (2007)6 comenta que o óleo de soja respondeu por 80,0% da produção de biodiesel em novembro de 2007, não obstante seu teor relativamente baixo, comparativamente a outras oleaginosas.
 
            Desde janeiro de 2008, todo o óleo diesel comercializado no Brasil comtém 2,0% de biodiesel, sendo que em 2013, ao petrodiesel dever-se-á adicionar 5,0% do combustível verde, segundo a Lei 11.097/05, a qual também estabelece que o aumento do blend poderá ser antecipado de acordo com a capacidade produtiva do Brasil.

            Para o atendimento da Lei, com exceção da soja, as demais oleaginosas apresentam produção pouco significativa e carência de pesquisas agronômicas para o melhor conhecimento do ciclo produtivo e dos tratos culturais necessários, avaliação das características físico-químicas para sua aprovação como carburante e que viabilizem a escala produtiva adequada. Embora se possa listar mais de 20 matérias-primas, poucas são passíveis de pronto aproveitamento. Além disso, o preço nem sempre é compatível para fins energéticos, uma vez que outras aplicações como na cosmética ou na medicina popular agregam mais valor, como é o caso de plantas nativas, em especial.

            O uso de óleos vegetais como alternativa ao petróleo modificou o mercado internacional de oleaginosas, que passou a incorporar um importante segmento da economia mundial: o energético. Nesse sentido, o crescimento da demanda por óleos vegetais para fins carburantes acirrou a competição entre potenciais exportadores (como Brasil, Argentina, Estados Unidos, Malásia e Indonésia), contribuiu para a redução no nível de estoques e para a menor disponibilidade de óleos vegetais, bem como para a sustentação da alta nos preços (Tabela 2).

Tabela 2 - Suprimento Mundial dos Óleos Vegetais, 2005/06 a 2007/081

(em milhão t)


 

Item
2005/06
2006/07
2007/08
Estoque inicial
10,0
10,1
8,8
Produção
118,1
122,4
127,3
Oferta
128,1
132,5
136,2
Consumo
115,3
121,5
126,7
Estoque final
10,1
8,8
8,1

1 Refere-se ao ano comercial de outubro a setembro.

2 Inclui os óleos de algodão, amendoim, canola, côco, girassol, oliva, palma, palmiste e soja.

Fonte: OILSEEDS (2007).

            As cotações internacionais dos principais óleos vegetais de palma, soja e canola- responsáveis por 75,0% da produção total, se encontram em patamares sem precedentes. Em novembro de 2007, o preço do óleo de palma alcançou US$935/t, com alta de 83,0% em relação ao mesmo mês do ano passado; o de soja, US$1.138/t, com aumento de 68,6% e; o de canola, US$1.273/t com elevação de 56,4% (Figura 2).

Figura 2 - Cotações Internacionais dos Óleos de Soja, Palma e Canola, Novembro/2005 a Novembro de 20071

1Cotações dos óleos de soja e canola em Rotterdam e de palma na Malásia.

Fonte: OILSEEDS (2007).

            Os óleos vegetais, além de consumidos diretamente na alimentação, constituem-se em importante matéria-prima para a formulação de biodiesel e de alimentos. Portanto, a alta de preços no mercado internacional põe em risco não só a sustentabilidade dos Programas Energéticos como também a segurança alimentar dos países pobres (importadores de alimentos).
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1OILSEEDS: World Markets and Trade. Washington: USDA, Dec. 2007.
2BRAVO, E. Agrocombustíveis, cultivos energéticos e soberania alimentar na América Latina: aquecendo o debate sobre agrobiocombustíveis. São Paulo: Editora Expressão Popular, 2007. 111p.
3US Soybean oil consumption. Soystats Guide (2004-2007). Disponível em:<http://www.soystats.com>. Acesso em: dez. 2007.
4REGIMEN de regulacion y promocion para la produccion y uso sustentables de biocombustibles. Disponível em:<http://www.sagpya.gov.ar>. Acesso em: dez. 2007.
5FREITAS, S. M. Biodiesel à base de soja: a melhor alternativa para o Brasil? Informações Econômicas, São Paulo, v. 34, n. 1, p. 86-89, jan. 2004.
6DALL’AGNOL, A. Por que fazemos biodiesel de soja. Disponível em: <http://www.criareplantar.com.br>. Acesso em: dez. 2008.

Palavras-chave: óleos vegetais, biodiesel, biocombustível, agroenergia, mercado.


Data de Publicação: 29/01/2008

Autor(es): Marisa Zeferino (marisa.zeferino@sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor
Sebastião Nogueira Junior (senior@iea.sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor
Silene Maria de Freitas (silene.freitas@sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor