Preços de Feijão Disparam, mas não Elevam Renda do Agricultor

            A disparada dos preços do feijão no final do ano vem produzindo inúmeras ilações sobre os elementos determinantes dessa conjuntura dos agromercados. Uma série de explicações em sustentação na realidade é apresentada nos diversos veículos midiáticos que têm repercutido esse fato de enorme relevância social, dado se tratar de um dos produtos básicos da alimentação do brasileiro. Há, entretanto, que se ter em conta a verdadeira dimensão e os elementos do fenômeno.

            Os preços médios mensais do feijão carioca no mercado consumidor paulistano durante o ano de 2006 tiveram um pico de alta no mês de abril, quando atingiram R$2,99/kg, desde quando se tem uma tendência decrescente alcançando o menor valor em maio de 2007 ao atingir R$1,96/kg. A partir dessa data ocorre uma tendência de crescimento que culmina com o salto para R$3,25/kg em novembro (Figura 1). Essa gangorra de preços mostra a primeira explicação para os exacerbados valores pagos pelos consumidores, uma vez que os valores cadentes do período anterior desestimularam os lavradores a plantar nos ciclos que se seguiram. A essa razão viria ser adicionada a estiagem atrasando o plantio das águas.


Figura 1 - Preços Médios Mensais de Feijão Tipo Carioca no Varejo da Cidade de São Paulo, Valores Nominais de Janeiro de 2006 a Novembro de 2007. 

Fonte: IEA.


            Essa elevação dos preços ao consumidor foi acompanhada de similar escalada dos preços recebidos pelos agricultores que, no Estado de São Paulo, mostram o pico em abril de 2006 com R$95,14/saca de 60kg, recuando para patamares em torno de R$60,00/casa entre agosto de 2006 (R$52,28/sc.) e abril de 2007 (R$49,68/sc.). Desse mês em diante, o comportamento verificado consiste num aumento desmesurado que levou aos R$172,46 verificados em novembro de 2007 (Figura 2). Uma ressalva fundamental deve ser feita, uma vez que a safra paulista das águas no ano agrícola passado (2006/2007) foi colhida exatamente na conjuntura de preços muito baixos, o plantio da safra das secas que veio a seguir, configurando cenários altistas para o segundo semestre de 2007.

Figura 2 - Preços Médios Mensais de Feijão Tipo Carioca Recebidos pelos Agricultores no Estado de São Paulo, Valores Nominais de Janeiro de 2006 a Novembro de 2007. 

Fonte: IEA.


            Essa situação não aconteceu apenas na realidade paulista, refletida nos preços recebidos pelos agricultores. O atacado paulistano que, por ser abastecido por safras complementares de zonas produtoras localizadas em diversas unidades da federação brasileira, reflete a conjuntura nacional para o produto, mostrou um comportamento muito similar ao dos preços recebidos pelos agricultores paulistas. Fica nítida a realidade de preços baixos nos meses exatamente anteriores à escalada altista, confirmando a situação de desestímulos na safra das águas 2006/2007 como precursora do atual período de preços exacerbados (Figura 3).

            Até onde vão os preços, representa uma indagação relevante? O certo é que as perspectivas de curto prazo são de continuidade dos aumentos de preços como mostram os valores diários dos preços recebidos pelos agricultores numa escalada no início de dezembro (Figura 4). Isso deve ocorrer até que a safra em curso consiga ofertar quantidades substanciais que impactem os preços de maneira decisiva.

Figura 3 - Preços Médios Mensais de Feijão Tipo Carioca no Atacado Paulistano, Valores Nominais de Janeiro de 2006 a Novembro de 2007. 

Fonte: IEA.


Figura 4 - Preços Médios Diários de Feijão Tipo Carioca Recebidos pelos Agricultores no Estado de São Paulo, Valores Nominais de Janeiro de 2006 a Novembro de 2007. 

Fonte: IEA.


            Não é demais ressalvar mais uma vez que se trata de aumento atual de preços decorrente de desestímulos por preços baixos que afetaram a safra de uma zona produtora específica levando às majorações conjunturais. Quando se verificam os indicadores de área plantada para todo o território brasileiro, nota-se que o principal impacto se dá na safra das águas (primeira safra), em que houve o recuo de 148,4 mil hectares apresentando a maior contribuição para a queda de 154,9 mil hectares no total do ano agrícola 2007/2008 que se mostra inferior ao de 2006/2007 (Tabela 1). Nos demais períodos as alterações foram pouco relevantes.

Tabela 1 - Área Plantada de Feijão Segundo as Safras, Brasil, Ano Agrícola 2006/2007 e 2007/2008
(em mil hectares)


 
Safra
2006/2007
2007/2008
Variação %
Variação absoluta
1.559,6
1.411,2
-9,5
-148,4
1.703,9
1.703,9
-
-
823,9
817,4
-0,8
-6,5
Total
4.087,4
3.932,5
-3,8
-154,9

Fonte: Companhia Nacional de Abastecimento (CONAB).


            O reflexo desse recuo da área total para produção de feijão se mostra ainda menos importante, pois se espera para o ano agrícola 2007/2008 uma colheita inferior em apenas 26,7 mil toneladas quando comparada com a obtida em 2006/2007. E mais uma vez nota-se que isso decorre exatamente do desempenho inferior da primeira safra, a das águas, plantada no segundo semestre de cada ano e cuja colheita inicia-se no final desse período, adentrando pelos primeiros meses do ano seguinte (Tabela 2). Logo se nota que não há sustentação, nesses indicadores de safra, para que os preços do feijão verificassem tamanha disparada no atual ciclo de elevação.

Tabela 2 - Produção de Feijão Segundo as Safras, Brasil, Ano Agrícola 2006/2007 e 2007/2008
(em mil toneladas)


 
Safra
2006/2007
2007/2008
Variação %
Variação absoluta
1.568,0
1.530,2
-2,4
-37,8
996,6
1.022,3
2,6
25,7
774,2
759,6
-1,9
-14,6
Total
3.338,8
3.312,1
-0,8
-26,7

Fonte: Companhia Nacional de Abastecimento (CONAB).


            A questão é que os desestímulos de preços se deram sobre safras de regiões específicas que, pela complementaridade de ciclos, deveriam oferta, produto exatamente a partir de outubro (colheita "do cedo"). Esse fato levou a não existência de produto num espaço sazonal determinado, tendo sido esse problema acirrado com a estiagem que postergou a semeadura, atrasando o ciclo produtivo. Assim, conquanto ainda seja possível no curtíssimo prazo a continuidade do aumento de preços, num espaço de tempo não muito longo esses valores voltarão para patamares menores que os vigentes. Basta para isso que a colheita da safra em curso atinja níveis maiores como proporção da superfície plantada.

            Finalizando, há que serem pontuados diversos elementos relativos ao atual quadro de preços exacerbados do feijão:

  • Como mostrado, trata-se de efeito conjuntural determinado e que reflete uma realidade de preços desestimuladores, impactando safras de regiões específicas das que compõem a complementaridade de oferta que garante o abastecimento do mercado brasileiro o ano todo.
  • A estiagem do início do segundo semestre de 2007, ao atrasar o plantio, mais que seus impactos sobre a área e a produtividade - postergando a colheita -, produziu enorme escassez momentânea do produto, o que deu guarida a pressões exacerbadas sobre os preços.
  • O desempenho da economia brasileira mostra que o crescimento decorre de aumento do consumo, o que reflete entre outras razões a maior demanda decorrente do maior nível do emprego com aumento da massa salarial, o que, em última instância, produz maior demanda por alimentos. Para a massa que, deixando o desemprego ou sendo beneficiária de programas sociais, entra no mercado ampliando o consumo, no caso dos alimentos, o faz ampliando a compra de feijão.
  • Que não estão ocorrendo ganhos extraordinários por todos os agricultores que produzem feijão, sendo que na verdade há perda de renda, pois quando tiveram grandes colheita, a realidade era de preços baixos e agora que os preços estão altos, a esmagadora maioria dos produtores não tem feijão para vender.
  • Não há qualquer ligação entre os elevados preços do feijão e a opção para a produção de etanol, uma vez que, nos locais onde houve recuo do plantio desse alimento básico não se trata de região canavieira. Se ligação houver, é com o mercado de milho e em alguns espaços de soja, cujos preços internacionais elevaram-se de forma significativa face às opções norte-americanas pelo etanol de milho, e brasileira que usa soja para atingir a meta de produção de biodiesel.
            Quanto à concorrência com as lavouras para agroenergia, há que se frisar que nada autoriza a tentativa de vincular os preços exacerbados de feijão, na atual conjuntura do mercado brasileiro, com a destinação de área antes cultivada com esse alimento para a produção de energia. Não faz sentido confundir conjuntura com estrutura, aludindo a equívocos como o acima exposto, pois tudo indica que logo o feijão voltará a ser um produto barato, para alegria da imensa massa que demanda essa proteína vegetal como alimento básico, em especial a população de menor renda.

Palavras-chave: mercados, feijão, preços, safras agropecuárias, inflação.

Data de Publicação: 21/12/2007

Autor(es): José Sidnei Gonçalves (sydy@iea.sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor
Eder Pinatti (pinatti@iea.sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor