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Soja em Alimentos: algumas considerações
Originária do continente asiático, a soja teve sua difusão assegurada pelas
pesquisas a partir da Segunda Guerra Mundial para o atendimento da demanda
proteíca, via utilização do farelo na ração animal. No Brasil ganhou notoriedade
nos anos setentas e, atualmente, o país ocupa a segunda colocação no
ranking mundial de produção, além de ser importante exportador de grão,
farelo e óleo.
A
diversidade de aplicação da soja decorre de seus co-produtos, além do óleo e do
farelo, como farinha, leite, queijo e ingredientes da culinária oriental (shoyo,
missô, etc.). Tem-se, também, a proteína texturizada que pode substituir a
carne; as proteínas concentrada e isolada, usadas na indústria de embutidos e
como ingredientes funcionais, respectivamente; a lecitina, um aditivo alimentar,
e a isoflavona, componente de alimento funcional. A agregação de valor
proporcionada por esses produtos é bastante expressiva, pois no caso dos
ingredientes para alimentos funcionais, o preço pode equivaler, no mínimo, a
quatro vezes mais que o do óleo de soja (CHIARELLO,
2002)1.
O
crescente interesse empresarial aliado à maior variedade de alimentos de soja
são comentados por Moraes (2006)2 que salienta a importância da
qualidade do grão para o atendimento específico da demanda. Nesse sentido, a
EMBRAPA- Soja3 desenvolveu um cultivar apropriado para a produção de
leite e seus derivados - tofu ou "queijo"- sem o sabor característico do grão,
mais adequado ao paladar brasileiro. Grizotto e Claus (2006)4
avaliaram dez novos cultivares para a obtenção de leite de soja e identificaram
aqueles que proporcionam melhor rendimento em proteína. A pesquisa constata,
inclusive, que o resíduo do leite - okara - é rico em proteína e que se
devidamente processado resulta em agregação de valor ao
produto.
O
consumo de leite de soja tem crescido desde o final dos anos noventas graças à
combinação com sucos de frutas, o que representa uma nova forma de demanda
desses produtos no Brasil, conforme Behrens e Silva (2004)5. Outro
exemplo do potencial da leguminosa, apresentado por Freitas e Moretti
(2006)6, consiste na utilização em barras de cereais, segmento em
franca expansão no país.
Panizzi (2006)7 considera que embora seja de difícil avaliação a
quantidade de soja processada para consumo humano no Brasil, estima que alcance
1,6 milhão de toneladas anuais, cerca de 3% da produção e com tendência de
crescimento, na medida dos novos usos pelo setor alimentício. A
EMBRAPA-Soja8 contabiliza 21 empresas voltadas aos alimentos
derivados da leguminosa nas mais diversas formas.
Para
avaliar o interesse pela soja por parte da indústria de alimentos, utilizam-se
os registros de patentes do Instituto Nacional de Propriedade Industrial
(INPI)9. Os registros de patentes de processos e de produtos à base
da leguminosa, especificamente para alimentação humana, praticamente dobraram,
de 17 em 1998-2000 para 33 em 2004-2006 (Figura 1), o que pode ser visto como
indicativo promissor do segmento no país, alicerçado pelo domínio tecnológico na
produção agrícola e nas etapas de processamento e de extração de produtos
específicos.
Figura 1 - Número de Patentes de
Processos e de Produtos Alimentícios1 à Base de Soja, Brasil,
1998-2000 a 2004-2006.
Fonte: Elaborada a partir de dados do Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI).
Além das propriedades nutricionais, a soja tem sido reconhecida como o alimento mais versátil para alimentos funcionais, segundo Yim, citado por Lima Filho et al. (2005)10. De acordo com Salgado (2007)11, essa característica decorre de componentes como as isoflavonas que têm ação estrógena, os flavonóides que têm propriedades anti-cancerígenas e as proteínas que atuam na redução do colesterol. Conforme Favoni et al. (2004) 12, a concentração de isoflavonas é determinada geneticamente e influenciada pelas condições ambientais durante o desenvolvimento da planta e pelo tipo de processamento aplicado ao grão.
O conceito de saúde pela alimentação não é novidade, uma vez que há milhares de anos já era aplicado pelas culturas chinesa, indiana, egípcia e grega. "Novo é o interesse de buscar e explorar mais amplamente esse potencial e o tratamento científico e legislativo dado hoje à questão" (VIEIRA; CORNÉLIO; SALGADO, 2006)13. Isso porque todos os alimentos são funcionais, mas recentemente o termo "funcional" tem sido aplicado àqueles que proporcionam benefícios fisiológicos adicionais por conterem substâncias com essas propriedades, como ômega 3 e 6, carotenóides, isoflavonas, licopeno, fibras, entre outras.
Lima Filho et al. (2005)14 discutem a diversidade de conceitos e de sistemas de regulação dos alimentos funcionais no âmbito mundial e verificam que esses aspectos ainda se encontram em construção na maioria dos países. A exceção é o Japão, o primeiro a definir o segmento de funcionais, nos anos oitentas, com a denominação Foods for Specified Health Use (FOSHU). No Brasil, desde 1999 as diretrizes para análise e comprovação das propriedades funcionais dos alimentos são determinadas pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA).
O segmento de funcionais é considerado a nova fronteira do mercado de alimentos, face ao crescimento de 10% ao ano, ritmo três vezes superior que o de produtos alimentícios convencionais no âmbito mundial15.
Os alimentos funcionais à base de soja se tornaram a principal estratégia da cadeia produtiva num processo de "descommoditização" da leguminosa, no qual as empresas líderes deverão acompanhar as reivindicações de qualidades específicas. A identificação de novas propriedades funcionais assegura a essas empresas o valor agregado desses produtos, por meio de patentes ou royaltes. Ademais, tem-se o estabelecimento de uma associação comercial para a promoção de ingredientes à base do grão no mercado europeu. Embora o futuro seja incerto para empresas líderes de alimentos finais de um modo geral, é certo que reposicionamentos baseados na ciência da fronteira entre alimentação e saúde sejam necessários para manterem suas posições nos mercados alimentares (WILKINSON, 2002)16.
Infere-se, assim, que o desenvolvimento tecnológico da soja encontra-se num
estágio, em que a alimentação humana aparece como um indutor de inovações,
diferentemente dos principais avanços no século XX regidos, basicamente, pela
demanda protéica animal. Isso, obviamente, não representa detrimento do
principal segmento da cadeia - o de farelo - mas o aperfeiçoamento de processos
e de produtos com vistas ao atendimento da demanda por alimentos que atendam as
expectativas nutricionais e de benefícios à saúde, que deverá se fazer mais
presente neste século.
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1CHIARELLO, M. D. A soja e os
alimentos funcionais: oportundades de parcerias em P&D para os setores
público e privado. Parcerias Estratégicas, Brasília, n. 15, p. 45-60,
out. 2002. Disponível em: <http://www.cgee.org.br/
arquivos/pe_15.pdf>. Acesso em: jul. 2007.
2MORAES, R. M. de. (2006). Soja para
todos os gostos. Disponível em: <http://www.ital.sp.gov.br>. Acesso em:
jul. 2007. Entrevista concedida a Assessoria de Comunicação do
ITAL.
3EMPRESA
BRASILEIRA DA PESQUISA AGROPECUÁRIA – EMBRAPA-SOJA. Soja na alimentação:
indústrias de alimentos. Disponível em: <http://www.cnpso.embrapa.br/soja_alimentacao/index.php>.
Acesso em: ago. 2007.
4GRIZOTTO, R. K.; CLAUS, M. L. Novas cultivares de soja
são estudadas do ITAL. Disponível em: <http://www.ital.sp.gov.br>. Acesso em:
jul. 2007. Entrevista concedida a Assessoria de Comunicação do
ITAL.
5BEHRENS, J.
H.; SILVA, M. A. A. P. Atitude do consumidor em relação à soja e produtos
derivados. .Ciênc. Tecnol. Aliment., Campinas, v. 24, n. 3, p. 431-439,
jul./set. 2004. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/
cta/v24n3/21939.pdf>. Acesso em: jul. 2007.
6FREITAS, D. G. C.; MORETTI, R. H.
Caracterização e avaliação sensorial de barras de cereais funcional de alto teor
protéico e vitamínico. Ciênc. Tecnol. Aliment., Campinas, v. 26, n. 2, p.
318-324, abr./jun. 2006. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/cta/v26n2/30179.pdf>.
Acesso em: jul. 2007.
7PANIZZI, M. C. Soja: Embrapa promove curso para indústrias
de alimentos. Revista Negócios, 30 maio 2006. Disponível em: <http://www.revistanegocios.com.br/ver_noticias.asp?tp=1&cat=1&nt=888>.
Acesso em: ago. 2007.
8Op. cit. nota 3.
9INSTITUTO NACIONAL DE PROPRIEDADE INDUSTRIAL – INPI.
Pesquisa base patentes. Disponível em: <http://www.inpi.gov.br>. Acesso em: ago.
2007.
10LIMA
FILHO, D. O. et al. Alimentos funcionais: construção de conceitos e
disponibilidade de lácteos nos supermercados de Campo Grande, Estado de Mato
Grosso do Sul, 2004. Informações Econômicas, São Paulo, v. 25, n. 11, p.
7-17, nov. 2005.
11SALGADO, J. M. Alimentos funcionais. Disponível em:
<http://www.sbaf.org.br/sbaf/_alimentos/
200506_Alimentos_Funcionais.htm>. Acesso em: ago. 2007.
12FAVONI, S. P. G. et al.
Isoflavonas em produtos comerciais de soja. Ciênc. Tecnol. Aliment.,
Campinas, v. 24, n. 4, p. 582-586, out./dez. 2004. Disponível em:
<http://www.scielo.br/pdf/cta/v24n4/a17v24n4.pdf>.
Acesso em: ago. 2007.
13VIEIRA, A. C. P.; CORNÉLIO, A. R.; SALGADO, J. M. Alimentos
funcionais: aspectos relevantes para o consumidor. Jus Navigandi,
Teresina, v. 10, n. 1123, 29 jul. 2006. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/
texto.asp?id=8702>. Acesso em: jul. 2007.
14Op. cit. nota 10.
15SOCIEDADE BRASILEIRA DE
ALIMENTOS FUNCIONAIS – SBAF. Muito mais que comida. Disponível em: <http://www.sbaf.org.br/sbaf/_noticias/200703_MaisqueAlimento.htm>.
Acesso em: ago. 2007.
16WILKINSON, J. Os gigantes da indústria alimentar entre a
grande distribuição e os novos clusters a montante. Estudos Sociedade e
Agricultura, v. 18, p. 147-174, abr. 2002.
Palavras-chave: soja, alimentos funcionais, mercado.
Data de Publicação: 28/09/2007
Autor(es): Marisa Zeferino (marisa.zeferino@sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor