O que a agricultura importa?

            Desde que a economia brasileira voltou a enfrentar o processo de apreciação da moeda nacional surgiu um acalorado debate acerca das causas e conseqüências desse fenômeno. Basicamente o debate pode ser resumido na polarização entre os que entendem que a apreciação se deve à agricultura e os que a atribuem à política monetária.

            Os primeiros argumentam que as enormes vantagens comparativas do país no comércio de commodities agrícolas são responsáveis pelos saldos comerciais crescentes, aumento da oferta de divisas, e conseqüente apreciação do Real que, por sua vez, implica desindustrialização do país, dado que a indústria não é competitiva com taxa de câmbio tão desfavorável.

            Os que atribuem a apreciação da moeda doméstica à política monetária entendem que a estratégia de combate à inflação por meio de metas inflacionárias resulta em taxas reais de juros muito acima das prevalecentes no exterior. Como há grande liquidez internacional, com capitais em busca de melhor remuneração, os juros domésticos elevados atraem capitais em excesso, provocando a apreciação da moeda local.

            Qualquer que seja a origem do fenômeno, o fato é que há uma expectativa generalizada de que o câmbio continue se apreciando, fato que favorece o prosseguimento dos influxos de recursos pela conta capitais e reforça o processo.

            Um lado positivo da apreciação cambial é que os produtos importados ficam mais baratos, facilitando os investimentos em máquinas e equipamentos para a modernização do processo produtivo. Se a maior parte dos agentes econômicos aproveita a oportunidade para realizar investimento em tecnologia, a economia como um todo sai fortalecida, com maior grau de sustentabilidade, além de maior resistência às mudanças no cenário internacional. Se a apreciação cambial resulta em aumento dos gastos com consumo, o resultado é tornar a economia ainda mais atrasada em relação ao resto do mundo, e mais vulnerável aos movimentos especulativos internacionais.

            Há que se ressaltar que o grau de apreciação cambial depende do setor de atividade, dado que esta avaliação leva em conta a taxa de câmbio nominal e o nível de preços dos parceiros comerciais. O Brasil tem intercâmbio comercial bastante diversificado por origem/destino, resultando em diferenças entre a taxa de câmbio real efetiva da agropecuária e a média geral (Figura 1).



            Dado que quanto maior for o índice da taxa de câmbio real efetiva, maior é o grau de depreciação e, tendo por base a média mensal de 2003 a 2006, observa-se que em 2003 a diferença era desfavorável aos exportadores de produtos agropecuários, chegando a mais de 6% em relação à média de todos os bens. Daí em diante a situação se inverteu, embora com exceção em alguns meses, resultando em diferença média dos índices da ordem de 0,5% a favor das exportações do setor entre o começo de 2004 e fevereiro de 2006. Depois disso a diferença cresceu para mais de 2% e significa que a taxa de câmbio está um pouco mais depreciada para a agropecuária que para a média da economia, o que talvez explique parte do sucesso das exportações do setor.

            Observe-se que a diferença é pequena, e o que o gráfico evidencia é a tendência expressiva à apreciação da moeda brasileira desde julho de 2004, agravada a partir de abril de 2005, quando o índice caiu abaixo da média dos quatro anos considerados.

            Nessa conjuntura cabe questionar: será que o setor agrícola está aproveitando o cambio favorável para importar bens de capital para melhorar sua capacidade produtiva futura? A análise da composição do total dos gastos do setor no exterior indica que não.

            A distribuição das importações do agronegócio brasileiro entre o primeiro trimestre de 2003 e o primeiro de 2007 mostra que a participação dos bens de capital gira em torno de 10%, sem tendência definida (Figura 2).
 


            Vale destacar que a agricultura brasileira importa relativamente pouco: menos de ¼ das divisas obtidas com exportações são despendidas no exterior. Além disso, mesmo diante da apreciação da moeda, as exportações do agronegócio cresceram mais que as importações: de US$41,5 bilhões em 2004 saltaram para US$52,0 bilhões em 2006 enquanto as importações passaram de US$10,2 bilhões para US$12,1 bilhões, respectivamente, resultando em aumento de 27,5% do saldo comercial. Essa é uma evidência clara da competitividade do agronegócio brasileiro que, para alguns analistas, seria a causa original da apreciação da moeda.

            O desempenho espetacular das exportações poderia ser em parte atribuído às importações de bens de capital, que tiveram taxa de crescimento de 29,3% e 15,9% em 2004 e 2005, respectivamente, bem acima da média geral das importações do agronegócio. No entanto, a decomposição do valor desse conjunto de produtos não corrobora essa observação: cerca de ¾ foram destinados à importação de maquinaria industrial e acessórios enquanto o maior crescimento das exportações se deve a produtos in natura (Tabela 1).

            Acrescente-se que as importações de bens de capital não parecem responder às mudanças na taxa de câmbio real efetiva: em 2006 e início de 2007, exatamente quando o Real atingiu maior grau de apreciação, as importações desses bens passaram a crescer menos que a média do setor.


Tabela 1 - Participação do Item e Crescimento Anual das Importações do Agronegócio, Brasil, 2003 a 2007
(%)

Discriminação
Participação1
Variação
2004
2005
2006
20072
Total dos agronegócios
100,0
19,9
-1,3
20,1
41,6
Bens de capital
10,0
29,3
15,9
19,7
32,2
Maquinaria industrial e acessórios
7,6
19,6
29,0
23,5
27,7
Máquinas e ferramentas
0,8
120,1
-8,0
-0,5
117,2
Equipamento móvel de transporte
0,1
127,2
-47,7
116,3
-19,9
Partes e peças para bens de capital da indústria
0,9
68,2
-4,8
0,6
19,9
Partes e peças para bens de capital da agricultura
0,5
-3,8
-41,3
8,4
52,1
Outros bens de capital
0,2
43,3
26,4
10,1
15,1
Bens de consumo 
17,8
7,9
31,3
31,2
33,0
Produtos alimentícios
12,4
14,5
29,8
25,8
28,2
Bebidas e tabacos
2,0
16,0
14,5
35,2
37,5
Vestuário e outras confecções têxteis
1,1
36,6
54,8
70,6
52,6
Bens de consumo duráveis
0,6
13,0
81,9
52,9
41,8
Outros bens de consumo 
1,6
-41,1
39,0
34,8
51,9
Matérias-primas e produtos intermediários
72,1
21,4
-9,6
17,1
46,2
Produtos alimentícios
16,1
-24,7
-13,9
30,2
47,2
Produtos agropecuários não alimentícios
17,2
33,6
3,5
39,5
29,5
Alimentos para animais
2,0
-19,5
20,6
11,9
17,8
Produtos químicos e farmacêuticos
7,6
48,1
-19,1
8,9
60,5
Outras matérias-primas e prods. Intermediários
29,3
51,6
-12,9
1,1
59,9

¹Participação média no valor importado pelo agronegócio entre 2003 e 2006.
²Variação entre o primeiro trimestre de 2006 e o de 2007.

Fonte: Dados básicos da SECEX/MDIC classificados pelo IEA.


            Também se poderia considerar que a apreciação da taxa de câmbio resultasse em grande crescimento das importações de insumos, favorecendo a competitividade da agricultura. Mais uma vez, parece que não é o caso. Quase ¾ do valor das importações do agronegócio foram despendidos com matérias-primas e produtos intermediários, na média de 2003 a 2006. A classificação disponível não permite identificar com clareza a participação dos insumos importados destinados à agricultura. Pode-se observar, no entanto, que boa parte dessas importações (22,6%) que representaram 16,1% do valor total das importações do agronegócio entre 2003 e 2006, foi destinada à agroindústria processadora de produtos alimentícios. Também se destina à agroindústria a maior parte dos produtos agropecuários não alimentícios que corresponderam a 17,2% das importações totais do setor no período.

            Acrescente-se que no caso das matérias-primas e produtos intermediários a taxa de câmbio real também não parece constituir variável das mais determinantes. Esse conjunto de produtos vinha perdendo importância relativa desde 2005, com importações crescendo bem menos que a média do setor. A comparação entre os primeiros trimestres de 2006 e 2007, no entanto, mostra situação inversa: crescimento de 46,2% das importações de matérias-primas e produtos intermediários, resultado de expansão da ordem de 60% das importações de produtos químicos e farmacêuticos e de outras matérias-primas e produtos intermediários.

            Essa análise do desempenho por grupos de produtos não permite concluir que a taxa de câmbio seja determinante das importações, exceto para os bens de consumo que, desde 2005 vêm sustentando taxa de crescimento acima de 30% a.a. Nesse período, todos os componentes desse grupo registraram expansão bem maior que a média das importações do agronegócio, destacando-se vestuários, têxteis e bens duráveis cujas importações cresceram mais que 50% a.a.

            Dizer que a taxa de câmbio não é determinante não implica que o setor não seja afetado por ela. Naturalmente as exportações seriam ainda maiores com taxa de câmbio depreciada, mas os insumos importados pesariam mais no custo de produção. Como esses insumos, mesmo com taxa de câmbio tão favorável à importação como agora, representam relativamente pouco do valor exportado pela agricultura, a depreciação da moeda poderia da maior lucratividade ao setor.

            No sistema de câmbio flutuante a depreciação acontece quando cai a oferta e/ou aumenta a demanda por divisas. No período recente o setor agrícola não tem contribuído para isso. Pelo contrário, as exportações continuam crescendo em ritmo mais acelerado que as importações, concorrendo para aumentar a apreciação da moeda doméstica. Acrescente-se que a dinâmica observada no comércio agrícola contemporâneo apresenta a desvantagem de expandir a importação de bens de consumo quando o momento deveria ser aproveitado para trazer bens de capital do exterior.
 

Palavras-chave: agricultura, importação, taxa de câmbio.

Data de Publicação: 02/07/2007

Autor(es): Maria Auxiliadora de Carvalho (macarvalho@iea.sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor
Cesar Roberto Leite da Silva (crlsilva@iea.sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor