Com a globalização, as normas de qualidade internacionais são cada vez mais relevantes para a comercialização de produtos alimentares, pois buscam estabelecer padrões de equivalência para produtos através das diversas fronteiras de cada país.
Por outro lado, os consumidores estão cada vez mais exigentes quanto a atributos de valor dos produtos a serem adquiridos para o consumo.
Além da sanidade do alimento e das qualidades nutricionais, o consumidor busca no produto atributos como: respeito ao meio ambiente, respeito às leis sociais do trabalho (comércio justo) e alimentos elaborados via processos tradicionais preservados por produtores locais.
A rastreabilidade, a denominação de origem e a certificação através de selos ou rótulos têm sido os procedimentos adotados para dar garantias às normas internacionais e às novas exigências do mercado.
A emergência do tema da qualidade, em contexto de complexa competitividade dos produtos em mercados globalizados, tem levado estudiosos das ciências sociais, inclusive economistas, a debater sobre modelos e novos conceitos que possam contribuir para a compreensão desse fenômeno.
A Economia da Qualidade agroalimentar busca utilizar conceitos da economia e das ciências sociais para a compreensão desse processo que vem ocorrendo desde os anos 90s.
Pretende-se abordar o tema da qualidade alimentar do ponto de vista da Escola Francesa em contraposição à Anglo-Saxônica, de abordagem neoclássica, e apresentar as contribuições da Economia agroalimentar e da Nova Economia Institucional.
A Organização Internacional de Normatização (ISO) define qualidade como função de medidas de um conjunto de propriedades e características que oferece um produto, serviço ou processo que satisfazem as necessidades do consumidor 1 . Portanto, a qualidade é subjetiva e, por conseguinte, está sujeita a mudanças no tempo.
A Economia Neoclássica, entretanto, é limitada em considerar a qualidade do produto, assim como a crescente assimetria de informação que enfraquece o papel dos consumidores, numa era de globalização e crescente risco de contaminação dos produtos e preocupação com a saúde pública.
Sob o ponto de vista econômico, uma primeira premissa a ser considerada na economia da qualidade, contrariamente à abordagem neoclássica, é que a análise de mercado não pode basear-se mais, unicamente, no mecanismo de preços, visto que um preço baixo pode ser um sinalizador de baixa qualidade para o consumidor com exigências orientadas para outros princípios. Um exemplo, é o caso do açúcar mascavo, cujo processo industrial é mais simples que o do refinado, porém, é mais valorizado por um segmento de mercado e seu preço é superior devido ao padrão diferenciado de escala de produção.
Apesar de as inovações tecnológicas e a produção em escala terem contribuído para a redução do custo unitário e, conseqüentemente, para os preços dos produtos, os consumidores estão atentos para qualificações com relação aos compromissos social e ambiental e estão dispostos a pagar um preço maior.
A Escola Francesa da Economia da Qualidade substitui a abordagem econômico-tecnológica por uma perspectiva mais ampla que considera a qualidade como uma construção social. Sob essa perspectiva, estudos são orientados a compreender mecanismos e a coordenar a organização dos agentes sob a perspectiva teórica da economia dos contratos e das convenções.2
Outro conceito incorporado nesse campo de estudo da economia da qualidade é o de custos de transação, uma contribuição da Nova Economia Institucional. Visto que a qualidade pressupõe criar padrões de referência, implica-se em reduzir custos de transação e facilitar mecanismos de coordenação dentro das cadeias produtivas.
Os contratos permitem reduzir assimetrias de informação, reduzindo custos de transação, ao criar regras que devem ser cumpridas igualmente por todos os produtores. Através da perspectiva da teoria das convenções, qualidade não está sob a regulação de preços e seu objetivo é reduzir incertezas. Qualidade é, no entanto, considerada uma construção social que precisa de cooperação e coordenação e reflete os objetivos de todos os atores políticos e econômicos.
Ao criar padrões de referência de qualidade ocorre uma redução de custos de obter a informação sobre o produto, seja por um agente de algum elo da cadeia produtiva, seja pelo consumidor, reduz a possibilidade da ocorrência do harzard moral ou dano moral, por oportunismo por parte do produtor.3
Quatro tipos de convenções relacionadas à qualidade são identificadas4 : 1) de mercado - coordenada exclusivamente pelo mercado. Nesse caso a qualidade é identificada pelas coordenação via mercado, partindo do pressuposto que os atores são capazes de avaliar a qualidade dos bens comercializados na hora da transação; 2) cívicas - a qualidade é definida a partir da adesão de um conjunto de atores a um corpo de princípios e valores coletivos com o intuito de estruturar as relações econômicas; 3) industriais - quando coordenação e troca são baseadas em padrões estabelecidos pelas indústrias. Nesse caso existem normas externas e um processo pelo qual os atores verificam a sua capacidade de conformidade a essas normas; e 4) domésticas - a qualidade é baseada em relações de proximidade e confiança. Relações duráveis entre os atores envolvidos devido a transações ocorridas anteriormente.
Além disso, a Escola Francesa assume que a negociação da qualidade se dá através de rede de atores, de forma descentralizada, envolvendo transações locais.Nesses processos, as relações são estáveis e duradouras e o processo pedagógico coletivo é fundamental.
A política de qualidade na França historicamente está inserida na política agrícola do país com objetivos de promover o desenvolvimento e a competitividade de um setor bastante diversificado.
Sob o ponto de vista da Teoria da Economia das Convençõesa noção de padrão é vista através de convenção de qualidade. Devido a pluralidade explora-se o problema da negociação da qualidade e a sua construção de padrões através de rede de atores. Essa visão tem pontos comuns com a Teoria da Economia Evolucionista da Padronização. A qualidade agroalimentar, por fim, implica o envolvimento de toda a cadeia produtiva e, quando relacionada a uma região em particular, associam-se tradição e características comuns do produto local à ela.5
Os alimentos, particularmente, podem se apresentar de formas heterogêneas ou apresentar riscos sanitários, por esse motivo os padrões de referência garantem ao consumidor a qualidade em relação a esses problemas.
Por fim, acredita-se que estimular uma convenção dentro de um determinado grupo de atores associada a uma qualidade extrínseca: qualidade ambiental de produtos agrícolas, por exemplo, implica possibilitar os produtores em construir novas instituições.
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1OYARZÚN, M. T.; TARTANAC, F.Estudio sobre los principais tipos de sellos de calidad a nivel mundial Santiago, Chile: FAO/Nações Unidas, 2002.
2EYMARD-DUVERNAY, F. La négociation da la qualité. In: NICOLAS, F.; VALCESCHINI, E. Agro-alimentaire: une économie de la qualité. Paris: INRA/Econômica, 1995. p. 40-47.
3FORAY, D. Standard de référence, coûts de transactio et économie de la qualité: un cadre d´analyse. In: NICOLAS, F.; VALCESCHINI, E. Agro-alimentaire: une économie de la qualité. Paris: INRA/Economica, 1995. p. 140-154.
4SYLVANDER, B. Conventions de qualité, marchés et institution: les cas des produits de qualité spécifique, In: NICOLAS, F.; VALCESCHINI, E. Agro-alimentaire: une économie de la qualité, Paris: INRA/Economica, 1995. p. 167-184.
5DE SAINTE-MARIE, C. et al. La construction sociale de la qualité. In: NICOLAS, F.; VALCESCHINI, E. Agro-alimentaire: une économie de la qualité. Paris: INRA/Economica, 1995. p. 185-197.
Palavras-chave: qualidade, economia, agroalimentar.