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Protocolo de Kyoto: uma reflexão sobre o aquecimento global
Dois anos após o Protocolo de Kyoto entrar em vigor1, o Painel Intergovernamental de Mudanças do Clima (IPCC) divulgou outro relatório sobre a elevação da temperatura média da Terra e suas terríveis conseqüências, dentre as quais a grave escassez de água e a decorrente diminuição de volume na produção de alimentos.
Tal relatório, amplamente divulgado pela mídia, encontra ressalvas no meio científico2. Ninguém duvida que a situação seja catastrófica. No entanto, como disse Ivo Boyer, secretário-executivo da Convenção Quadro sobre Mudanças Climáticas, '...É reconfortante constatar que as previsões mais negativas do IPCC estão baseadas em cenários que não consideram as medidas para combater o câmbio climático agora e no futuro. Já existem políticas e tecnologias para evitar essas conseqüências e sua aplicação é precisamente o que constitui o objetivo da Convenção e o Protocolo de Kyoto'.
Sem dúvida, os mecanismos de flexibilização criados no âmbito do Protocolo de Kyoto permitem a redução dos custos de implementação de tecnologias que contribuam para a redução dos gases de efeito estufa, visando mitigar as mudanças climáticas. Mas o último relatório do IPCC não discutiu essa vertente. Segundo o Protocolo de Kyoto, os países industrializados (denominados Partes do Anexo 1) comprometem-se a enviar o inventário até o dia 15 de abril de cada ano, referente às emissões dos gases de efeito estufa ocorridas há dois anos. Ou seja, até o momento só existem dados concernentes ao ano de 2004, período no qual o Protocolo de Kyoto não estava em vigor e, portanto, o impacto desse acordo internacional ainda não pode efetivamente ser mensurado.
Por hora, sabe-se que, entre 1990 e 2004, as partes do Anexo 1, relativas às economias que se encontram em estado de transição, reduziram as emissões em 36,8%, enquanto as demais partes tiveram acréscimo de 12,1% das emissões. Como resultado, a totalidade dos países que constituem o Anexo 1 da Convenção teve suas emissões agregadas de gases de efeito estufa reduzidas em 4,9%, desconsiderando-se o uso da terra3.
Dentre os mecanismos criados no Protocolo de Kyoto, o único que envolve os países em desenvolvimento é o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL). Este permite que um país desenvolvido possa reduzir suas emissões desempenhando projetos de desenvolvimento sustentável em países menos desenvolvidos. Através deste mecanismo, os países industrializados (partes do Anexo1) recebem créditos (Reduções Certificadas de Emissões) que serão abatidos de suas metas e os países em desenvolvimento (que não têm taxa estipulada para redução dos gases) adquirem assistência financeira e/ou técnica, podendo progredir de forma sustentável.
Um projeto para ser submetido ao MDL passa por diversas etapas4. E o 'Registro' é a aprovação formal pelo Conselho Executivo de um projeto validado, dentro de uma modalidade aceita pelo MDL.
Até 5 de fevereiro do ano corrente, foram registrados 504 projetos sob o MDL. Os projetos desenvolvidos na China, para o primeiro período de obtenção de créditos, colocam o país em primeiro lugar no ranking das maiores reduções de emissões anuais (144 milhões de tCO2 e/ano), seguido da Índia e do Brasil com respectivamente (56 milhões e 26 milhões de tCO2 e/ano)5. Isso demonstra que, dentre os países em desenvolvimento (partes não-Anexo 1 da Convenção), China, Índia e Brasil, considerados grandes emissores de gases de efeito estufa, estão incorporando tecnologias alternativas, para garantir que se continuem desenvolvendo de forma menos agressiva ao meio ambiente.
Os projetos submetidos ao sistema de MDL, até 13 de fevereiro, são responsáveis pela redução de 113,13 milhões de toneladas métricas de equivalente carbono6. De acordo com as estimativas da Agência Internacional de Energia7, esse montante equivale a 0,06% das emissões mundiais de gases efeito estufa, ocorridas em 2004.
O relatório do IPCC e a irrisória redução dos gases de efeito estufa, ora advinda com o acordo internacional assinado no Japão, não deixam dúvidas de que o Protocolo de Kyoto não é a solução para mitigar as mudanças climáticas. Ele é apenas uma parte desta solução. Mas é, sem dúvida, a decisão internacional mais importante sobre o crescimento econômico global.
Por exigir substanciais modificações tanto nas matrizes energéticas quanto nos sistemas de uso da terra, o Protocolo traz em sua essência a necessidade de modificar os atuais modos de produção (agrícola e industrial), fundamentados no produtivismo. O Protocolo prega um modo de produção vinculado à equidade social e ao equilíbrio ecológico. Desenvolver sem danificar exige novas tecnologias. A criação e a implementação dessas tecnologias geram emprego e renda (variáveis imprescindíveis para o crescimento econômico), mas requerem maior engajamento de alguns Estados Nacionais8.
As mudanças climáticas são um problema de ação coletiva. Ambos, Protocolo de Kyoto e Estado Nacional, são apenas partes da solução. A constituição do todo depende do engajamento da sociedade. É bom lembrar que a emissão de poluentes não se restringe apenas aos grandes setores produtivos (agricultura, indústria e comércio), mas também ao uso ineficiente e/ou ao desperdício que se cometem no dia-a-dia ao utilizar automóveis, eletrodomésticos, etc., ou seja, ao se consumir energia. Portanto, a consciência de todos é também prioritária para garantir o futuro das próximas gerações!9
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1 Considera-se fevereiro de 2005, quando a Rússia ratificou o Protocolo de Kyoto
2 LEAHY Stephen, Relatório do IPCC divide cientistas. In: www.jornaldomeioambiente.com.br/JMA-index_noticias.asp?id=12185 (publicado em 06/02/2007)
3 www.unfccc.int/nationalreport
4Os projetos são submetidos ao sistema de Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL) quando, atendendo a exigências específicas, são avaliados e aprovados por uma Entidade Nacional Designada (EOD) credenciada pelo Conselho Executivo do MDL. Após essa validação, pode-se solicitar a inscrição de registro à Convenção Quadro sobre Mudanças do Clima (UNFCCC). Após o registro, pode se proceder à implementação do projeto e do esquema de monitoramento, o qual deve ser relatado e encaminhado à Entidade Operacional Designada para a verificação.
5 www.mct.gov.br/ mudança climáticas
6 www.unfccc.int/cdm
7 www.eia.doe.gov
8 Especificamente, no caso do Brasil, a participação do Estado deveria priorizar sobretudo a formação e capacitação de profissionais.
9 Artigo registrado no CCTC-IEA sob número HP-014/2007.
Data de Publicação: 01/03/2007
Autor(es): Silene Maria de Freitas (silene.freitas@sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor