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Agricultura paulista e mudanças na estrutura de representação
A
recente mudança na estrutura de representação da agricultura paulista - com o
fortalecimento do Conselho de Agronegócios da Federação da Indústria do Estado
de São Paulo (FIESP), formalizado em concomitância com um Departamento de
Agronegócios que lhe confere base operacional - é relevante por reafirmar o
sentido de que as transformações econômicas movem a história. Essa ocorrência
assume mais consistência quando a presidência desse processo é conferida a uma
das maiores lideranças da agricultura brasileira, marcada por ser dotada de
visão avançada, nada menos que o ex-ministro da Agricultura, Pecuária e
Abastecimento Roberto Rodrigues1. Tabela 1 - Composição da área
agropecuária, Estado de São Paulo, 2005
É o
caso da cana, cuja prevalência das canas próprias das usinas beira a totalidade,
seja em cultivos nas suas próprias terras seja em terras ocupadas mediante
arrendamento, cujos agropecuaristas existem quase que apenas formalmente para
efeitos tributários. Por certo, há fornecedores de cana nas terras paulistas,
mas absolutamente integrados nas estruturas agroindustriais. Tanto que até mesmo
a cotação da cana para indústria virou um indicador do nível de açúcar total
recuperável (ATR) pela eliminação da estrutura clássica de mercado enquanto ação
de vendedores e compradores livres. Figura 1 - Proporção de agregação de
valor nas exportações de manufaturados dos agronegócios, produtos processados e
básicos, São Paulo (SP) e Outros Estados (OE), Brasil,
1997-2005 Fica
também demonstrado que as cadeias de produção agroindustriais são
expressivamente majoritárias nas exportações paulistas, conformando uma
realidade muito distinta daquela passada em que vigia a prevalência da
agropecuária. Também por esse ângulo há que se buscar novas concepções de
representação setorial de forma consistente com a estrutura produtiva da
agricultura moderna. Figura 2 - Importações da agricultura,
São Paulo e Brasil, 1997-2005 O
detalhamento da pauta de aquisições externas torna mais contundente o fato de
que essas transações configuram um outro elemento de diferenciação estrutural da
agricultura paulista. A participação das compras externas de bens de capital e
insumos no total das compras setoriais cresceu de 30,1%, em 1997, para 39,3% em
2005 (figura 3). Isto deriva do fato de que as agroindústrias que
configuram o núcleo endógeno do D1 do moderno padrão agrário, que
abastecem imensas áreas de cultivo da agricultura inclusive de outras unidades
da federação, estão instaladas em São Paulo.
Figura 3 - Importações de bens de capital
e insumos da agricultura, São Paulo, 1997-2005
Portanto, em síntese, a conjunção dos três elementos estruturais da agricultura
paulista revela a importância do novo espaço da representação setorial dentro da
FIESP para a dinâmica econômica do Estado, reforçando a configuração da
agricultura como principal setor de economias continentais como a brasileira.
Isto porque na agricultura paulista essa realidade se mostra incontestável no
fato de que:
Essa
configuração estrutural exige que a representação seja conformada numa visão de
cadeia de produção que atue verticalmente dentro da agricultura e não se limite
à sua parcela minoritária na produção de riqueza representada pela agropecuária
(em torno de 10% do total da agricultura paulista). Esse avanço, entretanto,
coloca o setor privado paulista na vanguarda das mudanças institucionais, mas
deve ser acompanhado de outros que promovam maior consistência da compreensão da
dinâmica da agricultura estadual. ____________________
Trata-se de avanço essencial para as transformações econômicas paulistas e
brasileiras. Rompe com o velho equívoco do conflito agropecuária/indústria, ao
assumir a necessidade da promoção da orquestração de interesses nas cadeias de
produção como fundamental para a competitividade do principal segmento de
economias continentais integradas: a agricultura. Representa por outro lado, em
termos brasileiros, a primeira e mais consistente medida de avanço da estrutura
de representação setorial para mais além da visão de agropecuária, limitada
pelas divisórias das cercas das propriedades rurais.
As
transformações da agricultura no desenvolvimento econômico não apenas
impulsionaram a geração de riqueza e de emprego setorial para mais além da
agropecuária como também avançam para inseri-la de forma plena no processo de
financeirização da riqueza. Nesse movimento, a emancipação de atividades, antes
circunscritas ao campo, multiplicou fábricas tanto de bens de capital e insumos
quanto de processamento e, no ritmo em que isso caminhava, a agricultura
diferenciava-se da agropecuária, agregando valor ao produto da produção
biológica.
As
culturas que antes dominavam as paisagens submergiram progressivamente em
cadeias de produção, construindo mecanismos diversos de coordenação vertical que
revolucionaram as estruturas de mercado e os processos de formação de preços. Em
função disso, era nítido que esse avanço na estrutura de representação setorial
deveria ocorrer em São Paulo.
Uma
leitura da realidade estrutural da agricultura paulista revela com nitidez essa
necessidade de evolução na estrutura representativa. A composição da área
agropecuária paulista em 2005 mostra que a expressiva soma de 4,9 milhões de
hectares, dos 8,8 milhões de hectares de lavoura, é ocupada por culturas
absolutamente integradas em estruturas agroindustriais, praticamente tornando
sem sentido a noção de agropecuária (tabela 1).
Fonte: Instituto de Economia Agrícola
(IEA)
Atividades econômicas
Lavouras anuais e de mandioca
Lavouras perenes
Cana
Florestas econômicas
Lavouras totais
Pastagens
ÁREA AGROPECUÁRIA
Outro
segmento constitui-se nas florestas econômicas da consistente cadeia de produção
de madeira, celulose e papel, plantadas pelas agroindústrias desse segmento
produtivo.
As
lavouras clássicas, ainda submetidas às vicissitudes da existência de mercado
livre de produtores e compradores, no Estado de São Paulo, são minoritárias na
produção vegetal. Ocupam com certeza menos que 3,9 milhões de hectares, pois não
foram consideradas as produções agroindustriais verticalmente integradas para
trás de outras espécies.
Para
manter-se enquanto expressão da maioria e formar a base da agropecuária paulista
enquanto segmento da agricultura, há que se considerar a pecuária com os 10,1
milhões de hectares de pastagens. Ainda assim, parcela expressiva dessas
produções agropecuárias apenas articula-se de formas distintas em cadeias de
produção agroindustriais. Fica nítido, entretanto, que a produção agroindustrial
com integração vertical para trás responde pela ocupação de significativa
extensão da área agropecuária estadual.
Para
reforçar a importância da mudança na estrutura de representação enquanto um
desenho mais consistente com a realidade da agricultura paulista, há que se
verificar como a produção agropecuária paulista acessa os mercados. As
exportações estaduais do setor, no período 1997-2005, mostram que os produtos
processados representam em torno de 80% das vendas setoriais (mínimo de 72,4% e
máximo de 84,8%), ficando os produtos básicos com 20% das receitas das
transações com o exterior. Já nas demais unidades da federação brasileira esses
índices giram em torno da metade para cada perfil de agregação de valor ao
produto final (figura 1).
Fonte: IEA/APTA/SAA-SP, a partir de dados
básicos da Secretaria de Comércio Exterior do Ministério de Desenvolvimento,
Indústria e Comércio Exterior (SECEX/MDIC)
Mas,
ainda no tocante ao comércio externo, há outro aspecto que permite verificar
mais um elemento de diferenciação da agricultura paulista. Trata-se da elevada
participação estadual nas importações setoriais. Ainda que cadentes de 44,1% em
1997 para 37,5% em 2005, a participação mostra-se expressiva (figura
2).
Fonte: IEA/APTA/SAA-SP, a partir de dados
básicos da SECEX/MDIC
Fonte: IEA/APTA/SAA-SP, a partir de dados
básicos da SECEX/MDICa) a esmagadora maioria
proporcional das lavouras estaduais é, na verdade, formada de produções
agroindustriais verticalizadas para trás;
b) São Paulo se configura como
agroindustrial-exportador pela proporção majoritária de produtos processados
nas exportações; e
c) no
território paulista está instalado o moderno núcleo endógeno da agroindústria
brasileira de bens de capital e insumos da
agricultura.
Uma
das idéias superadas de forma inexorável consiste na visão de diversificação
agropecuária, típica do ruralismo arcaico porque fora de tempo e de lugar. Esta
tinha sentido apenas nos anos 1950 e 1960 quando o grande desafio era incentivar
outras lavouras e criações para que ganhassem expressão econômica e pudessem
fazer superar o domínio cafeeiro.
Na
atualidade, o que se verifica é o processo inverso de especialização regional
conformando um amplo mosaico de atividades geradoras de riqueza e empregos. Este
ganha importância exatamente na sua dimensão regional - e mesmo local -, ao
proporcionar às configurações regionais da agricultura paulista dinâmicas
específicas que tornam impróprias abordagens genéricas, incompatíveis com a
especificidade de cada cadeia de produção agroindustrial
especializada2.
Da
mesma maneira, a conformação de vantagens de origem, como elemento de
alavancagem, conduz à visão de potencialização das singularidades dos processos
produtivos, resultando em mais um elemento determinante da especificidade
regional.
Essa
especialização regional característica da agricultura paulista, ao contemplar
lógicas específicas numa visão de cadeia de produção submetida à governança da
agroindústria, não apenas faz superada a idéia de diversificação agropecuária
como também promove o aprofundamento das especificidades ao conformar um intenso
processo de complementarização produtiva. Isto porque, nas práticas de uso mais
intenso do solo com rotação de culturas, emergem associações de
complementaridade que solidificam a especialização regional.
São
exemplos as ações de integração de lavouras (grãos) com pecuária nos espaços de
renovação das pastagens; de plantio de amendoim e soja nas áreas de renovação de
canaviais; e de sofisticação das cestas de produtos ofertados com espécies e
variedades complementares em termos de período de colheita nas lavouras modernas
de frutas e olerícolas frescas.
Outro
ponto crucial, dentre muitos que se mostram superados pela realidade estrutural
da agricultura paulista, é o conceito de defesa agropecuária ou de defesa
sanitária como às vezes esse assunto é abordado. Por óbvio que se trata de
questão crucial para a competitividade setorial das cadeias de produção da
agricultura, em especial a exportadora.
Mas
para ser adequado a uma agricultura agroindustrial-exportadora como a paulista,
nada mais reducionista e estreita estruturalmente que a visão de risco sanitário
pensado tão-somente na lógica agropecuária. A dimensão da qualidade de produtos
e processos, numa economia agroindustrial integrada como a paulista, não pode
ser reduzida ao aspecto meramente sanitário, mas amplificado para a visão de
segurança alimentar.
Assim, a concepção de defesa da agricultura, numa visão de segurança alimentar,
revela-se muito mais consistente com a realidade setorial paulista que a antiga
visão de defesa sanitária e de risco sanitário que emergiu nos anos 1940. Essa
era a visão do setor público estadual na reforma de janeiro de 1942, quando foi
criado o então Departamento de Defesa Sanitária, extinto em 1969.
A
essencial regulação da qualidade de produtos e processos em economias
agroindustriais integradas como a paulista contempla aspectos muito além da
questão sanitária. Ou seja, depende de avanços fundamentais na concepção e
institucionalidade de normas exclusivamente federais3 – nesse
campo, os estados têm mera função complementar delegada. Tais normas ainda não
foram debatidas de forma conveniente dada a prevalência no cenário político de
posturas ruralistas de conteúdo pretérito que utilizam o conceito contemporâneo
de agronegócios para sustentar práticas políticas e visões setoriais datadas de
décadas passadas.
Por
fim, o desafio do desenvolvimento da agricultura paulista exige que sejam
atualizados os conceitos usados na análise estrutural desse setor econômico
estratégico. Muito se tem escrito e falado sobre a perda de importância
orçamentária e de reconhecimento social das políticas estaduais para a
agricultura, em especial as de cunho produtivo realizadas pela Secretaria de
Agricultura e Abastecimento.
A
sensação prevalecente entre os agentes do aparato público corresponde à de
abandonados das prioridades governamentais e submetidos a orçamentos cada vez
mais minguados. Isto ocorre tanto no plano estadual quanto no federal onde as
funções clássicas das ações públicas para a agricultura (pesquisa, defesa e
extensão), somadas, têm recebido algo em torno de 0,3% dos respectivos
orçamentos.
Por
certo é muito pouco, mas somente mais recursos não resolvem. Há que se pensar em
estruturas públicas mais consistentes com a realidade da agricultura dos
agronegócios, organizada em cadeias de produção. Ao invés das pretéritas
políticas agropecuárias, devem ser ensejadas políticas agroindustriais
integradas, concebidas num horizonte conceitual muito mais amplo e compatível
com a visão de agricultura estruturada em cadeias de produção. Isto porque
passaram por processo de industrialização relevante, que determina outra
dinâmica para o investimento que conduz o horizonte setorial "para mais além da
estagnação" 4 quando outras regiões brasileiras sofrem com a
crise5.
O
desafio para as autoridades paulistas está posto. O setor privado dá passos à
frente ao conformar pioneirismo na mudança da estrutura de representação com a
consolidação da ação para os agronegócios no seio da FIESP, a poderosa e operosa
representante da indústria paulista.6
1 Ver Roberto Rodrigues toma posse em
conselho da Fiesp. Disponível em http://www.estadao.com.br/
agronegocios/noticias/2006/out/09
2 Sobre a especialização da
agricultura regional, ver GONÇALVES, José S. SP
agroindustrial-exportador e especialização regional da agricultura.
IEA-APTA, São Paulo, outubro de 2006 (publicado em http//www.iea.sp.
gov.br)
3
Sobre qualidade de produtos e
processos ver GONÇALVES, José S. Defesa sanitária como parte da qualidade de
produtos e processos. IEA- APTA, São Paulo, agosto de 2006 (publicado em
http//www.iea.sp.gov.br)
4 A discussão sobre a crise recente da agricultura
brasileira revela bem essa compreensão equivocada sobre os elementos
determinantes da dinâmica setorial, na medida em que, ainda que a crise
contraditoriamente vem sendo colocada como de gravidade crescente e
generalizada, as exportações setoriais continuam batendo recordes e alargando
saldos comerciais. A citação entre aspas do texto é uma homenagem e uma
lembrança de um clássico da literatura econômica brasileira, datado dos
primórdios dos anos 1970. Esse texto mostrava as perspectiva de crescimento da
economia brasileira à época , contradizendo a visão de alguns estruturalistas
segundo os quais a economia brasileira estava estagnada. Suas conclusões se
mostraram consistentes com os desdobramentos futuros nos anos seguintes à sua
publicação. Trata-se do artigo TAVARES, Maria da Conceição & SERRA, José Mas
allá del estancamiento, una discussion sobre el estilo del desarollo reciente de
Brasil. Trimestre Econômico 33 (152), CEPAL, out-dez
1971.
5
Sobre a crise da agropecuária, ver GONÇALVES, José S. Crise atual
da agropecuária brasileira: perfil, perspectivas e dilemas. IEA-APTA, São
Paulo, setembro de 2006 (publicado em
http//www.iea.sp.gov.br)
6 Artigo registrado no CCTC-IEA sob número
HP-107/2006.
Data de Publicação: 16/10/2006
Autor(es): José Sidnei Gonçalves (sydy@iea.sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor