Liderança das carnes brasileiras no mercado mundial

            As exportações brasileiras de carnes devem alcançar 5,5 milhões de toneladas (28,5% do comércio internacional) em 2006, segundo previsões favoráveis do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA)1 feitas no início do ano, que poderão ser confirmadas, na prática, para quase todos os tipos de carne.
            Isto deve ocorrer apesar dos problemas enfrentados pelo setor, que desde 2005 vem convivendo com questões sanitárias, como a febre aftosa, a doença de New Castle e mesmo a influenza aviária. Esta última ainda não chegou ao país, mas já contribuiu para a diminuição do consumo mundial de carne de frango e, conseqüentemente, para as vendas externas.
            Os principais produtos cárneos responsáveis pelo incremento das exportações serão as carnes de frango e bovina que, segundo o USDA, deverão alcançar, respectivamente, 2,9 milhões de toneladas e 1,8 milhão de toneladas. Em termos percentuais, estes volumes representam 41% e 26% do comércio internacional.
            No caso da carne suína, apesar de menor representatividade, a previsão é de uma exportação de 625 mil toneladas. Com isso, o país se situaria em 4º lugar nas exportações mundiais, com 12% do total comercializado. Está atrás da União Européia (1,45 milhão de toneladas), dos Estados Unidos (1,25 milhão de toneladas) e do Canadá (1,11 milhão de toneladas)1.
            Até o mês de agosto, as vendas externas brasileiras de carnes alcançaram o volume de 3,3 milhões de toneladas e há perspectiva de um bom crescimento até o fim do ano, já que alguns dos mercados que estavam deprimidos vêm se recuperando. Em 2005, o volume de carnes exportadas, incluindo a de peru, atingiu cerca de 4,1 milhões de toneladas.2
            A carne de frango, apesar das expectativas iniciais de queda no volume exportado, vem conseguindo manter um ritmo crescente nas vendas para o exterior. Os consumidores mundiais estão voltando a comprar o produto em função de terem obtido maior informação sobre a influenza aviária e suas formas de transmissão.
            A exportação desse produto estabeleceu a marca de 1,7 milhão de toneladas até agosto, com um crescimento de 60% no mês sobre o volume de julho2. Desse total, grande parte se deve ao aumento nos embarques de frango inteiro3.
            Para que as expectativas do USDA se confirmem, será necessário grande incremento nas exportações até o final do ano. Apesar da possibilidade disso acontecer, em função da recuperação das vendas que vem ocorrendo, o resultado pode ser ligeiramente inferior às estimativas.
            A carne bovina tem grande possibilidade de atingir 1,8 milhão de toneladas, em 2006, significando 26% do total comercializado no mercado internacional1. Os dados mostram que as exportações deste item chegaram até agosto a 1,2 milhão de toneladas2.
            Comparado com o ano anterior, houve pequena queda no volume, mas esses números mostram-se positivos, mesmo depois da suspensão das compras de carne bovina, por vários países, devido aos casos de aftosa ocorridos em 2005, em alguns estados brasileiros. E, se estiverem corretas, as previsões superarão o volume exportado no último ano, que foi de cerca 1,6 milhão de toneladas2.
            Cabe ressaltar que alguns fatores influenciaram positivamente esse mercado como a diminuição da demanda mundial por carne de frango, a queda da produção de carne bovina por parte de União Européia, Estados Unidos e Canadá. Mas deve se estar ainda atento às possíveis conseqüências negativas da detecção recente, por Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), em São Paulo, de casos de animais reagentes ao primeiro teste de monitoramento sorológico da febre aftosa.
            No último caso, estão agendadas visitas de técnicos da União Européia a propriedades do Estado de São Paulo5 e aos laboratórios do país, para analisar dados relacionados com os monitoramentos sorológicos de febre aftosa, realizados pelo MAPA entre os anos de 2003 e 2006.
            As previsões de exportação de carne de peru são extremamente positivas, devendo alcançar 187 mil toneladas, segundo o USDA. Assim, o País deve ascender ao posto de segundo maior exportador do produto, atrás apenas dos Estados Unidos com 272 mil toneladas.
            Essa evolução tem um papel importante, pois o consumo interno é baixo, além de mais concentrado no final do ano, e corresponde a cerca de 40% do volume produzido. Tal fato, acrescido do aumento das preocupações mundiais com questões sanitárias e da constante criação de barreiras protecionistas, pode acarretar problemas para o segmento, mesmo levando em conta a crescente participação nas exportações do Brasil, cuja evolução foi de 170% desde 2001, conforme o USDA1.
            Nos primeiros oito meses de 2006, as exportações de carne de peru alcançaram 100,6 mil toneladas, segundo dados oficiais2. Para atingir o volume previsto pelo USDA, será necessária uma forte expansão das exportações nos próximos meses.
            A carne suína teve um volume total exportado, até agosto, de 313,6 mil toneladas. E, para atingir o volume previsto pelo USDA, a exportação deverá ter uma expansão de cerca de 50% até o final do ano, o que será muito difícil pois há algum tempo as vendas externas do produto vêm apresentando um recuo2. De todas as carnes brasileiras, esta é a que tem maior desafio a enfrentar para crescer no mercado externo, principalmente porque as autoridades da Rússia, o maior importador brasileiro, têm atuado no sentido de tornar o país auto-suficiente nessa produção4.
            A dependência brasileira do mercado russo já repercutiu negativamente no último ano, depois do surgimento de focos de febre aftosa no Mato Grosso do Sul e no Paraná, quando a Rússia e outros países bloquearam as compras de todas as carnes de vários Estados. Para a carne de frango, que não depende do mercado russo, a influência se restringiu mais ao Estado do Paraná, grande exportador brasileiro do produto. Mas o reflexo sobre a carne suína foi maior.
            Resta a opção de, urgentemente, procurar novos mercados, principalmente porque há expectativa de que a produção nacional possa crescer em torno de 7% em relação a 2005.
            Apesar das previsões otimistas do USDA, estudo recente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP) apresenta uma posição mais cautelosa. A expectativa para o mercado externo não é favorável ao abate de animais, mas apesar disso o Brasil tem margens de preços para sustentar as exportações. Isto porque, mesmo com o nível de preço do setor entre "médio" e "alto", a tendência é de "declínio"6.
            Mesmo com a perspectiva de números positivos para as exportações de carnes, deve se ter cautela, pois inúmeros países e blocos econômicos tomam medidas que visam proteger seus mercados. Estas medidas são as barreiras que podem ser tarifárias (impostos, taxas, etc.); não-tarifárias (cotas, restrições quantitativas e procedimentos alfandegários, etc.); e técnicas (normas, regulamentos técnicos, fitossanitários e de saúde animal, etc.).
            Especificamente neste momento, deve-se ter em conta as ações que a União Européia já vem sinalizando e que podem comprometer o desenvolvimento desse mercado, com novas medidas protecionistas e barreiras em relação ao frango brasileiro. São elas a criação de cotas para exportação de peito de frango salgado, frango e peru industrializados (a UE absorve 87% das exportações de aves processadas do Brasil); a exigência de maior controle sanitário e modificações no controle de resíduos e contaminantes; e a possibilidade de adotar, em breve, medidas contra produtos alimentares importados do Brasil - principalmente carnes -, o que depende da agilidade do país em resolver deficiências no controle sanitário7.
            Tais medidas vão além da preocupação do acesso dos consumidores a alimentos seguros e saudáveis. Têm uma função protecionista, para garantir mercados e evitar a expansão de outros. Além destes pontos que vêm sendo negociados pelo Brasil, nada impede que outros países possam, a qualquer momento, impor barreiras para defender seus mercados e/ou consumidores.
            Vale lembrar que há barreiras internas que também precisam ser superadas. É o caso das redes de varejo da Europa que não são atendidas pelo Brasil por dificuldades do país em se adequar às suas exigências. O interesse dos varejistas europeus em desenvolver alianças mercadológicas com o Brasil, para a produção de carne bovina de qualidade, com segurança e certificação, tem sido bloqueado pela falta de confiança destes na implantação de controles efetivos por parte dos produtores, apesar de entenderem que o país teria condição de ter volume e padronização do produto.
            Dentro dessa ótica, a necessidade de garantir e expandir as exportações toma um caráter diferente. Além da eficiência produtiva e de preços competitivos, o país tem de garantir espaço nesse mercado, brigando contra medidas cujo objetivo maior é a imposição de obstáculos à importação de produtos concorrentes.
            Neste sentido, o Brasil tem atuado junto à Organização Mundial do Comércio (OMC) para tentar cortar os subsídios dados aos produtores na Europa e nos Estados Unidos, mas o avanço das negociações tem sido lento. Outras ações acontecem como a contestação de medidas protecionistas junto ao mesmo órgão e, neste caso, o Brasil tem tido resultados mais positivos.
            Apesar destas questões, ainda se encontram setores, como o da carne bovina, que contam com produtores descrentes da importância de investimentos em qualidade, por não vislumbrarem a possibilidade de melhor remuneração ao produto. Com certeza, estes precisam conscientizar-se da importância da garantia do controle do produto para a manutenção e expansão do mercado.
            A necessidade de investimentos em uma política sanitária séria, com fiscalização eficiente, e a urgência de se iniciar um processo de rastreabilidade confiável, que atenda todas as cadeias de carnes e garanta a credibilidade dos produtos brasileiros no mercado internacional, são pontos fundamentais para o país manter e expandir as exportações. Apesar de o Brasil cumprir as regras internacionais de controle sanitário, alguns importadores, como União Européia, impõem constantemente novos regulamentos que podem excluir produtos da pauta exportadora brasileira.8

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1 "Em 2006, Brasil permanece líder nas exportações de carne, diz USDA" , Suinocultura Industrial, disponível em: http://www.suinoculturaindustrial.com.br/site/dinamica.asp?id=18615&tipo_tabela=negocios&categoria=estatisticas, acesso em 22 set. 2006
2 Secretaria Secretaria de Comércio Exterior (SECEX) do Ministério do Desenvolvimento da Indústria e Comércio Exterior (MDIC), disponível em: www.mdic.gov.br, acesso em 25 set. 2006
3 Avisite, "Embarques de frango inteiro aumentaram 95% em agosto", disponível em: http://www.avisite.com.br/noticias/maisnotss.asp?CodCategoria=&CodNoticia=7140&Mes=9&Ano=2006, acesso em 22 set. 2006
4 BeefPoint, "Missão da UE analisa dados sorológicos de febre aftosa", disponível em: http://www.beefpoint.com.br/?actA=7&areaID=15&secaoID=166&noticiaID=31394, acesso em 27 set. 2006
5 Suinocultura Industrial, "Confira cotações e comentários sobre os principais produtos agropecuários", disponível em: http://www.suinoculturaindustrial.com.br/site/dinamica.asp?id=22153&tipo_tabela=negocios&categoria=mercado_interno, acesso em 22 set. 2006
6 Desempenho das exportações. Até quando vai o crescimento? Departamento de Pesquisas e Estudos Econômicos – DEPECON, FIESP, 20/09/2006, disponível em: http://www.fiesp.com.br/download/pesquisa/crescimento_exportaçoes.pdf, acesso em 26 set. 2006
7 Avisite, "UE volta a ameaçar alimentos do Brasil", disponível em: http://www.visite.com.br/clipping/imprimir.asp?CodNoticia=8259, acesso em 26 set. 2006.
8 Artigo registrado no CCTC-IEA sob número HP- 101/2006. 

Data de Publicação: 09/10/2006

Autor(es): Rosana de Oliveira Pithan e Silva (rosana.pithan@sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor