O mercado de álcool carburante no Brasil: o que esperar?

            O período entre os meses de abril e novembro é caracterizado pela safra da cana-de-açúcar no Centro-Sul1 do Brasil. Nesta época, há maior oferta de álcool disponível para o mercado e, conseqüentemente, espera-se verificar uma queda acentuada dos preços, a valer a lei da oferta e da procura.
            Entretanto, pesquisa do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (CEPEA/ESALQ)2 mostra um aumento de 6,9% nos preços do álcool, em plena safra, no âmbito das usinas de São Paulo no período compreendido entre o início da safra e a segunda semana de agosto de 2006. Este valor chega a R$ 0,896 o litro, o que equivale a 36,8% a mais, quando comparado com o mesmo período de 2005 (preço era R$ 0,655/l).
            Os preços do álcool hidratado apresentaram recuo de 7,3% na terceira semana de agosto, em relação à semana anterior, em decorrência da diminuição da demanda por parte do consumidor ocorrida nos últimos meses e do aumento da oferta por parte do produtor. Ou seja, caíram de R$0,896/l para R$0,789/l, mas ainda assim permaneceram acima dos R$0,655/l registrados no mesmo período de 2005, conforme indicador semanal do CEPEA/ESALQ.
            Essa subida no patamar de preços na safra era esperada devido à nova configuração de mercado, à demanda crescente, ao aumento no preço da commodity açúcar e ao crescimento das exportações, que poderão chegar a mais de 3 bilhões de litros em 2006 (ver artigos publicados pelo IEA)3.
            O aumento exacerbado nos preços do álcool ao consumidor, no início de 2006, acendeu um alerta sobre o mercado de álcool para o futuro, bem como sobre a importância e a prioridade dos mercados interno e externo do combustível renovável para os produtores. Alguns indícios fortalecem a hipótese de uma posição de poder de mercado.
            Verifiquem-se que os preços correntes e constantes vêm crescendo a partir de 2003 com o início da fabricação dos veículos bicombustíveis (gráficos 1 e 2).

Gráfico 1 - Preços médios constantes e correntes do álcool hidratado na usina em São Paulo no período da safra

 
Fonte: IEA a partir dos dados do CEPEA/ESALQ

Gráfico 2 - Preços constantes e correntes do álcool hidratado no período da entressafra, São Paulo


Fonte: IEA a partir dos dados do CEPEA/ESALQ

            As vendas de álcool hidratado, no período de janeiro a maio, têm volumes semelhantes aos dos anos de 2000 e 2006 (gráfico3). Isto poderá ser um indicador de que a determinação de preços na entressafra não se dá somente por ajustes nas quantidades, mas também por uma decisão estratégica do empresário, ao avaliar a dinâmica do mercado e o possível poder de barganha de sua firma.

Gráfico 3 - Vendas de álcool hidratado pelas distribuidoras no período de janeiro a maio, Brasil


Fonte: IEA a partir dos dados da ANP

            No Estado de São Paulo, pode se verificar, a partir de 2000, uma queda nas vendas de álcool hidratado, que voltaram a se recuperar em 2004 com a consolidação da comercialização de carros bicombustíveis (gráfico 4). Houve um aumento de 30,8% nas vendas no período de janeiro a maio tanto de 2000 quanto de 2006.

Gráfico 4 - Vendas de álcool hidratado em São Paulo pelas distribuidoras no período de janeiro a maio


Fonte: IEA a partir dos dados da ANP

            Na última crise de preços do álcool hidratado, a cotação do combustível chegou a R$ 1,24 na usina e a R$ 1,98, em média, nos postos.
            Algumas hipóteses são levantadas para explicar esses aumentos no preço do combustível genuinamente brasileiro, observados neste período de safra. São elas: formação de poder de mercado de álcool carburante no Brasil por meio da concentração na produção e na comercialização; aumento da frota de carros bicombustível; crescimento das exportações de álcool; e aumento na cotação do açúcar no mercado externo, que puxa o preço do álcool para mais perto dos preços do combustível fóssil no limite da paridade, apesar de a dinâmica da formação de preços dos dois combustíveis ser diferente.
            As vendas de álcool hidratado por parte das distribuidoras brasileiras, entre janeiro e abril de 2006, foram de 1,63 bilhão de litros, portanto inferiores às de igual período de 2000, estimadas em 1,66 bilhão de litros. O preço médio nominal do álcool na usina atingiu R$ 1,08 no primeiro quadrimestre deste ano, em relação a R$ 0,546 no mesmo período de 2000, ou seja, foi 97,8% maior. No entanto, a inflação acumulada de janeiro de 2000 a março de 2006 (medida pelo IPCA/IBGE) foi de 50,2%, menor que o índice registrado no preço.
            Do ponto de vista da demanda, nos períodos de entressafra de 2000 e 2006, os volumes de venda de álcool hidratado por parte das distribuidoras são muito próximos, enquanto os preços são bem diferentes. Com base nos reajustes pelo IPCA/IBGE, os preços na entressafra de 2000 aumentaram 1,85%, para o pico de R$ 0,549 o litro em fevereiro, em relação a R$ 0,539 em dezembro do ano anterior. Já em 2006, o aumento foi de 31,9%, para R$ 1,24 em março, contra R$ 0,94 em dezembro de 2005. Se o índice escolhido for o ICV/DIEESE, os reajustes no preço do álcool, nos primeiros trimestres de 2000 e de 2006, seriam de 1,35% e 33,84%, respectivamente.
            Ao comparar o volume consumido no primeiro trimestre, verifica-se que houve um pico de 425.187 m3 em janeiro de 2000 e da ordem de 465.422m3 no primeiro mês de 2006. Porém, este consumo diminuiu para 390.388 m3 em março de 2006, ou seja, redução de 19,2% que por sua vez pressionou por uma queda nos preços.
            Aliado à grande demanda interna e externa por combustíveis renováveis, o processo concentrador no âmbito da cadeia de produção da cana-de-açúcar vem ocorrendo em níveis crescentes nos últimos anos. Existem aproximadamente 264 usinas no Centro-Sul, das quais138 usinas em São Paulo, e 79 unidades produtoras no Nordeste e no   Norte brasileiros, o que resulta em cerca de 343 usinas em funcionamento no Brasil4. Deste total, 17,2% (ou 59 usinas) são controlados por três grupos empresariais. Estes grupos produziram e/ou comercializaram 33% do álcool brasileiro em 2005. As demais 284 usinas são controladas por diversos grupos, sendo que 85 unidades (ou 29,9%) pertencem a 17 empresas. Portanto, 47,1% das usinas pertencem ou são controladas por cerca de 20 grupos econômicos.
            A frota brasileira de veículos leves e automóveis de passeio é estimada em 21,28 milhões de unidades. Já a frota de veículos leves e automóveis movidos a álcool e bicombustíveis, no acumulado de 2000 a 2005, atingiu o volume de 2,91 milhões de unidades, o que representa 13,7% do total.
            A produção de veículos bicombustível/álcool alcançou o total de 659.167 unidades no período de janeiro a junho de 2006. Este volume, somado ao acumulado de 2000-2005, resulta no total de 3,579 milhões de unidades ou 15,9% do total. A produção de veículos bicombustíveis cresce a cada ano, permitindo estimar que em poucos anos a produção de automóveis e veículos leves atinja a meta de 100% com tecnologia flexível. Em 2006, 48,9% da produção total estão voltados para veículos bicombustíveis, enquanto 51,1% destinam-se aos demais usos (gasolina, álcool e diesel)5.
            O álcool é um combustível com grande potencial a ser explorado por outros países. Precisa apenas ser melhor administrado nesta fase de transição do consumo de parcela dos combustíveis fósseis para o de renováveis, até que se consolidem novas tecnologias de uso de energia, como células a combustíveis, híbridos e solar, entre outros. Assim, o álcool continua importante nesta fase de transição, por ser uma tecnologia amadurecida, com viabilidade econômica reconhecida.
            A expectativa é de demanda crescente por álcool ou de uma vida útil relativamente longa, em torno de 25 a 30 anos, até que sejam introduzidas novas tecnologias em energias limpas e viáveis do ponto de vista econômico.
            O Brasil é exemplo de uso de combustíveis renováveis, que geram divisas e substituem importações com efeito positivo na balança comercial. Dessa forma, é necessário que este programa seja cada vez mais fortalecido a fim de que continue trazendo benefícios, inclusive ambientais, para os brasileiros, bem como possa difundir a sua experiência em energias limpas para o restante do mundo, sem comprometer o mercado interno. É preciso consolidar o mercado mundial de álcool.
            Portanto, uma tarefa a resolver no futuro próximo é manter o equilíbrio entre o abastecimento interno e o atendimento da avidez externa por combustíveis renováveis, devido à percepção de que a utilização racional dos recursos naturais é fator primordial de minimização dos prejuízos à natureza.6

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1 Centro-Sul: região geográfica caracterizada pelos produtores canavieiros, que abrange Sudeste, Sul e Centro Oeste brasileiro.
2 CEPEA/ESALQ: www.cepea.esalq.usp.br
3 Álcool: Projeção da Produção e Exportação no Período 2005/06 a 2015/16. Disponível em: http://www.iea.sp.gov.br/out/verTexto.php?codTexto=4010; e Exportação de Álcool: Perspectiva de Crescimento em 2006? Disponível em: http://www.iea.sp.gov.br/out/verTexto.php?codTexto=5526.
4 UNICA – União da Agroindústria Canavieira de São Paulo
5 Anuário da Indústria Automobilística Brasileira - 2006, Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (ANFAVEA).
6 Artigo registrado no CCTC-IEA sob número HP-82/2006.

Data de Publicação: 23/08/2006

Autor(es): Sérgio Alves Torquato (storquato@apta.sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor