Café: pressão de custos e incremento na oferta

            As cotações do café, nos diferentes mercados internacionais, enfrentaram grande volatilidade em julho devido ao avanço da colheita brasileira e ao peso da movimentação dos fundos de investimentos. Isto conduziu a uma queda contínua nas cotações até o dia vinte do mês, quando se iniciou um processo de recuperação sob o efeito de riscos de geadas no Brasil e de relativa escassez de café robusta no mercado. Com isso, as cotações médias do mês situaram-se em níveis levemente superiores aos das médias de junho, no caso do arábica, e da expressiva alta no caso do robusta.
            Na Bolsa de Nova Iorque, as cotações médias do arábica subiram 1,53%, em relação à cotação média de junho (Contrato C, segunda posição). Na Bolsa de Londres, o robusta registrou forte alta de 8,01% (igualmente para a segunda posição). No mercado de futuros da BM&F, o preço do arábica teve alta de 1,96% (segunda posição). O indicador OIC-Composto diário apresentou elevação de 2,94% em relação à média do índice de junho (gráfico 1).

Gráfico 1 - Cotações médias mensais do café em diferentes mercados de futuros (segunda posição) e do OIC-Composto diário, 2004 a 2006

Fonte: Gazeta Mercantil

            O diferencial entre as cotações observadas na BM&F e em Nova Iorque caiu para US$ 15,51 a saca, cerca de 1,6% inferior à média do mês anterior, devido à menor oferta de origem no mercado de Nova Iorque. Esse diferencial nos últimos doze meses pode ser verificado no gráfico 2.

Gráfico 2 – Cotações médias mensais do café arábica, segunda posição, nos mercados de Nova Iorque e BM&F (São Paulo), 2005-06

Fonte: Gazeta Mercantil

            As cotações do arábica, contrato C, segunda posição, na Bolsa de Nova Iorque, exibiram tendência contínua de queda até o final do segundo decêndio do mês de julho. Porém, a ação dos fundos de investimentos, em função dos riscos de geada no Brasil, provocou forte recuperação das cotações do café arábica (gráfico 3).

Gráfico 3 - Cotações diárias em julho de 2006 na Bolsa de Nova Iorque, para café arábica, Contrato C, segunda posição

Fonte: Gazeta Mercantil

            No mercado de robusta na Bolsa de Londres, o comportamento das cotações foi algo diferenciado ao observado em Nova Iorque, pois apresentou níveis elevados no primeiro decêndio, para cair fortemente no segundo e se recuperar de forma expressiva no último decêndio. O crescimento da cotação média no mês de julho ocorreu devido à menor oferta do produto neste último período (gráfico 4).

Gráfico 4 - Cotações diárias para o café robusta, segunda posição, na Bolsa de Londres, no mês de junho de 2006

Fonte: Gazeta Mercantil

            Na BM&F, a evolução dos preços do arábica, segunda posição, cotados em dólar por saca, indica variações negativas acumuladas de 6,50% em 2006 e de 6,31% nos últimos doze meses. No mercado de Nova Iorque, os preços do arábica, contrato C, segunda posição, tiveram queda de 0,54% em 2006 e de 4,25% no acumulado de doze meses. Por sua vez, as cotações do robusta no mercado de Londres, segunda posição, tiveram alta acumulada de 7,06%, nos últimos doze meses, e de 10,21% em 2006. Já a estimativa do OIC-Composto apresentou alta acumulada de 2,30%, em 2006, e de 0,10% no período de um ano.
            Na cafeicultura paulista, a cotação média em julho do café arábica caiu 2,67% em relação à média de junho, em função do aumento da oferta derivada da colheita de mais de 50% da safra em andamento. Houve, portanto, queda acumulada de 14,70% nos últimos doze meses e de 8,53% em 2006 (gráfico 5).

Gráfico 5 - Preços médios mensais recebidos pelos produtores de café arábica, Estado de São Paulo, 2002 a 2006

Fonte: Instituto de Economia Agrícola

Regras de internalização cambial e drawback

            A modificação na forma de internalização dos resultados das transações internacionais, efetuada pelas autoridades monetárias do país, concede a possibilidade de manutenção de até 30% dos saldos apurados nas exportações em depósitos no exterior. Para o agronegócio café brasileiro, o impacto dessa medida pouco acrescenta à dinâmica dos negócios, pois é sabido que o segmento é exportador líquido de matérias-primas (café verde) e elaborados (solúvel, extrato de café e café torrado e moído).
            Em duas situações, bastante tópicas, essa medida pode trazer benefícios relevantes:

a) Ao reordenar o fluxo de pagamento de royalties das transnacionais atuantes no segmento (Sara Lee; Mitsui; Melitta e Strauss-Elite, por exemplo) - Com a permissão para a realização de depósitos em moeda estrangeira no exterior, deixa de ser necessário o provisionamento nos balanços dos dólares relativos ao pagamento de royalties devidos;
b) ao beneficiar empresas desejosas de implantar as operações de drawback, especialmente as companhias atuantes em café solúvel - Essas firmas podem agora, com seu movimento de exportação, gerar excedentes cambiais suficientes para realizar suas importações com substanciais vantagens econômicas pois se diminui a arbitragem necessária à conclusão da operação.

            Ciente de que o drawback ainda não possui operações concretizadas, ao se contabilizar ambos os efeitos, pode inferir-se que a medida pouco resultado pode trazer ao café e ao agronegócio como um todo. É pouco provável que ocorra majoração nas cotações do dólar a partir dessa flexibilização.

Paridade petróleo versuse café, além do câmbio

            Sobejas análises técnicas já foram desenvolvidas sobre o impacto da 'excessiva' valorização do real para o agronegócio brasileiro. Efetivamente, aquele que é considerado um dos mais eficientes e competitivos segmentos da economia brasileira entrou num ciclo de depressão econômica setorial.
            Entretanto, têm passado à margem análises que também associam a atual recessão aos reflexos que as cotações internacionais do petróleo ocasionam em todo o sistema produtivo, uma vez que petróleo é sinônimo de custo, melhor dizendo, é o principal indexador de todos os demais preços relativos. Ainda está vivo na memória dos brasileiros o impacto direto no índice de inflação de um aumento no preço da gasolina. O longo período de estabilização econômica anuviou essa lembrança, mas no momento atual é o fato de maior importância quanto ao futuro do agronegócio e da cafeicultura.
            Por conta disso, construiu-se uma relação de paridade das cotações das sacas de arábica e de robusta versus a cotação do barril de petróleo para o período janeiro de 2004 a julho de 2006. Os dados são reveladores ao mostrar que uma saca de café arábica, que comprava 3,15 barris de petróleo no início da série (janeiro 2004), decai para apenas 1,7 barril ao final (julho 2006). Também declina a paridade robusta/petróleo, porém menos acentuadamente do que a observada no arábica (de 1,5 para 1 barril). Do ponto de vista macroeconômico, ocorre uma concentração de riqueza na indústria petrolífera (figura 6).
            A grande questão a ser respondida é: a que nível de paridade se pode imaginar uma ruptura no sistema? Ou seja, a cotação do petróleo torna inviável o custo de uma rotina de manejo como a fertilização química? O andar da carruagem, marcado por conflitos geopolíticos em que o petróleo é o aspecto subjacente, poderá levar a cenário em que nem as mais altas produtividades serão compatíveis com seus custos.

Figura 6 – Paridade entre as cotações de café e do petróleo, jan.2004 a jul.2006

Fonte: Elaborado a partir de dados da Gazeta Mercantil e IPEA1

            A crise da agropecuária, portanto, não deriva apenas dos impactos da sobrevalorização do real, mas dos aumentos exorbitantes das cotações dos preços internacionais do petróleo, ainda que o Brasil tenha alcançado a auto-suficiência. A política de preços da Petrobrás é a de alinhamento dos preços praticados no mercado interno à evolução das cotações internacionais, a despeito de seus baixos custos de extração e refino.

A espantosa propensão ao exagero 

            O Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA)2 divulgou seus novos números da estimativa para a safra mundial de café 2006/07. Segundo o USDA, o mundo deve colher 125,79 milhões de sacas, das quais o Brasil responde por 47 milhões (figura 7).

Figura 7 – Estimativa de safra de café, USDA, 1995/96

Fonte: elaborada pelos autores a partir de dados básicos do USDA

            Diante desses portentosos números, fica resolvida a indagação do porquê das baixas cotações atualmente vigentes. O mercado fiou-se nos números do departamento estadunidense, embora reconheça a ocorrência de problemas nesse ano-safra (coração negro e baixa renda do café beneficiado).
            Surpreende a divergência existente entre os dados do levantamento sistemático da Companhia Nacional de Abastecimento (CONAB)3, que apontam safra de 40,6 milhões de sacas, e os do USDA, com 47 milhões. Ainda que se vislumbrem deficiências nos levantamentos de alguns estados, não se pode admitir uma divergência tão acentuada entre as duas estimativas.
            As lideranças do agronegócio café, aliadas à diplomacia brasileira, precisam agir com maior ênfase no sentido de coibir o aparecimento de distorções como a que se revela nesse momento. E ao mesmo tempo fazer um maior esforço na melhoria das previsões de safra brasileira.4

______________________
1 Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (IPEA): http://www.ipea.gov.br
2 USDA: www.usda.gov
3 CONAB: www.conab.com.br
4 Artigo registrado na CCTC-IEA sob número HP-80/2006.

Data de Publicação: 11/08/2006

Autor(es): Nelson Batista Martin (nbmartin@uol.com.br) Consulte outros textos deste autor
Celso Luís Rodrigues Vegro (celvegro@sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor