Investimento em P&D e desempenho institucional nos agronegócios paulistas

            A dimensão territorial brasileira e a importância dos agronegócios para a economia e a sociedade tornam relevantes a pesquisa e o desenvolvimento setorial1, em especial no caso do Estado de São Paulo, unidade da federação marcada pela agricultura de elevado padrão tecnológico e de competitividade em importantes cadeias de produção. Desse modo, é essencial verificar o patamar dos investimentos em pesquisa e desenvolvimento e o desempenho institucional da Agência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios (APTA)2.
            Em termos de desempenho dos agronegócios paulistas, no período 1999-2005, uma síntese dos indicadores econômicos mostra a força do dinamismo setorial:

  • o valor da produção da agropecuária aumentou 42,72%, de R$ 21,0 bilhões para R$ 29,9 bilhões (em valores constantes de 2005), o que comprova o enorme crescimento da renda setorial, conquanto se verifique estagnação quando se compara 2005 com o ano anterior, revelando perda de dinamismo do processo de crescimento setorial (tabela 1);
  • as exportações cresceram 86,9%, de U$S 6,3 bilhões para R$ 11,7 bilhões, o que alavancou o crescimento setorial e fez de São Paulo a maior plataforma exportadora dos agronegócios brasileiros (tabela 1);
  • as importações, que diminuíram 16,3% no período 1999-2003, de US$ 3,7 bilhões para US$ 3,1 bilhões, reverteram a tendência, aumentando em 25,6% até 2005, para US$ 3,8 bilhões; ou seja, os dispêndios com compras no exterior em 2005 foram 1,4% maiores que os observados em 1999 (tabela 1);
  • o saldo da balança comercial mais que triplicou no período 1999-2005 (210,9%), de US$ 2,6 bilhões para US$ 8,0 bilhões, tornando a economia paulista superavitária ao cobrir o déficit comercial dos demais setores (tabela 1);
  • a pauta de exportações mostra crescimento substantivo nas vendas dos produtos manufaturados (376,3%), de US$ 1,8 bilhão para US$ 6,7 bilhões (tabela 2). Em termos proporcionais, significa evoluir de 28,2% para 56,8% das exportações setoriais. Isto evidencia uma importante mudança qualitativa nas exportações setoriais pela agregação de valor. Com isso, São Paulo deixou de ser primário exportador para ser agroindustrial exportador, gerando renda e emprego internos.

Tabela 1 - Renda agropecuária bruta e balança comercial dos agronegócios paulistas (1), 1999-2005

Variáveis
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
Valor da Produção
20.968.274
22.401.288
24.798.272
27.494.020
28.112.111
30.000.425
29.926.341
Exportações 
6.288.061
5.530.292
6.196.287
6.536.950
7.666.649
10.038.553
11.749.516
Importações 
3.723.300
3.739.710
3.550.965
3.005.949
3.115.128
3.759.064
3.776.801
Saldo Comercial
2.564.761
1.790.582
2.645.322
3.531.001
4.551.521
6.279.489
7.972.715
(1)Valor da produção em R$ 1000 médios de 2005 pelo IPCA-FIBGE e comércio exterior em US$ 1000
FONTE: IEA

Tabela 2 - Perfil de agregação do valor nas exportações dos agronegócios paulistas, em US$ mil, 1999-2005

Perfil de Produtos
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
Básicos 
2.112.080
1.421.010
1.133.029
1.315.425
1.645.089
2.766.383
2.709.752
Semimanufaturados
2.402.061
2.255.928
1.150.735
1.104.171
1.367.040
1.630.054
2.363.767
Manufaturados
1.773.920
1.853.354
3.912.523
4.117.354
4.654.520
5.642.116
6.675.997
Total
6.288.061
5.530.292
6.196.287
6.536.950
7.666.649
10.038.553
11.749.516
FONTE: IEA

            A síntese dos indicadores de investimentos em pesquisa & desenvolvimento, consubstanciada nos orçamentos da APTA para o período 1999-2005, mostra, entretanto, uma preocupante estagnação dos recursos destinados aos agronegócios por parte do Governo do Estado de São Paulo. No caso da APTA, verifica-se que:

  • o orçamento total em valores constantes de 2005, depois de crescer de R$ 111,9 milhões em 1999 para R$ 133,3 milhões no biênio 2000-2001, recuou para R$ 117,2 milhões em 2004 e voltou a avançar para 131,4 milhões em 2005, numa intermitência que reflete diretamente as mudanças na estrutura dos recursos humanos3;
  • o orçamento da Agência, que reflete de forma direta os dispêndios com recursos humanos, cresceu de R$ 77,5 milhões em 1999 para R$ 89,6 milhões em 2000, mas reduziu de forma persistente para atingir R$ 69,4 milhões em 2004, aumentado depois para R$ 78,4 milhões em função da entrada em exercício dos novos pesquisadores científicos; a persistência da não-recomposição da equiparação salarial entre pesquisadores científicos e professores universitários, bem como a continuidade da não-reposição do poder aquisitivo face à inflação acumulada, vem aumentando a distância entre os salários dos pesquisadores, não apenas em relação aos professores, mas principalmente em relação a alguns pesquisadores científicos que ganharam na Justiça o direito a essa equiparação, gerando distorções que colocam problemas sérios para o sistema meritocrático de avaliação desses profissionais;
  • as despesas operacionais totais evoluíram de R$ 30,2 milhões em 1999 para R$ 40,1 milhões em 2001 e recuaram para o patamar de R$ 37,3 milhões em 2003, também refletindo de forma nítida a crise econômica e fiscal do biênio 2002-2003;
  • os dispêndios operacionais com recursos aplicados pelo Tesouro do Estado, após crescer de R$ 18,1 milhões em 1999 para R$ 22,4 milhões em 2000, recuaram para R$ 15,4 milhões em 2003, quando voltaram a se recompor para alcançar R$ 18,8 milhões em 2004 e R$ 18,3 milhões em 2005, ainda abaixo do patamar razoável verificado no ano 2000;
  • as captações de recursos com base em parcerias, institucionais e público-privadas, evoluíram de R$ 16,3 milhões para R$ 34,7 milhões no período 1999-2005, com o que a participação dessas parcerias no dispêndio operacional total passou de 47,5% no início do período para 65,4% no final do período.

Tabela 3 - Indicadores de investimentos em P&D dos agronegócios paulistas, APTA, 1999-2005

Itens (1)
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
Operacionais Tesouro
18.070.713
22.424.176
20.543.734
15.536.855
15.430.049
18.876.445
18.336.752
Operacionais Parcerias
16.336.802
21.222.484
25.128.058
25.427.084
27.047.459
28.858.996
34.684.669
Operacionais Totais
34.407.515
43.646.660
45.671.792
40.963.939
42.477.509
47.735.442
53.021.421
Pessoal Tesouro 
77.538.011
89.642.853
87.744.301
82.338.573
72.870.311
69.440.112
78.374.945
Tesouro Total
95.608.724
112.067.029
108.288.035
97.875.428
88.300.360
88.316.557
96.711.697
Orçamento Total
111.945.526
133.289.513
133.416.093
123.302.512
115.347.819
117.175.553
131.396.366
(1) Em R$, valores constantes médios de 2005 pelo IPCA-IBGE
FONTE: Relatórios Anuais da Secretaria de Agricultura e Abastecimento (SAA)

            Ainda que nessa condição de restrição orçamentária, no período 1999-2003 ocorreu um processo de aprimoramento gerencial capaz de produzir resultados importantes como fruto do esforço institucional centrado na sua programação de pesquisa e desenvolvimento, cuja síntese indica que:

  • a realização de análises laboratoriais para certificação de qualidade, fundamentais para as exportações dos agronegócios paulistas, cresceu 165,2%, de 188,2 mil em 1999 para 499,2 mil em 2003, e na seqüência recuou 23,6% para fechar com 381,2 mil analises em 2005 (tabela 4);
  • a produção de sementes básicas, importante para a multiplicação dos resultados de pesquisa e sua internalização no sistema produtivo, subiu de 578,4 toneladas em 1999 para 912,3 t em 2003 (57,8%) e em seguida recuou a 229,8 t em 2005 (-74,8%) (tabela 4);
  • o número de atendimentos diretos, depois de aumentar de 32,4 mil em 1999 para 41,4 mil em 2003 (27,5%), diminuiu para 33,6 mil em 2005 (-18,7%) (tabela 4);
  • o número de acessos evoluiu de 150,1 mil em 2000 para 1,6 milhão em 2005, em razão da implantação em 1999 e posterior evolução do atendimento eletrônico, o que multiplicou por 9,8 vezes essa ação de democratização do acesso a informações em tempo real (tabela 4);
  • o número de pessoas treinadas em inúmeros eventos para transferência do conhecimento, que em 1999 atingiu 20,5 mil pessoas e em 2005 alcançou 70,3 mil pessoas (+ 849%), cresceu 132,97%, contribuindo para o aumento da eficiência e da produtividade setorial (tabela 4);
  • o número de pesquisas em andamento cresceu de 935 em 1999 para 1.372 em 2005, numa demonstração da grande ampliação da ação institucional que atende aos grandes grupos de cadeias de produção; destaque para os vegetais de exportação (cana, café e laranja) e proteína animal (carne bovina, leite, suínos, carne de frango e ovos) (tabela 5).

Tabela 4 - Indicadores do esforço de transferência do conhecimento, APTA, anos civis 1999-2005

Item
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
Análises laboratoriais (n°)
188.192
235.722
242.526
499.167
394.021
381.205
Sementes Básicas (kg)
578.432
634.329
728.000
813.000
912.320
344.151
229.775
Atendimentos Diretos (n°)
32.450
32.202
35.987
38.367
41.386
22.653
33.627
Atendimentos eletrônicos (n°)
-
150.133
301.578
364.114
1.123.210
1.448.657
1.624.703
Pessoas Treinadas(n°)
20.545
24.664
28.645
47.858
37.214
70.268
FONTE: Relatórios da Secretaria de Agricultura e Abastecimento (SAA)

Tabela 5 - Indicadores do esforço de geração do conhecimento, APTA, número de pesquisas por atividade, anos agrícolas 1999-2000 a 2005-2006

Atividades 1999-2000
2000-2001
2001-2002
2002-2003
2003-2004
2004-2005
2005-2006
Agroexportação
176
213
217
194
267
247
292
Grãos e Fibras
160
159
151
151
157
132
138
Proteína Animal
186
277
300
247
251
248
269
Hortícolas e Agronegócios Especiais
224
260
268
255
294
274
305
Desenvolvimento Regional
-
-
-
15
27
33
26
Bens de Capital e Informações
86
106
121
157
156
161
187
Políticas Públicas
103
151
162
146
116
127
155
TOTAL
935
1.166
1.219
1.165
1.268
1.222
1.372
FONTE: Relatórios da Secretaria de Agricultura e Abastecimento (SAA)

            A superação da crise fiscal, resultante do esgotamento do padrão de financiamento do setor público - ainda não solucionado e sem solução à vista no curto prazo-, requer a estruturação de mecanismos que ampliem a capacidade de geração de inovações no setor da pesquisa, com incremento do investimento compatível com o crescimento da renda setorial. Exemplo disso está no fato de que a adoção de material genético público, como sementes selecionadas, vem reduzindo seu ritmo para as principais lavouras. É que os mecanismos públicos de oferta de material genético superior não estão adequados às exigências produtivas.
            O atual modelo jurídico-institucional da APTA, formulado no final dos anos 1960 para dar sustentação à modernização agropecuária em plena vigência do crédito rural subsidiado, esgotou suas possibilidades. Nessa concepção antiga, o agropecuarista ia ao Banco do Brasil, face seu contrato de crédito de custeio a juros subsidiados (muitas vezes negativos), e com o dinheiro em conta pagava à vista os fornecedores de insumos, como os produtores de semente selecionada. Com isso, naquela época a participação das variedades e cultivares geradas pelas instituições públicas era preponderante para as principais lavouras.
            Pelo novo padrão de financiamento da agropecuária, inaugurado no lançamento da Cédula de Produto Rural (CPR) em 1995 (tornada financeira em 2000), os agropecuaristas negociam diretamente com seus fornecedores de insumos, emitindo CPRs ou comprando a prazo-safra. Como esse mecanismo não está disponível para as instituições públicas, as empresas produtoras de sementes passaram a dominar o mercado 'vendendo financiamento' para ampliar a demanda por seu material genético. Com isso, mesmo com desempenho superior aos dessas empresas, o material público perde espaço em área plantada.
            O caso mais contundente corresponde ao material público de algodão, que de dominante passou à reduzida representatividade, não pela melhor qualidade genética dos concorrentes, mas pela inexistência de mecanismos institucionais compatíveis com a sua transferência. Isto exige mudanças institucionais, pois sem novos predicados jurídicos pode comprometer-se seriamente o desempenho institucional.
            Os desafios da continuidade da mudança institucional exigem a transformação do atual regime jurídico da APTA, que ainda está sujeito aos preceitos da Administração Direta incompatíveis com a nova institucionalidade que está sendo definida. Isto dentro do processo de formatação do novo padrão de financiamento do setor público, com base nas leis de parceria público-privadas e de inovação tecnológica, ambas desenvolvidas nos planos estaduais e federal.
            A transformação do regime jurídico da APTA em entidade autárquica, dotando a Agência de personalidade jurídica e de patrimônio próprios, é crucial para estruturar:

  • mecanismos consistentes de gestão de direitos de propriedade intelectual como a franquia onerosa dos direitos de multiplicação de material genético, criando não apenas um instrumento mas também uma fonte mais consistente de receitas para financiar as despesas correntes e os investimentos;
  • mecanismos consistentes de parceria público-privada para a geração e multiplicação de inovações, em especial o acesso em parceria com empresas paulistas aos recursos competitivos das agências de fomento e dos fundos setoriais, viabilizando a captação de recursos junto a essas parcerias em volume maior que o atual dada a maior agilidade operacional;
  • mecanismos de parceria público-privada para o estabelecimento de incubadoras de novos negócios, com a gênese e desenvolvimento de empresas de base tecnológica e empreendimentos inovadores de empresas já estabelecidas, permitindo a atuação mediante o uso por prazo determinado, via cessão onerosa e participação nos resultados, da infra-estrutura laboratorial e experimental da Agência;
  • mecanismos de parceria público-privada para a realização de feiras de negócios tecnológicos nos moldes da Agrishow Ribeirão Preto, que gerem renda e emprego no território paulista; seria interessante para estimular o processo de formatação de feiras menores em vários pontos do Estado de São Paulo, com base nos 15 Pólos Regionais de Desenvolvimento Tecnológico dos Agronegócios da APTA;

            A transformação da APTA em entidade pública autárquica, consubstanciada em instrumento legislativo apropriado, na verdade consiste no cumprimento de dispositivo da Constituição Federal. O Parágrafo 2° do artigo constitucional 207 confere à APTA, enquanto instituição de pesquisa científica e tecnológica, flexibilidades operacionais similares àquelas de que dispõem as universidades públicas paulistas por força do mesmo dispositivo legal.
            Essa maior agilidade operacional permitirá que a APTA desenvolva toda a sua potencialidade institucional enquanto instituição de pesquisa científica e tecnológica. Face às especificidades constitucionais e legais paulistas, não basta uma lei de inovações tecnológicas para dinamizar as instituições de pesquisa científicas e tecnológicas do Governo do Estado, como a APTA. É preciso ir além.4
______________________
1 Os processos inovativos são fundamentais para as transformações inerentes ao desenvolvimento econômico. Em economias continentais inseridas em processos globalizados, nas quais o conhecimento aplicado constitui-se ferramental estratégico para a construção de vantagens competitivas sustentáveis, há que se criar condições para a persistência de níveis adequados de investimentos em P&D, bem como ensejar mudanças que incrementem o desempenho institucional.
2 A Agência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios (APTA), com base na Lei Complementar N° 895 de 14 de maio de 2001 e no Decreto n° 46.488 de 8 de janeiro de 2002, consolidou-se no período 1999-2003 como a instituição de pesquisa científica e tecnológica da Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Governo do Estado de São Paulo. A APTA tem 6 (seis) institutos de pesquisa de renome internacional: Instituto Agronômico, Instituto Biológico, Instituto de Economia Agrícola, Instituto de Zootecnia, Instituto de Pesca e Instituto de Tecnologia dos Alimentos. São institutos que se interagem e se complementam na APTA em ações convergentes por cadeia de produção. A APTA está presente em todo o Estado de São Paulo com seus 15 Pólos Regionais de Desenvolvimento Tecnológico dos Agronegócios, envolvendo 32 Unidades de Pesquisa e Desenvolvimento. A Agência cobre todas as principais cadeias de produção do agronegócio paulista com 12 Centros APTA por cadeia de produção (café, cana, citros, grãos e fibras, aves, bovinos de leite, bovinos de corte, pescado continental, pescado marinho, frutas, horticultura e engenharia e automação). A APTA detêm, ainda, a maior rede laboratorial de análises para certificação de qualidade para os agronegócios do Hemisfério Sul com 58 laboratórios (REDE ANÁLISE APTA) estruturados dentro de padrões internacionais, que cobrem todo o território paulista e atendem às elevadas exigências de qualidade de consumidores internos e externos, sendo a maior estrutura laboratorial de prestação de serviços de certificação de qualidade para os agronegócios do Brasil.
3 No período 1999-2004, a queda persistente dos dispêndios com recursos humanos reflete, principalmente, a concretização da equiparação salarial entre pesquisadores científicos e os docentes das universidades públicas paulistas, concretizada em setembro de 1999, mas que não teve continuidade em todo período seguinte. A reversão de tendência de 2005 em relação a 2004 reflete a contratação de novos pesquisadores científicos pelos concursos autorizados no segundo semestre de 2002. Até 2004 na APTA, o Governo do Estado de São Paulo tinha 597 pesquisadores dos quais 492 com pós-graduação. Com as nomeações derivadas desses concursos, a APTA passou a contar em 2005 com 879 pesquisadores científicos – um aumento de 42% em relação a 2004 - dos quais 736 com pós-graduação.
4 Artigo registrado no CCTC-IEA sob número HP-72/2006.

Data de Publicação: 02/08/2006

Autor(es): José Sidnei Gonçalves (sydy@iea.sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor