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Gasto do Governo Paulista em contratos de serviços em alimentação: 1998-2004
A alimentação institucional representa cada vez mais um elemento determinante na conformação do tamanho da demanda por alimentos e outros produtos agropecuários. Nesse segmento, atuam diversos agentes, como os profissionais da área de nutrição que acabam por definir o perfil da demanda na busca de dietas que combinem alimentos, de forma que o conjunto forneça a quantidade de nutrientes desejada, da mesma maneira que determinam padrões de qualidade que conduzam à compra de alimento seguro. Figura 1 - Evolução dos dispêndios totais com contratação de serviços para fornecimento de preparações e produtos alimentares, Governo do Estado de São Paulo, 1998-2004(1)
Também, dadas as especificidades desse agromercado especializado, formam-se e ampliam-se empresas (ou gerências dentro das empresas) para atuar no fornecimento dessa alimentação, em especial nas compras governamentais. Isto além das instituições que regulam e/ou fiscalizam a atividade.
Essa modalidade de compras governamentais representa um segmento relevante e específico da demanda por alimentos, não computada nas pesquisas de consumo das famílias. Numa sociedade marcada por enormes diferenças econômicas e sociais, trata-se de questão crucial de saúde pública.
Pela expressão enquanto formadora do tamanho e do perfil da demanda, mostra-se relevante estudar os impactos econômicos e nas contas públicas desses dispêndios. Estes, dadas as ampliações no contingente de pessoas atendidas, vêm representado crescimento consistente das quantidades compradas e, conseqüentemente, o interesse do tema para a gestão pública. Dados os preços, há pressões orçamentárias relevantes e muitas vezes incontornáveis para os gestores dos recursos públicos.
Da mesma maneira, pela projeção de incrementos, cada vez mais aumenta o interesse privado em participar desse fornecimento. Essa característica torna o estudo desse agromercado, antes de mais nada, de interesse de Estado. No conjunto e perseguindo a exploração de suas várias nuances, trata-se aqui dos vários serviços de alimentação enquanto segmento especializado dos 'agromercados da alimentação institucional'.
Assim, avança-se na amplitude do tratamento do tema, cuja primeira abordagem trabalhou com as compras diretas de alimentos realizadas pelo Governo do Estados de São Paulo1. A análise é focada nas contratações de serviços de fornecimento de alimentação preparada ou de produtos alimentícios, necessários ao andamento dos programas sociais, do sistema público de saúde, do sistema prisional, bem como ao quadro de servidores públicos dos poderes executivo, legislativo e judiciário.2
No período de 1998 a 2001, os dispêndios do Governo do Estado de São Paulo com a contração de tais serviços, contemplando todas as funcionais programáticas, aumentaram em 44%. Isto se for considerada a classificação das despesas3 com esses serviços por função pública, que identifica a despesa relacionando dotações orçamentárias com as ações típicas de Governo (saúde, administração penitenciária, etc). Em 2002, houve queda de 5,4% em relação a 2001, voltando a crescer no ano de 2003, atingindo R$ 857,2 milhões em 2004 (figura 1).
(1) Expressa R$ anuais médios de 2005, deflacionados pelo IPCA do IBGE
Fonte: Sistema Integrado Físico-financeiro (SIAFÌSICO), Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo
A evolução mostra um tendência crescente dos dispêndios com a contratação de serviços de alimentação, refletindo de forma objetiva o aumento do número de presos e dos atendimentos hospitalares. Da mesma maneira, representa um indicador da necessidade de estruturação de mecanismos consistentes de análise e monitoramento desses gastos públicos visando à maior eficiência.
De qualquer forma, esses valores para 2004 representam 4,8 vezes os dispêndios governamentais na aquisição direta de alimentos para o mesmo ano (R$ 146,0 milhões1), representando assim o segmento mais relevante de dispêndios públicos com alimentação institucional. Sua relevância pode também ser aquilatada pelo fato de que apenas 10 produtos da agropecuária paulista em 2005 têm estimativas de valor da produção anual superiores aos R$ 857,22 milhões correspondentes aos valores anualizados dos dispêndios governamentais estaduais com serviços de alimentação.
Seria como se toda a produção paulista de soja, cujo valor da produção foi estimado em R$ 793,8 milhões em 20054, fosse adquirida por essas compras governamentais. Isto revela a magnitude dos valores transacionados e a necessidade de monitoramento da eficiência das operações realizadas. Em termos de valores orçamentários, isto representa em torno de sete vezes o que o Tesouro do Estado de São Paulo investe na sua instituição de pesquisa para a agricultura, a Agência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios (APTA).
Ao detalhar os dispêndios com contratação de serviços para fornecimento de alimentação, verifica-se que o fornecimento de alimentação hospitalar, cuja execução é realizada pela Secretaria da Saúde, e a de distribuição de leite fluido, executada pela Secretaria de Agricultura e Abastecimento, são classificados na função pública saúde. A partir de 2001, os valores destinados ao serviço de fornecimento de alimentação hospitalar começaram a ser contabilizados separadamente das despesas com outros serviços de terceiros, em função de ajustes no sistema que integra as informações físico-financeiras, o que propiciou melhor visualização da evolução dos seus dispêndios. No período de 2001 a 2004, os valores destinados a esse serviço estão diminuindo e, em 2004, são 7% a menos que em 2003 (figura 2).
Figura 2 - Evolução da participação percentual dos serviços de fornecimento de alimentação hospitalar e distribuição de leite fluido na função pública saúde, Governo do Estado de São Paulo, 1999-2004(1)
(1) Expressa R$ anuais médios de 2005, deflacionados pelo IPCA do IBGE
Fonte: Sistema Integrado Físico-financeiro (SIAFÌSICO), Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo
A consistente tendência de decréscimo dos dispêndios com alimentação hospitalar revela avanços relevantes na gestão dessa conta pública no período considerado, uma vez que ocorreu elevação no número de pessoas atendidas. Já o serviço de distribuição de leite fluído nos anos de 2001 e 2002 apresenta os menores valores, entre R$ 86 e 97 milhões. Os demais anos contabilizam valores superiores a R$ 100 milhões. O ano de 2003 aponta crescimento de 56% em relação ao valor de 2002, que vem sendo ampliado em termos percentuais nos anos seguintes (figura 2).
O volume de litros distribuídos, segundo o relatório da Secretaria de Agricultura e Abastecimento5, tem se mantido nos anos 2003-2004 em torno da média de 10,9 milhões de litros mensais. Assim, fica nítido o aumento dos preços finais de implementação dessa ação governamental, o que enseja a necessidade de aprimoramento dos procedimentos operacionais dos gastos públicos.
Outra compra governamental relevante e integrante da função pública agricultura abriga o serviço de fornecimento e distribuição de cesta básica. No período 1998-2000, a Secretaria do Emprego e Relações do Trabalho executava 61% da totalidade dos recursos vinculados a esse serviço. A partir de 2001, a Secretaria de Agricultura e Abastecimento passa a responder por grande parte da execução do serviço, cerca de 77% em 2004. Verifica-se também nesse segmento uma evolução consistente dos dispêndios públicos, que passaram de R$ 13,1 milhões em 1999 para R$ 51,5 milhões em 2004 (figura 3).
Figura 3 - Evolução dos dispêndios com serviços de fornecimento de cestas básicas, Governo do Estado de São Paulo, 1999-2004(1)
(1) Expressa R$ anuais médios de 2005, deflacionados pelo IPCA do IBGE
Fonte: Sistema Integrado Físico-financeiro (SIAFÌSICO), Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo
Essa tendência mostra-se consistente com o aumento do número de cestas distribuídas, de 288,2 mil em 2000 para 926,3 mil em 2004, revelando relação direta entre dispêndios e atendimentos realizados. Mudança na estratégia governamental fez com que, a partir de 2005, ocorresse a progressiva migração do orçamento destinado à aquisição de cestas básicas da Secretaria de Agricultura e Abastecimento para a Secretaria de Assistência e Desenvolvimento Social. Assim, continuaram a receber o benefício apenas as famílias cadastradas antes da transferência, o que terá término no final desse ano5.
Um dispêndio relevante é a compra do serviço de fornecimento de alimentação preparada para presos, vinculada a duas funções públicas: segurança pública, que tem como executora a Secretaria da Segurança Pública, e direitos da cidadania com suas dotações vinculadas à Secretaria de Administração Penitenciária. Tal como no caso do serviço de fornecimento de alimentação hospitalar, só a partir de 2001 o item alimentação preparada para presos foi especificado e separado do item outros serviços de fornecimento de alimentação.
Tendo como base o ano de 2001, quando foram gastos R$ 148,9 milhões, há um recuo nos anos de 2002 e 2003 para quais os dispêndios foram, respectivamente, de R$ 133,6 milhões e R$131,1milhões. Essa queda reverte-se para crescimento significativo em 2004, quando os dispêndios mostram um grande salto, ao ultrapassar R$ 166,3 milhões, com uma variação de 27% em relação a 2003 (figura 4).
Figura 4 - Evolução dos dispêndios com a contratação de serviços de fornecimento de alimentação preparada para presos, Governo do Estado de São Paulo, 2001-2004(1)
(1) Expressa R$ anuais médios de 2005, deflacionados pelo IPCA do IBGE
Fonte: Sistema Integrado Físico-financeiro (SIAFÌSICO), Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo
Trata-se de comportamento compatível com o aumento da população carcerária do Estado de São Paulo, que saltou de 55,0 mil pessoas em dezembro de 1994 para 98,8 mil pessoas em dezembro de 2001. O processo teve continuidade e alcançou 138,2 mil pessoas presas em 2005. Além disso, a Secretaria da Administração Penitenciária, que abrigava 68,5% dos presos em dezembro de 2001, passou a contar com 87,4% em 2005, numa progressiva desativação das carceragens das delegacias policiais 6.
Há ainda outro tipo de gasto público, representado pelas despesas de custeio7, que inclui os serviços de fornecimento de alimentação preparada para funcionários e pelo contrato de vale refeição/alimentação8.O serviço de fornecimento de alimentação para funcionários, como no caso de alimentação hospitalar e da alimentação para presos, passou a ser contabilizado em separado dos demais serviços no ano de 2001 em diante.
Faz parte da dotação orçamentária de quase todas as funções públicas, uma vez que se destina aos funcionários. É executado de forma que cada secretaria estadual possa atender suas necessidades conforme o número de funcionários, inclusive para órgãos dos poderes legislativo e judiciário. Seus dispêndios para o período de 2002 a 2004 variam entre R$ 49,4 e R$ 49,6 milhões, sendo a Secretaria da Saúde a maior executara desses recursos, em média 40% do total analisado.
Na alimentação dos funcionários, entretanto, os maiores dispêndios estão nos contratos de fornecimento de vale refeição/alimentação, dos quais em torno de 77%, são executados pela Secretaria do Governo e Gestão Estratégica. Esta realiza a distribuição para várias outras secretarias, sendo poucas as unidades que aplicam esses valores através de contratos realizados por elas próprias. Após o ajuste realizado nesse item de despesa, que representa valores expressivos das compras governamentais, os dispêndios no período de 2001 a 2004 variaram na faixa de R$ 440,7 milhões e R$ 450,8 milhões (figura 5).
Figura 5 - Evolução dos dispêndios com a contratação de fornecimento de Vale Refeição/Alimentação, Governo do Estado de São Paulo, 1998-2004(1)
(1) Expressa R$ anuais médios de 2005, deflacionados pelo IPCA do IBGE.
Fonte: Sistema Integrado Físico-financeiro (SIAFÌSICO), Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo.
Isto mostra que esses gastos com o funcionalismo suplantam em muito os custos dos demais contratos de serviço de alimentação realizados pelo Governo Estadual Paulista.
Ao tomar o conjunto das informações analisadas, verifica-se que os gastos governamentais com a contratação de fornecimento do vale refeição/alimentação ao quadro de pessoal representaram entre 42% e 58% do valor total dos dispêndios. Por outro lado, a alimentação preparada para funcionários, a alimentação hospitalar e a distribuição de cesta básica variaram entre 2% e 7 % do total. O serviço de distribuição de leite, ao longo da série de dados e em relação ao total, manteve sua participação entre 11% e 17% e a alimentação preparada para presos, entre 17,5% e 20%.
Fica reforçada, assim, a importância dos agromercados da alimentação institucional, que forja específica estrutura de mercado e de formação de preços. Por isso, exige análise aprofundada e monitoramento constante para conferir-lhe a eficiência desejada. De outro lado, as regulações inerentes configuram padrões de qualidade e impactam os níveis de preços. Daí o exercício desse poder de compra ser relevante para as políticas estaduais para agricultura.9
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1 Ver para artigo anterior, GONÇALVES, José S. & MARTINS, Renata Alimentação institucional: dispêndios do Governo do Estado de São Paulo. IEA- APTA, São Paulo, Dezembro de 2005. (publicado na Homepage http//www.iea.sp.gov.br).
2 Utilizaram-se informações da Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo, a partir da execuções orçamentárias das instituições da administração direta e indireta no período de 1998 a 2004, que compreende as informações anuais existentes, consolidadas e registradas no Sistema Integrado Físico-financeiro (SIAFÍSICO). Secretaria de Estado dos Negócios da Fazenda www.fazenda.sp.gov.br
3 O modelo orçamentário brasileiro observa as seguintes classificações: despesa; classificação institucional; função pública e natureza das despesas. Glossário de Termos Orçamentários. www.fazenda.sp.gov.br
4 Ver para valor da produção: TSUNECHIRO, Alfredo et al. Valor da produção agropecuária do Estado de São Paulo em 2005: estimativa preliminar. Informações Econômicas 35(10):42-52.
5 Informações obtidas no documento: 'Secretaria de Agricultura e Abastecimento 2005: relatório anual das ações do Governo de São Paulo para o desenvolvimento do agronegócio paulista'. Janeiro de 2006. mimeo.
6 Informações obtidas no documento 'Síntese das Principais Ações de 2005', disponível em http://www.sap.sp.gov.br(Capturado em 28/03/2006).
7 Despesas de custeio: necessárias à prestação de serviços e à manutenção da ação administrativa. Glossário de Termos Orçamentários. www.fazenda.sp.gov.br
8 Benefício auxílio alimentação previsto na legislação vigente. Para servidores da administração centralizada: remuneração bruta até R$ 1.964,13, ou 141 Unidades Fiscais do Estado de São Paulo (UFESPs), tendo como base de cálculo a multiplicação de A e B, onde A = R$ 4,00 e B = número de dias efetivamente trabalhados. Lei nº 7.524, de 28 de outubro de 1991. www.recursoshumanos.sp.gov.br
9 Artigo registrado no CCTC-IEA sob número HP-30/2006.
Data de Publicação: 05/04/2006
Autor(es):
José Sidnei Gonçalves (sydy@iea.sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor
Renata Martins (rmsampaio@sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor