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Máquinas agrícolas: crise impede retomada das vendas no mercado interno
O contexto de redução do volume de vendas persiste entre as montadoras responsáveis pelo abastecimento do mercado de máquinas agrícolas automotrizes. A produção global, que caíra 23,8% no confronto entre 2004 e 2005, declinou outros 21,4% no primeiro bimestre de 2006 frente a igual período de 2005. Tabela 1 - Produção, vendas e exportação de máquinas agrícolas automotrizes, Brasil, 2004 e 2005, e Janeiro a Fevereiro de 2005 e 2006 Ao distinguir as vendas de tratores de rodas por classe de potência, constata-se uma transferência da preferência nas aquisições de máquinas de maior porte para as menos potentes ao longo do período 1999 a 2005, reflexo da travagem nas cotações do algodão e da soja. Esse fato indica o quanto a agricultura de escala, especialmente a de grãos, sucumbe à descapitalização e ao endividamento do segmento. Tabela 2 – Vendas no mercado interno de tratores de rodas por classe de potência, 1999 a 2005 Outros indicadores relacionados ao segmento, como emprego e receita cambial, apresentaram reflexos desse momento pouco favorável vivenciado pelo agronegócio. Quanto ao emprego, que já havia caído 0,7% no comparativo 2004 e 2005, foi intensificada essa queda no primeiro bimestre do ano, com acumulado de -1,9%. Figura 1 - Vendas de máquinas agrícolas automotrizes no mercado interno, Brasil, Janeiro de 2000 a Fevereiro de 2006
O desempenho de vendas no mercado interno evidencia conjuntura ainda mais desfavorável, com queda de 38,5% entre 2004 e 2005 e apenas 1% de crescimento no primeiro bimestre de 2006. Essa margem está mais fortemente correlacionada com as máquinas importadas do que com as efetivamente produzidas em território nacional (tabela 1).
A concentração das exportações de máquinas agrícolas para mercados com perfil assemelhado ao brasileiro (zonas tropicais e subtropicais de países em vias de desenvolvimento) resultou em reflexo sobre as transações internacionais similar ao observado no mercado doméstico. A queda contabilizou 37% no primeiro bimestre do ano, quando no comparativo 2004 e 2005 esse percentual se mantivera praticamente estável. Certamente o efeito foi amplificado pela valorização do real que muito contribuiu para retirar competitividade das montadoras instaladas no Brasil.
A visão panorâmica do segmento não deve impedir que sejam observados movimentos contracíclicos de algum dos diversos tipos de máquinas. No caso de tratores de rodas, o resultado favorável de vendas no mercado interno evidencia precisamente esse fenômeno. As vendas no primeiro bimestre cresceram 4,1%, em que pese ser 2005 uma base bastante baixa para efeito do cálculo de variação percentual (-28% na produção frente a 2004).
Esse resultado decorre do particular bom desempenho de ramos agroindustriais que demandam com intensidade tratores, como são os casos dos setores sucroalcooleiro, suco cítrico e café. O resultado poderia ser ainda melhor caso as exportações de tratores de rodas não tivessem caído 44,4% nesse primeiro bimestre do ano. Essa hipótese é tão consistente com a realidade que, ao contrário dos tratores de rodas, as colhedoras de cereais tiveram queda de 17,5% e de 37,4%, respectivamente, na produção e nas vendas, seguida por retração de 34,8% nas exportações.
Outros dois tipos de máquinas também se comportaram contraciclicamente: cultivadores mecanizados e retroescavadeiras. Em ambos os casos observaram-se crescimento na produção e nas vendas, com destaque para o crescimento de 48% nas vendas de retroescavadeiras.
Por outro lado, quando era esperada uma demanda aquecida para os tratores de esteira na 'esteira' das operações tapa-buracos do governo federal, houve, ao contrário, queda nas vendas para o mercado interno. Isso embora a produção tenha sido incrementada para atender pedidos internacionais desse tipo de máquina.
O avanço dos equipamentos de potência mais modesta não significa, porém, uma revalorização da agricultura familiar, mas sim reflete a demanda por máquinas da citricultura e da cafeicultura em que médios e grandes produtores são bastante representativos na estrutura produtiva de ambos segmentos (tabela 2).
Fonte: Disponível em www.anfavea.com.br e Anuário vários números Classe de Potência 1.999 2.000 2.001 2.002 2.003 2.004 2.005 Até 49 CV 843 840 849 992 899 1.175 1.042 Até 50 CV a 99 CV 11.248 14.190 15.522 18.785 14.689 14.160 10.999 De 100 CV a 199 CV 6.641 9.126 11.649 13.325 13.636 13.002 5.398 Acima de 200 CV 56 135 70 84 181 299 104
Tal fato constitui-se numa ironia, uma vez que grande parte dos recursos utilizados na equalização das taxas de juros praticadas pelo MODERFROTA tem origem nos depósitos dos fundos vinculados a benefícios aos trabalhadores (FAT e FGTS), portanto numa parcela da massa de salários gerados na economia formal do país. Relatório recente do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) revelou queda de 57,6% nos financiamentos concedidos pelo MODERFROTA, no período de julho 2005 a fevereiro de 20061 (desembolso de apenas R$950 milhões), comparado a igual período em ano anterior.
Quanto à evolução da receita cambial auferida pelo segmento em suas transações com o exterior, o resultado ainda permanece positivo, refletindo uma mudança parcial de composição nas exportações. Nesse caso, o incremento da participação dos negócios envolve máquinas de maior potência e por isso mais caras.
A profundidade da atual crise econômica dos agronegócios evidenciada pela perda de poder de compra dos agricultores, para alguns analistas do setor2, pode conduzir a uma desestruturação, com a generalização da inadimplência e da quebra de contratos, uma vez que o endividamento dos produtores é majoritariamente privado. As montadoras e seus respectivos bancos estão alavancados com contratos de financiamento de máquinas incentivados pelo MODERFROTA e, em caso de confirmação da hipótese acima, poderão exibir resultados menos robustos no fechamento de seus respectivos balanços.
Representantes das montadoras e governo procuram saídas para a retomada das vendas de máquinas agrícolas, a fim de reeditar o milagre que marcou a trajetória do segmento entre 2000 e 2003 (figura 1). Todavia, diante do atual contexto macroeconômico (taxa de juros elevada, taxa de câmbio apreciada e gastos públicos em continuado crescimento), poucas são as possibilidades e ferramentas capazes de reverter essa conjuntura ainda nesse ano. Na última grande crise (1995-98), a securitização das dívidas foi o que suportou o novo ciclo de crescimento/endividamento, porém naquela situação anterior o passivo estava quase que concentrado exclusivamente nos bancos públicos.3
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1 Maiores detalhes em BOUÇAS, C. & ZANATA, M. Financiamento de máquinas despenca. Jornal Valor Econômico, 27/03/2006 – B12.
2 Detalhes em AGUIAR, I.D. Maior dívida da agricultura é privada. Jornal Gazeta Mercantil, 28/03/2006.
3 Artigo registrado no CCTC-IEA sob o número HP-31/2006.
Data de Publicação: 03/04/2006
Autor(es):
Célia Regina Roncato Penteado Tavares Ferreira Consulte outros textos deste autor
Celso Luís Rodrigues Vegro (celvegro@sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor