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Álcool: preço gera lucros extraordinários
É importante perguntar qual é a finalidade da discussão sobre a alta do preço do álcool. Gráfico 1 - Produção brasileira de gasolina 'A'
A grande preocupação da sociedade em geral é o custo de vida, que tem dois componentes importantes: os custos crescentes na base produtiva e a conseqüente inflação.
O governo tem a preocupação de diminuir o impacto da alta dos combustíveis na inflação e manter os custos baixos. Já o setor sucroalcooleiro tem se beneficiado da forte demanda pelo produto tanto no mercado interno quanto no externo.
Desde de 1931, a adição de álcool na gasolina (de 5%, inicialmente) foi utilizada para sanar as dificuldades do setor. Durante décadas, este percentual de adição teve variações: chegou ao máximo de 26% em 1999, voltou para 20% em 2000 e subiu para 25% em 2002. Este último percentual vigorou até 1º de março de 2006 quando caiu para o novo percentual de 20%.
Estas variações de percentuais de adição de álcool na gasolina sempre tiveram o intuito de equalizar os mercados de álcool e de açúcar, tanto no âmbito interno quanto no exterior. E atualmente isto não é diferente.
O gráfico 1 mostra que a produção de gasolina 'A' – que não tem adição de álcool –, voltada para o mercado brasileiro, apresentou variação que acompanhou o desenvolvimento da economia.
Já o comportamento da gasolina 'C' – na qual é adicionado álcool anidro – foi mais estável, com pequena variação em 2002 (gráfico 2).
Gráfico 2 - Consumo brasileiro de gasolina 'C'
Fonte: Elaborado a partir de dados da ANP
O volume de álcool anidro utilizado na mistura com a gasolina acompanha o percentual permitido, que em 2000 era de 20%; em 2001, de 22%; e de 2002 a 2005, de 25%. O gráfico 3 mostra que o aumento está relacionado com esta variação.
Gráfico 3 - Volume adicionado de álcool anidro
Fonte: Elaborado a partir de dados da ANP
Portanto, foi uma medida de governo que teve o suporte da sociedade para garantir a oferta de um combustível renovável e menos poluente. Era de se esperar que esse mesmo mecanismo fosse utilizado nesta ocasião, diminuindo a adição do álcool na gasolina de 25% para 20%, o que liberaria mais álcool para o mercado e acarretaria em um aumento em torno de 4% no preço da gasolina, ou seja, R$0,10.
Com esta medida, o País terá, anualmente, um volume de 1,84 bilhão de litros adicionais de álcool no mercado, considerando que os produtores irão manter a mesma quantidade produzida antes da mudança. Se o consumo mensal for constante, o mercado terá por volta de 153 milhões de litros de álcool anidro, que poderá ser hidratado e vendido para o consumidor de veículo bicombustível ou para consumidores que possuem carros movidos a álcool.
Outra hipótese, possivelmente a mais provável, é que o setor direcione este volume liberado para o mercado externo. Desta forma, não se resolverá o problema da alta do preço do álcool para o consumidor, sendo assim necessário uma ação do governo como a de taxação das exportações.
Ficou claro que não há como fixar o preço do álcool através de acordos, devido a esta configuração atual, na qual existem forças de mercado desiguais e também uma demanda aquecida. Mas, por outro lado, não é verdadeira a afirmação de que há escassez de álcool, pois existem estoques suficientes para um abastecimento regular na entressafra. A dificuldade é em saber com exatidão o volume total dos estoques, que é estimado entre 4 bilhões e 5 bilhões de litros. Já o consumo mensal está por volta de 1,14 bilhão, o que daria um total de 4,56 bilhões de litros na entressafra, o que está dentro das estimativas.
A questão é que os detentores destes estoques estão fornecendo o produto de forma regulada para obter lucros extraordinários, o que é verificado facilmente com a explosão dos preços do álcool na usina e na bomba.
É factível que ocorra um aumento dos preços na entressafra, o que serve como desacelerador do consumo. Mas o que ocorre atualmente é uma exacerbação deste aumento, devido ao fato de o setor sucroalcooleiro exercer seu poder oligopolista ou, pode-se dizer, poder de mercado; ou seja, mantém lucros extraordinários com os preços acima dos níveis normais em relação aos custos por um determinado tempo.
Portanto, duas medidas para conter o aumento dos preços do álcool trariam maior impacto e resultados mais eficientes para a política pública preocupada com os índices de preços ao consumidor. Uma delas é a diminuição da adição de álcool na gasolina, de 25% para 20%, no âmbito do varejo. A outra é a diminuição no preço da gasolina 'C', partindo de uma queda no preço da gasolina 'A' e, principalmente, dos tributos que incidem no preço final do produto (CIDE, ICMS, PIS/CONFINS). É que a gasolina 'A' sem os tributos é mais barata do que o álcool; ou seja, o seu preço por litro é de R$1,00 contra R$ 1,15 do litro do álcool.
A gasolina tem impacto social muito maior em nível nacional, dada a responsabilidade do governo federal na manutenção dos níveis de inflação e do custo de vida. Essa é a medida mais econômica no uso do recurso mais escasso, o recurso público, pois é baseada apenas na regulação, sem alocar recursos extras nem beneficiar diretamente um setor da sociedade.
Dessa forma, a Petrobrás, por intermédio da sua subsidiária BR Distribuidora, teria um papel relevante a executar, que é a diminuição do preço da gasolina. Isto forçaria a uma queda no preço do álcool, pois a paridade álcool/gasolina diminuiria e seria mais vantajoso, do ponto de vista econômico, o uso da gasolina em detrimento do etanol. Sem falar dos benefícios ambientais advindos do uso do álcool como combustível.
Em abril de 2003, o lançamento do primeiro automóvel bicombustível trouxe uma perspectiva inédita ao setor, que passou a contar com uma fonte de demanda segura e crescente. Somado a isso, o açúcar, seu produto concorrente pela matéria-prima, iniciou uma escalada de preço em função das quebras de safras e dos baixos estoques mundiais.
Com isso, o preço do álcool para o consumidor sofreu alta de 27,5% entre junho e dezembro de 2005 e de 25,6% entre dezembro e fevereiro de 2006. Na usina, este aumento foi de 83,2% para o álcool hidratado e de 60% para o álcool anidro, no período de junho de 2005 a fevereiro de 2006.
Em conseqüência, houve aumento de 7,9% no preço da gasolina de dezembro de 2005 a fevereiro deste ano. Isto causa um impacto direto na inflação e no custo de vida e deve ser o ponto central da discussão e dos esforços da esfera pública.
É importante que a sociedade tenha voltado a atenção para a grande demanda pelo combustível renovável, nos mercados interno e externo, e também sobre quais são as forças de mercado que estão implicadas nesta alta. São diversos os fatores, entre eles a concentração da estocagem, além da sazonalidade.
A estocagem é estratégica para garantir maior rentabilidade, não apenas no curto prazo, em função da sazonalidade, como também no longo prazo, pois se cria reputação cumprindo contratos de exportação. Por este motivo, o consumidor deverá ficar alerta ao preço do álcool nos postos depois do início da safra, que poderá não cair a níveis anteriores aos da crise de preço atual. Ao contrário, é bem provável que haja uma queda suave e a manutenção de preços próximos ao limite de 70% de paridade.
O consumidor de automóvel bicombustível, que deseja priorizar o álcool para compensar o investimento no carro 0 km, não pode se tornar o centro da discussão, apesar de o impacto mais direto ser sobre ele. É que ele corresponde a apenas uma parcela da população pressionada pelo custo de vida.
Nem mesmo deve ser prioritária a necessidade de uma parcela do setor sucroalcooleiro em se financiar para participar do mercado na entressafra. Estes são problemas de investimentos privados, que seguem a alocação eficiente por meio das estratégias de agentes de mercado bem informados sobre seus custos de oportunidade, produtos substitutos e concorrentes pela matéria prima.
Outros fatores podem contribuir no sentido de resolver o problema de escassez na entressafra e de aumento no preço do álcool para o consumidor. Um deles é o mercado futuro doméstico que minimizaria grandes oscilações.
Portanto, a sociedade não deverá arcar com subsídios ao investimento em estocagem, uma vez que as margens de comercialização, os lucros extraordinários na entressafra e as sinalizações do mercado permitem que seja feito um esforço adicional de todo o setor rumo à capitalização. Em conseqüência, haverá recursos financeiros para financiar a estocagem. Para isso, a utilização de instrumentos financeiros modernos passa por um processo contínuo de profissionalização, governança corporativa e alianças estratégicas. 1
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1 Artigo registrado no CCTC-IEA sob número HP-23/2006.
Data de Publicação: 16/03/2006
Autor(es):
Sérgio Alves Torquato (storquato@apta.sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor
Thomaz Fronzaglia (thomazfronzaglia@iea.sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor