Artigos
Quem tem medo do censo agropecuário?
Quem vencerá: o bom-senso daqueles que querem realizar o primeiro censo agropecuário nacional do século XXI ou o contra-senso dos que tentam impedi-lo? Ao longo do tempo, o censo agropecuário do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) tem sido o melhor sensor da situação do agronegócio em todos os seus aspectos: econômicos, sociais, técnicos, políticos e outros tantos. Por isso, vale perguntar: quem são os censores do projeto, a quem aproveita a não realização desse importante trabalho governamental? Que motivos censuráveis têm estado por trás dos adiamentos, não apenas do censo agropecuário, mas também do censo demográfico, nas últimas duas décadas? ____________________________
O último censo agropecuário foi realizado pelo IBGE em 1995-96, no milênio passado. Trata-se de um tipo de investimento com conseqüências positivas duradouras, o que leva o contribuinte a questionar: em que se utilizam os recursos que deixam de ser aplicados nos censos?
O censo agropecuário provê a nação de informações estatísticas, mostrando a real situação num dado instante, bem como sua evolução em períodos longos, quando dados de sucessivos censos são comparados. Ele é a mais confiável base de dados sobre a agropecuária para fins de estudos científicos realizados pelas instituições de pesquisa nacionais e internacionais.
O próprio IBGE construiu seu sistema de estatísticas agrícolas baseado em censos periódicos, de caráter objetivo, e em levantamentos sistemáticos da produção agrícola ente eles, realizados de maneira subjetiva, para estimar as variações que ocorrem ao longo do tempo em relação ao último censo. É óbvio que esses levantamentos intermediários são tanto mais confiáveis quanto mais próximos do último censo estiverem.
Que prejuízos podem resultar da não realização do censo agropecuário? Talvez a parte mais grave da questão seja aquela relativa a prejuízos à soberania nacional. Quem tem informação tem mais poder do que quem não a tem, mantido tudo o mais constante. Se o país deixar de ter suas próprias informações estatísticas de boa qualidade, ele estará renunciando a parte de sua soberania, uma vez que empresas, agências e governos de outros países poderão imputar as informações que lhes convierem a respeito do Brasil.
Os prejuízos econômicos podem ser consideráveis, principalmente num mundo globalizado. O mercado tende a usar as estatísticas mais fidedignas que estiverem disponíveis, com cada agente tentando impor aquelas que lhe pareçam mais favoráveis. Se o país deixar de ter suas próprias informações estatísticas de boa qualidade, o mercado utilizará quaisquer outras fontes disponíveis. O maior prejuízo será nos produtos agropecuários exportados, que poderão ter seus valores diminuídos em razão do uso de estatísticas erradas. Conseqüentemente, haverá perda de divisas e de arrecadação, bem como efeitos negativos sobre o nível de emprego no agronegócio nacional. Daí seguem as conseqüências sociais previsíveis.
Os prejuízos à soberania e os prejuízos econômicos acarretam prejuízos políticos ao governo, independentemente de partido. Além disso, a periodicidade do censo garante certa estabilidade e confiabilidade por parte dos usuários, inclusive do exterior. A quebra na periodicidade pode ter sérias conseqüências.
Informações estatísticas erradas ou inexistentes interessam apenas a especuladores e outros agentes que não tenham boas intenções. Portanto, mesmo que de maneira indireta, perderão os bons contribuintes em proveito daqueles, gerando sérios prejuízos éticos e sociais, bem como transferência de renda de setores produtivos para aqueles meramente especulativos.
Os prejuízos ao conhecimento têm efeitos que duram muito tempo. Sem dados de boa qualidade, a produção científica nacional sobre a agropecuária e a agroindústria tende a perder em qualidade e quantidade. Além disso, as estatísticas conjunturais do levantamento sistemático da produção agrícola perdem qualidade ao longo do tempo.
Há prejuízo para as contas nacionais, já que o cálculo do produto interno bruto passa a se basear em dados cada vez menos consistentes com a realidade. Com menos conhecimento sobre o agronegócio, maior será a probabilidade de que decisões erradas sejam tomadas, tanto pelo setor privado quanto pelo poder público.
Finalmente, há prejuízos legais. A constituição federal de 1988 estabelece que compete à União 'organizar e manter os serviços oficiais de estatística, geografia, geologia e cartografia' (art. 21, inciso XV), tarefa exercida pelo IBGE. Com a não realização do censo agropecuário, parte do estabelecido constitucionalmente deixará de ser feito.
Parte do descaso para com o censo agropecuário decorre do encolhimento do estado, apregoado por alguns e levado a efeito desde 1990. Na verdade, o que tem encolhido não é o estado propriamente dito, mas os serviços governamentais, entre os quais o censo está inserido.
Mesmo que se concorde que muitas atribuições antigamente governamentais possam ser transferidas para a iniciativa privada, sem prejuízos e, muitas vezes, com ganhos para a sociedade, este não parece ser o caso das estatísticas oficiais. Primeiro, porque o custo da obtenção de estatísticas agrícolas, em particular do censo agropecuário, não é atraente para a iniciativa privada. Segundo, porque o acesso aos resultados não seria feito democraticamente, mas mediante pagamento, o que excluiria boa parte dos possíveis usuários. Terceiro, porque a instituição responsável pelas estatísticas, pública ou privada, deve conquistar e manter reputação ilibada de isenção a respeito dos dados obtidos, o que pode ser difícil de conseguir quando parte daqueles que estariam dispostos a pagar pelos dados têm interesse em seus valores.
Em suma, a falta de sensibilidade para com a questão do censo agropecuário demonstra falta de intenção de se fazer planejamento e de se tomarem decisões conscientes, o que certamente potencializa os efeitos negativos sobre o futuro. O ato de impedir a realização do primeiro censo agropecuário do novo século é atitude de puro nonsense.1
1 Artigo registrado no CCTC-IEA sob número HP-010/2006.
Data de Publicação: 09/03/2006
Autor(es): Francisco Alberto Pino (drfapino@gmail.com ) Consulte outros textos deste autor