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Alta do preço do álcool: poder de oligopólio assusta consumidor
O ano de 2006 inicia com discussões acaloradas sobre o preço do álcool para o consumidor, polarizadas entre o setor sucroalcooleiro e o governo federal. O consumidor, que apostou no carro bicombustível em 2005 que utiliza na maior parte das vezes o álcool para abastecimento de seu veículo, tem o maior interesse na solução deste impasse. Também pode decidir entre o álcool e a gasolina. De qualquer forma, pela reação da opinião pública, o aumento demasiado no preço do álcool pode ter sido uma estratégia equivocada, se vier a ultrapassar na ponta do varejo o limite economicamente viável para a utilização do álcool como combustível. Isto poderá acarretar desequilíbrio no mercado interno, gerando, possivelmente no primeiro momento, estoques indesejáveis e, no segundo momento, pressão baixista nos preços, devido à possibilidade de o consumidor escolher entre usar um e outro combustível. Gráfico 1 - Participação de cada segmento na composição do preço do álcool para o consumidor5
Os números do mercado interno de automóveis movidos a álcool cresceram de forma rápida em 2005. De um total de 1,353 milhão de carros vendidos, 57,9% (ou 782.459 veículos) foram bicombustível e a álcool, contra 42,1% de carros a gasolina (ou 570.782 veículos), segundo a Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (ANFAVEA)1.
A retomada da demanda por álcool hidratado em abril de 2003 iniciou nova fase do uso de álcool carburante no Brasil, com a produção crescente de carros bicombustíveis, o que alavancou o mercado deste combustível. O Brasil produz dois tipos de álcool carburante: o anidro, que é misturado com a gasolina, e o hidratado que é usado no automóvel.
A introdução do carro bicombustível reverteu a tendência de decréscimo continuado no consumo de álcool hidratado. Essa retomada do consumo de álcool no Brasil veio acompanhada do crescimento das exportações. Esses avanços podem ser ofuscados por conta do aumento no preço do combustível renovável, de 27,5% entre junho e dezembro de 2005. Já na primeira semana de janeiro de 2006, houve acréscimo em todo o país de 2,86% sobre o preço da última semana de dezembro de 2005, enquanto em São Paulo o aumento foi de 3,55%.
Com esses aumentos, a relação preço do álcool/preço gasolina, que era de 63% no Brasil e 57,7% em São Paulo em dezembro último, se elevou para 66,6% (Brasil) e 61,5% (São Paulo) em janeiro. Isto é factível numa economia de mercado, na qual as empresas buscam maximizar seus ganhos. Sabendo que essa relação pode chegar até 70%, limite no qual é mais econômico o uso do combustível da cana, elas elevam o preço até próximo desse patamar obtendo lucro extraordinário derivado da condição de oligopólio. Essa é, uma das hipóteses que explicam o aumento dos preços do combustível.
Nesse episódio, porém, existem outras questões relevantes que podem explicar melhor o assunto. Um fator ou hipótese é a concentração de produtores em três grandes grupos, que detêm de 30% a 40% da produção brasileira de álcool2. Da mesma forma, a concentração na tancagem do combustível proporciona maior poder de barganha junto às distribuidoras, acarretando possibilidades de aumento nos preços. Também se pode atribuir à entressafra a responsabilidade pela alta no preço do combustível verde, o que é um forte argumento.
A falta de estoques reguladores é uma questão que tem de ser discutida no âmbito tanto do setor privado quanto do setor público para se chegar a um denominador comum sobre a quem cabe esse papel. Do lado privado, é necessário manter estoques para garantir o abastecimento na entressafra nos mercados interno e externo e, assim, cumprir os contratos de exportação, de maneira a manter a credibilidade junto aos importadores e garantir a consolidação do álcool como commodity. Por outro lado, o governo tem interesse de que se mantenham estoques reguladores para que não haja grandes oscilações nos preços.
Entretanto, numa atividade produtiva marcada pela sazonalidade da oferta, que se concentra em alguns meses, e numa economia de juros altos, existe enorme limitação de custos financeiros para operar estoques reguladores, sejam públicos ou privados, pois não há agente econômico que queira 'carregar' estoques. Dessa forma, como não existem estoques governamentais, as usinas de sua posição oligopólica estão cobrando do consumidor o ressarcimento dos custos (operacionais e financeiros) de terem de carregar estoques. Na entressafra, nessas condições de mercado, trata-se de decisão de manter as rentabilidades operacionais.
É necessário também levar em conta o aumento no preço do açúcar no mercado internacional, que no acumulado de 2005 cresceu 55,11% em termos médios3. Isso impacta o preço do álcool que saindo das mesmas empresas se revela um concorrente pela matéria-prima. Essa relação com o mercado internacional do açúcar não é nova, pois estava no cerne do desmonte do antigo Programa Nacional do Álcool (PROALCOOL).
Já dados da Agência Nacional do Petróleo (ANP)4 mostram a participação anual de cada segmento da cadeia de produção na composição do preço do álcool. Os dados revelam o crescimento da parcela apropriada pelas usinas, de 49% em 2003 para 53% em 2005, com queda da participação dos postos de 20% para 15% (gráficos 1, 2 e 3). Isto aponta com nitidez o exercício de poder oligopólico numa cadeia de produção onde alguns agentes absorvem margens dos outros, penalizando os elos que apresentarem maior dispersão.
Fonte: ANP/IEA/CEPEA
Gráfico 2 - Participação de cada segmento na composição do preço do álcool para o consumidor5
Fonte: ANP/IEA/CEPEA
Gráfico 3 - Participação de cada segmento na composição do preço do álcool para o consumidor5
Fonte: ANP/IEA/CEPEA
O markup da distribuidora tem relação direta com os preços praticados na usina para o álcool hidratado; ou seja, quando os preços estão em queda na usina, o markup cresce, e vice-versa. Por sua vez, o posto acompanha a distribuidora, aproveitando o espaço deixado por ela para aumentar ou diminuir seu markup e com isso manter um preço adequado para obter lucro e escoar o produto (gráficos 4 a 6). Assim, como em todas as cadeias que operam coordenadas verticalmente por oligopólios, também os benefícios tributários concedidos não chegaram em sua totalidade ao consumidor, com preços rígidos para baixo ou com a diferença paga pelo elo mais disperso, os varejistas.
Estas alterações acontecem durante a safra, que basicamente ocorre entre os meses de abril e novembro, e a entressafra, entre dezembro e março. Portanto, tanto as distribuidoras quanto os postos percebem que atuam como um amortecedor no mercado6.
Gráfico 4 - Markup mensal do posto5
Fonte: Elaborado pelo autor a partir de dados básicos da ANP
Gráfico 5 - Markup mensal da distribuidora5
Gráfico 6 - Preços médios do álcool hidratado na usina7
Em recente negociação, o governo e o setor sucroalcooleiro chegaram a um acordo para estabilizar em R$ 1,05 o preço do álcool anidro. A estratégia do governo foi focar o álcool anidro (adicionado em 25% à gasolina A), cujo preço subiu 57,2% entre junho e dezembro de 2005, enquanto o álcool hidratado cresceu 61,7% no mesmo período, pois o aumento no preço do anidro cria maior possibilidade de acréscimo no hidratado. Assim, o objetivo é impedir que haja aumento na relação entre o preço da gasolina C e o preço do álcool hidratado, pois, ao diminuir o preço da gasolina C, diminui essa relação; ou seja, gera uma possibilidade de se ultrapassar a barreira de 70% (que torna mais viável o uso da gasolina), que pressiona uma diminuição da demanda por álcool na bomba do posto, estabilizando novamente o preço.
Uma outra alternativa suscitada é a de modificar os veículos bicombustível (álcool/gasolina) para gás natural. Mas é uma proposta muita arriscada na medida em que o preço do gás natural tem tendência de aumentar no médio prazo, enquanto o preço do álcool tende a baixar no curto prazo com o início da safra.
Portanto, a conclusão é que o álcool, a exemplo da gasolina e de outros combustíveis, é regido por leis de mercado, onde os agentes interagem com vistas a maximizar ganhos ou minimizar perdas. Em cadeias coordenadas por oligopólios, nas condições de poderem gerir a escassez como na entressafra, estes fazem preços segundo suas estratégias de rentabilidade. Os demais agentes reagem nos limites de suas possibilidades.
Os consumidores podem trocar de combustível ou reduzir o consumo, mas essa reação ao susto pode, como no passado, transformar a ação oligopólica num verdadeiro tiro no pé. Apenas o tempo dirá, e ele é senhor das mudanças econômicas.8
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1 ANFAVEA - Vendas internas no atacado de nacionais por tipo de produto e combustível. Disponível em: http://www.anfavea.com.br/Index.html Acesso em janeiro de 2006.
2 GAZETA MERCANTIL. Concentração eleva o preço do etanol. Publicado dia 23 de dezembro de 2005.
3 Para maiores detalhes, ver o artigo Commodities: açúcar foi o campeão de alta em dezembro de 2005. Disponível em: http://www.iea.sp.gov.br/out/verTexto.php?codTexto=4432. Acessado em janeiro de 2006.
4 ANP. Abastecimento e análise de preços/preço do produtor. Disponível em: http://www.anp.gov.br/petro/analise_precos.asp Acessado em novembro de 2005.
5 Calculado a partir de margem de lucro bruto com preços correntes.
6 Utilizou-se preços divulgados pelo CEPEA/ESALQ, no cálculo dos markups. Veja-se CEPEA. Indicadores Mensais de Álcool para São Paulo - CEPEA / ESALQ. Disponível em: http://cepea.esalq.usp.br/xls/Sahicomensal.xls. Acessado em janeiro de 2006
7 Preços correntes, sem impostos.
8 Artigo registrado no CCTC-IEA sob número HP-007/2006.
Data de Publicação: 13/01/2006
Autor(es): Sérgio Alves Torquato (storquato@apta.sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor