Inflação Aleija, mas quem Mata é o Câmbio


 

A questão cambial sempre foi um aspecto muito relevante para as interpretações do mercado cafeeiro desde seus primórdios. O título desse artigo parafraseia o consagrado economista e ministro Mário Henrique Simonsen. Acertadamente, pontificou que para contornar as mazelas inflacionárias há medidas econômicas (e de mercado), enquanto para o câmbio elas praticamente inexistem (excetuando-se um vigoroso saldo de balança comercial). Outro economista, dos mais proeminentes que já houve no país, Eugênio Gudin, também atribuía ao câmbio importância ímpar nas análises de mercado de café ao proferir o aforismo:

Café é câmbio!

A opinião foi antecipada pelo emérito prof. Antônio Delfim Netto, ao identificar a natureza do problema:

1) uma quebra da safra cafeeira por um acidente climático aumentava de forma dramática os preços externos do café (devido à inelasticidade da demanda);

2) isso aumentava a oferta de divisas e valorizava a taxa cambial;

3) essa valorização abortava todas as iniciativas de exportações nascentes que, com a taxa de câmbio de "equilíbrio", seriam competitivas, isto é, tinham "vantagem comparativa". O problema sério durou quase um século2.

O fenômeno econômico acima descrito foi denominado de “doença holandesa”. O reverso desse fenômeno, ou seja, episódios em que a moeda local se desvaloriza frente ao dólar, traz efeitos sobre as cotações das commodities mais que proporcionais, acarretando em pressão baixista aos preços praticados.

A partir da primeira década do atual século, a corrente de comércio brasileira produziu um salto quantitativo dos mais estupendos. Capitaneado pelo boom das commodities (agrícolas, minerais e, mais recentemente, o petróleo), o país vem ano a ano acumulando substanciais resultados cambiais. Em 2022 e 2023, as transações com o exterior acrescentaram, aproximadamente, US$61 bilhões e US$98 bilhões às reservas do país, respectivamente. No primeiro quadrimestre de 2024, outros US$28 bilhões foram agregados às reservas. O país acumula montante superior aos US$355 bilhões, com maior contribuição isolada advinda, atualmente, dos embarques de petróleo. Reservas robustas são sinônimo de hedge cambial.

Apesar dessa pujança, a moeda brasileira foi alvo de ataques especulativos, ocupando, em junho de 2024, a vice-liderança na lista de moedas que mais se desvalorizaram. Quais as razões explicativas para tal fenômeno? Aparentemente, a persistência do atual patamar inflacionário da economia estadunidense (apesar de todas as medidas recessivas adotadas pela autoridade econômica), consiste no fator preponderante no movimento de desvalorização do real. Assim, o assunto passou a dominar a pauta do jornalismo econômico e das consultorias financeiras, trazendo preocupações para os gestores das políticas econômicas (fazenda e planejamento).

Em junho de 2024, a evolução da média semanal das cotações cambiais exibiu incremento de 3,98% (Figura 1). Tal desvalorização, como conceitualmente exposto, pressionou as cotações do café (Figura 2).

 

Assim, na Bolsa de Nova York, praça em que são negociados os contratos futuros de café arábica, em junho de 2024, após registrar média semanal de US$¢227,80/lbp para a posição de dezembro na primeira semana do mês, exibiu declínio de 0,33% para a posição da quarta semana, contabilizando média semanal de US$¢227,05/lbp. Sem alterações no fluxo de suprimento (embarques brasileiros do produto seguem firmes), o ligeiro declínio consiste em ocorrência parcialmente resultante da desvalorização cambial do real e de outras inúmeras moedas de países relevantes na oferta internacional do produto (Figura 2).

Em Franca/SP, regional da CATI mais importante na produção cafeeira do Estado, o preço médio recebido pelos cafeicultores, em junho de 2024, foi de R$1.361,11/sc. 60 kg3. Efetuando-se as conversões, empregando o dólar médio do mês (US$1,0=R$5,39), ainda, adicionando um deságio arbitrário de 20% referente às taxas de registro, emolumentos e diferencial frente ao Contrato C, esse montante representa US$¢152,72/lbp que, comparativamente à cotação média da primeira semana em segunda posição, representa ganho de US$¢75,08/lbp, ou seja, R$99,25/sc. de vantagem econômica para o hedge contratado nessas condições, frente ao mercado spot francano.

Na praça londrina em que são negociados os contratos futuros de robusta, após a expressiva valorização ocorrida em maio, a média das cotações semanais de junho, para as posições futuras em aberto, registraram oscilação com tendência de baixa, em movimento similar ao exibido pelo arábica em Nova York (Figura 3).

Atrasos e cancelamento de entregas de contratos negociados por parte dos vietnamitas ainda pressionam a formação de preços do robusta. Ameniza esse cenário os volumes crescentes de embarques de conilon brasileiro. Somente nos primeiros cinco meses de 2024 o volume enviado ao exterior somou 3,44 milhões de sacas ante 639 mil no mesmo período do ano anterior4.

O movimento dos investidores na Bolsa de Nova York foi bastante favorável aos comprados, com saldo oscilando em torno dos 45 mil, denotando a expectativa de que no mercado de café os importadores enfrentarão restrições no fluxo de abastecimento (Tabela 1).

 

Soma-se a essa perspectiva de escassez, a antecipação de compras por parte dos clientes europeus, tendo em vista a aproximação da entrada em vigor da legislação anti-desmatamento que prevê fortes restrições e pesadas autuações para aqueles que não atentarem para o novo regramento. Esse posicionamento dos importadores europeus pode estar adicionando outro fator de alta às cotações já bastante alavancadas.


1O autor agradece o trabalho de sistematização do banco de dados econômicos conduzido pelo Agente de Apoio à Pesquisa Científica e Tecnológica do IEA o analista de sistemas Paulo Sérgio Caldeira Franco.

 

2DELFIM NETTO, A. A doença está aqui. São Paulo: Folha de São Paulo, 2006. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz0103200607.htm. Acesso em: jun. 2024.

 

3INFOIEA. Preços médios diários recebidos pelos produtores: no Estado de São Paulo nos principais escritórios de desenvolvimento rural. São Paulo: IEA, 2024. Disponível em: https://infoiea.agricultura.sp.gov.br/BancoDeDados/PrecosDiarios/Recebidos. Acesso em: jun. 2024.

 

4CONSELHO DOS EXPORTADORES DE CAFÉ DO BRASIL. Relatório mensal de exportações. São Paulo: Cecafé, 2024. Disponível em: https://www.cecafe.com.br/publicacoes/relatorio-de-exportacoes/. Acesso em: jun. 2024.

 

Palavras-chave: mercado futuro de café, Bolsa de Valores, preços do café.


 

 

 

COMO CITAR ESTE ARTIGO

VEGRO, C. L. R. Inflação Aleija, mas quem Mata é o Câmbio. Análises e Indicadores do Agronegócio, São Paulo, v. 19, n. 7, p. 1-5, jul. 2024. Disponível em: colocar o link do artigo. Acesso em: dd mmm. aaaa.

Data de Publicação: 29/07/2024

Autor(es): Celso Luís Rodrigues Vegro (celvegro@sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor