Canéforas Exercendo Âncora Reversa nas Cotações Futuras do Café


A tendência de desaceleração da economia da República Popular da China2, principal parceiro econômico da produção de commodities agrícolas do Brasil, traz pressão sobre a formação dos preços dos principais itens de exportação da balança comercial do agronegócio brasileiro. Soja, milho e algodão exibem substanciais reduções nas cotações ao longo de 2024, pressionando tanto os preços recebidos pelos agricultores como o saldo cambial decorrente das exportações do agronegócio.

Paralelamente, a sinalização de manutenção da taxa de juros estadunidense arrefece a dinâmica da economia mundial, encarecendo o crédito e carregamento de estoques. Para o agronegócio café, em que já se convivia com estoques minguados, tal condição financeira incrementa a volatilidade das cotações, favorecendo a especulação com títulos referenciados no produto nas praças de comercialização.

A geopolítica internacional também oferece desafios para os mercados agroalimentares. A continuidade do conflito russo/ucraniano, os ataques israelenses à faixa de Gaza e ao Líbano, a ação de piratas no canal de Suez e, as regras antidesmatamento para o comércio internacional implementadas pelo parlamento europeu (que deverá eleger expressivo contingente de eurodeputados oriundos da extrema direita para o próximo mandato) traz desafios para os esforços visando o fortalecimento das transações e, portanto, o crescimento econômico das nações.

Nitidamente, o contexto internacional é desfavorável à expansão dos negócios. No Brasil, soma-se o fato de uma crescente desconfiança dos agentes econômicos de que o ajuste fiscal não atingirá as metas propostas, elevando o déficit das contas públicas. Sem uma sinalização de corte de gastos por um lado, e por outro um parlamento que amplia as concessões tributárias, as possibilidades de baixa da Selic se esvaem e o mercado passa a apostar contra a moeda brasileira. Em maio de 2024, a cotação semanal média do dólar entre a primeira e a última semana do mês elevou-se em 1,37% (Figura 1).

Na Bolsa de Nova York, em que são transacionados os contratos futuros de café arábica, a média semanal das cotações futuras exibiu tendências díspares. Após duas semanas de consecutivas quedas nas médias semanais, as três últimas semanas exibiram elevação na média das cotações, encerrando a US$¢214,75/lbp na média da segunda posição (setembro de 2024), e saltando para US$¢225,73/lbp na média da última semana do mês para a mesma posição futura, ou seja, valorização de 5,11% no período (Figura 2).

O café (e maior intensidade ainda o cacau), contrariando essa tendência geral (de derretimento das cotações internacionais), assumiu desde meados de outubro de 2023, tendência de alta. Tal divergência advém da possibilidade, observada pelos importadores, de eventual escassez de oferta do produto decorrente de adversidades climáticas enfrentadas por relevantes países produtores.

As cotações refletem outros fatores para além das mudanças climáticas. Nos países centroamericanos, a imigração em massa para os EUA tem promovido escassez de mão de obra rural, comprometendo as explorações agropecuárias fortemente dependentes da oferta de trabalhadores na condução das atividades, particularmente, na colheita do café.

No Brasil, em maio de 2024, o chamado bloqueio atmosférico trouxe temperaturas máximas muito acima das médias históricas, que se somou às precipitações insuficientes nos principais cinturões da cultura (arábica e canéfora) para repor a umidade do solo. Houve maturação antecipada, inclusive das variedades médias e tardias, apresentando os frutos menores dimensões (peneira 16 abaixo). Não haverá surpresas caso as estimativas de safras divulgadas (oficial e privadas) tenham que [A3] [A4] ser revistas para baixo em razão desse fenômeno.

No principal cinturão de lavoura cafeeira paulista, a regional da CATI de Franca, o preço recebido pelos cafeicultores, em maio de 2024, oscilou em torno dos R$1.160,00/sc. pela bebida dura tipo 63. Cotejando-se tal preço médio do mês com aquele negociado em Nova York no futuro para a primeira semana de setembro de 2024 de US$¢225,73/lbp, e após realizarem-se todas as conversões necessárias, representa R$1.534,32/sc. (considerando US$1,0 = R$5,14). Imputando, arbitrariamente, deságio de 20% relativo ao diferencial entre o contrato C e o natural brasileiro somado ao pagamento de taxas e emolumentos, obtêm-se R$1.227,45/sc., ou seja, R$67,00/sc. de diferencial econômico o que, em princípio, poderia ser um atrativo para a contratação de hedge por parte dos cafeicultores.

Na Bolsa de Londres, os contratos de café robusta foram o destaque, valorizando-    -se continuamente ao longo do mês. Na média da primeira semana do mês, considerando-se a segunda posição, a cotação alcançou US$¢173,22/lbp, evoluindo para US$¢181,36/lbp para a média da última semana do mês, ou seja, valorização de 4,70% no mês (Figura 3).

Os problemas climáticos enfrentados pelo Vietnã, somados à oferta de contratos futuros a descoberto, foram, conjuntamente, desencadeadores da alta que vem sendo observada nesse mercado. A escassez do produto no mercado internacional e sua acentuada valorização redirecionou as compras dos importadores para o conilon brasileiro que, consequentemente, também passou exibir alavancagem em suas cotações associadas avolumes crescentes de embarques do produto, atingindo 2,56 milhões de sacas entre janeiro e abril de 20244.

Os investidores que operam diariamente no mercado futuro de Nova Iorque, em especial os fundos e grandes investidores, exibiram grande apetite por contratos de arábica, com balanço líquido favorável aos comprados, trazendo junto o interesse também por parte dos fundos de índice e pequenos investidores. Embora a autoridade estadunidense mantenha a perspectiva de juros elevados, o interesse especulativo em café não se arrefeceu, denotando que o fluxo de suprimento para o mercado está sob estresse (Tabela 1).

Com o início do verão no Hemisfério Norte, com previsões de temperaturas elevadas para o período, não se espera queda na demanda pelo produto, mantendo-se as expectativas de crescimento entre 1,5% e 2,0% para o consumo da bebida em 2024. Caso a produção brasileira não venha com toda a pujança desenhada pelos principais players internacionais, o repique nas cotações poderá surpreender os menos atentos a realidade da produção e do consumo.


1O autor agradece pelo trabalho de sistematização do banco de dados econômicos conduzido pelo agente de apoio à pesquisa científica e tecnológica do IEA, o analista de sistemas Paulo Sérgio Caldeira Franco.

 

1Segundo dados do Fundo Monetário Internacional (FMI) após crescer 5,2% em 2023, a China deverá exibir crescimento de apenas 4,6% em 2024 e 4,1% em 2025. INTERNATIONAL MONETARY FUND. Real GDP growth: annual percent change. Washington, D.C.: IMF, 2024. Disponível em: https://www.imf.org/external/datamapper/NGDP_RPCH@WEO/CHN?zoom=CHN&highlight=CHN. Acesso em: 10 jun. 2024.

 

2CONSELHO DOS EXPORTADORES DE CAFÉ DO BRASIL. Relatório mensal de exportações. São Paulo: Cecafé, 2024. Disponível em: https://www.cecafe.com.br/publicacoes/relatorio-de-exportacoes/. Acesso em: 10 jun. 2024.

 

3IEA. Instituto de Economia Agrícola. Preços médios diários recebidos pelos produtores: no Estado de São Paulo nos principais escritórios de desenvolvimento rural. São Paulo: IEA, 2024. Disponível em: https://infoiea.agricultura.sp.gov.br/BancoDeDados/PrecosDiarios/Recebidos. Acesso em: 10 jun. 2024.

  

Palavras-chave: mercado futuro, cotações do café.

  

 

 

 

COMO CITAR ESTE ARTIGO

VEGRO, C. L. R. Canéforas Exercendo Âncora Reversa nas Cotações Futuras do Café. Análises e Indicadores do Agronegócio, São Paulo, v. 19, n. 6, jun. 2024, p. 1-5. Disponível em: colocar o link do artigo. Acesso em: dd mmm. aaaa.

Data de Publicação: 27/06/2024

Autor(es): Celso Luís Rodrigues Vegro (celvegro@sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor