Custo de Produção e Rentabilidade da Produção de Borracha Natural: uma análise em tempos de crise


 

A borracha natural vive uma das piores crises anunciadas pelo setor. O desestímulo com relação à produção nacional provenientes da concorrência desleal com a importação da borracha asiática, a desarticulação da cadeia, a não adoção de índice oficial para balizamento do valor pago pela borracha importada para servir de base às negociações dos produtores nacionais e as baixas remunerações pagas ao produtor no campo pela borracha nacional produzida (que não cobre o custo de produção), têm feito com que sangradores (mão de obra especializada na extração do látex) abandonem seus postos de serviço em busca de atividades mais rentáveis, o que têm provocado na cadeia desde a paralização de sangria dos seringais por falta de mão de obra até a erradicação dos mesmos para substituição das áreas de seringueira por outras culturas, como  cana de açúcar, soja, milho, café, cacau e outras.

O Estado de São Paulo possui, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE), 63,1% da produção obtida em 2022 e 48,4% da área destinada a colheita1; e possui, de acordo com o Censo Agropecuário Paulista (LUPA 2016/17)2, 6.886 Unidades de Produção Agropecuária (UPAs), presente em 305 municípios paulistas, com produção concentrada no noroeste paulista, sendo o maior produtor nacional.

O Valor da Produção Agropecuária (VPA) Paulista calculado pelo Instituto de Economia Agrícola (IEA) apontou, (preliminarmente para 2023), valor de R$1,08 milhão, 22,6% menor em relação ao ano de 2022 e, embora a produção tenha crescido 6,6%, o preço médio recebido pelos produtores registrou queda de 27,3%, puxando para baixo o VPA da seringueira que, considerando os 50 segmentos que o compõem, classificou-se na 18ª posição nesse ranking de produtos3.

Quanto à produção no estado de São Paulo, a atividade vem perdendo área ao longo das últimas safras. Segundo o Levantamento de Estimativas e Previsão de Safras Agrícolas do IEA e da Coordenadoria de Assistência Técnica e Extensão Rural (CATI)4, realizado em novembro de 2023 (que, no caso da seringueira é o primeiro levantamento da cultura para a safra 2023/24), apontou diminuição de 1,5% da área total plantada, queda de 3,0% na produção com perda de produtividade de 1,5%, quando comparada com a safra 2022/23. A tabela 1 apresenta o resultado das seis últimas safras da cultura onde observa-se que, pela primeira vez nesses anos, há diminuição da área em produção, o que já vinha ocorrendo com as áreas novas ou em formação (período de implantação da cultura até o sexto ano de idade das árvores). Embora os anos acompanhem a tendência observada nos anos anteriores, esses resultados levam para uma situação muito delicada em relação à sustentabilidade da atividade no estado de São Paulo que, como citado anteriormente, é o maior produtor nacional. Esses resultados apontam que não estão entrando novos plantios e, ainda, que a quantidade de árvores que entraram em sangria nessa safra não foi suficiente para expandir tais espaços. Esses dados apontam que áreas relevantes estão deixando de sangrar além do arranquio de árvores para substituição de atividade, uma vez que os preços recebidos pelos produtores não têm sido rentáveis.

A falta de mão de obra e a grande adesão à erradicação, aliadas à falta de remuneração adequada, têm feito com que os produtores fiquem impossibilitados de investirem em corretivos e fertilizantes, bem como em pulverizações para controle de pragas e doenças, o que tem ocasionado redução nas produtividades, como se observa na tabela 1.

Com a situação evidenciada em relação a área e produção da cultura da seringueira no estado de São Paulo calculou-se o custo de produção da cultura e elaborou-se uma análise de indicadores econômicos para averiguar a rentabilidade e a situação econômica da atividade.

Utilizou-se a metodologia de Custo Operacional do Instituto de Economia Agrícola5 que preconiza a concepção de curto prazo, sendo que as remunerações do capital, terra e empresário não são computadas, supondo-se que isso se fará pela renda líquida6. A estrutura de custos do sistema é  composta de: a) custo operacional efetivo (COE): despesas efetuadas com mão de obra, encargos sociais (40% sobre o valor da despesa com mão de obra), operações de máquinas/equipamentos, veículos e materiais consumidos ao longo do ciclo da cultura; e b) custo operacional total (COT): o COE acrescido da contribuição à seguridade social rural, CSSR (1,5% do valor da renda bruta), depreciação de máquinas e do seringal, encargos financeiros que se referem aos juros de custeio à taxa de 8,0% a.a. sobre o COE, e despesas com serviços de assistência técnica.

Os indicadores de análise de resultados econômicos utilizados são os seguintes: receita bruta (RB) é a produção x preço; margem bruta (MB) é a receita bruta dividida pelos custos, em percentagem; ponto de equilíbrio (PE) é a produção necessária para remunerar os custos; lucro operacional (LO) é a receita bruta menos o COT; e índice de lucratividade (IL) é a relação percentual entre LO e MB7, 8.

O Custo Operacional Efetivo - COE para o quilograma de coágulo foi estimado em R$4,99 (R$13.980,94/ha e o COT atingiu o valor de R$16.991,35/ha ou R$6,07 por kg de coágulo) (Tabela2).

 

O item de maior participação percentual no custo de produção (COT) é o da mão de obra, que soma 33,1% (comum, sangria tratorista e fiscal), seguido dos custos dos encargos sociais (13,3%) e transporte de pessoal (13,3%). A seguir, as maiores despesas são com operação de máquinas (8,8%), defensivos (7,7%) e adubos (6,5%). Note-se que da parcela de custos fixos, a depreciação do seringal assume 8,4% das despesas; esse valor se justifica pelo alto custo de implantação da cultura, base de cálculo desse item que tem sido onerado pelos custos da mecanização impactados pela alta nos preços das máquinas, combustíveis e seus derivados.

Conhecendo os itens que mais oneram os custos, pode o produtor, a partir des-
sas informações, exercer maior controle em seu uso e determinar prioridades em sua gestão.

No caso da seringueira observa-se que os gastos associados ao uso da mão de obra representam 40,3% do COE, e que ao somar-se aos de transporte de pessoal atinge 52,8% do COE. Esse valor atinge a participação de 68,9% quando são imputados os valores dos encargos sociais, incorrendo nesse fator de produção o maior impacto nos custos de produção da borracha. Deve-se observar que somente as despesas com a sangria oneram a produção em 22,6% e o sangrador é o trabalhador que passa maior tempo em contato com a planta, estando sua atividade estritamente ligada ao manejo da sangria, responsável pela obtenção do produto final.

Observa-se o aumento da participação percentual dos itens operações de máquinas; já defensivos, adubos e depreciação do seringal nos custos de produção da seringueira têm sofrido forte impacto de reajustes ocorridos nos preços dos insumos utilizados na produção do coágulo. A alta do dólar em relação ao real, bem como o aumento nos custos internacionais de matérias-primas e transporte estão entre as causas da elevação do preço dos insumos agrícolas no Brasil9.

Os indicadores de rentabilidade foram calculados para as produtividades de 2.200 kg/ha, 2.800 kg/ha e 3.200 kg/ha de coágulo, com os preços médios recebidos pelos produtores de borracha do estado de São Paulo em fevereiro de 2024, publicados pelo IEA10, e o preço mínimo de garantia do governo federal estabelecido pelo Ministério da Agricultura e Pecuária do Brasil (MAPA), através da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), a partir de julho de 202310 (Tabela 3).

 

 

 

Analisando-se os indicadores de rentabilidade para a produção da borracha natural observa-se que em nenhum nível de produtividade apresenta-se resultado positivo. O valor do preço médio recebido pelos produtores paulistas levantado pelo IEA de R$3,03/kg de coágulo (DRC 53%) não é suficiente para remunerar nenhum nível de custo e produtividade, tão pouco o Preço Mínimo de R$4,30/kg. Essa situação já foi evidenciada em outras publicações e na safra atual se mostra bastante severa, acentuando a crise pela qual passa o setor11.

Essa situação se estende desde a safra passada (2022/2023), pois, houve por parte das indústrias pneumáticas importação de grande quantidade de borracha chamada Tecnificamente Modificada (produto semelhante ao GEB 10, produto de coágulo beneficiado) e deixando de absorver a produção nacional, o que causou o acúmulo de produtos nas usinas beneficiadoras e queda do preço no campo, levando produtores e sangradores a aderirem aos leilões federais, o que não atendeu a toda demanda existente. Problemas de pragas e baixa produção causada por elevação da temperatura num primeiro momento e chuvas em outro já prejudicaram o início da atual safra, agravada ainda com estoques nas usinas beneficiadora e com a debandada de sangradores que abandonaram a atividade por baixa remuneração, fazendo com que despencasse a produção em curso. De acordo com declarações em seguidas reuniões ocorridas na cadeia produtiva, as Usinas de Beneficiamento alegam que devido ao aumento das importações de pneus, consequência da alíquota de importação ter sido zerada em 2022, elas estão com estoque alto de coágulo natural e difícil escoamento, pois 80% desta importante matéria-prima é usada na fabricação de pneus. Já as Pneumáticas alegam que o aumento das importações dos pneus causou um grande prejuízo e desestabilizou o setor industrial.

As Associações de produtores e sangradores nos últimos anos têm trabalhado junto aos Governos Federal e Estadual na conscientização da situação do campo com relação à produção de borracha natural. Vários estudos, e um grande diálogo, que vem sendo promovido no âmbito da Câmara Federal de borracha natural do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento-MAPA, têm demonstrado ao Governo que embora o custo de produção da borracha nacional é bem maior do que o custo de produção da borracha asiática (países origem das importações), esta cumpre com as exigências ambientais, trabalhistas e de condições de trabalho e remuneração que se tem com a mão de obra utilizada no Brasil, o que não ocorre com a produção asiática.

Em agosto de 2023, a pedido do presidente da Câmara Federal, vários Ministérios do Governo (Ministério da Fazenda, Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar e Companhia Nacional de Abastecimento) foram nas principais regiões produtoras de borracha do estado de São Paulo, juntamente com técnicos da Agencia Paulista de Tecnologia do Agronegócio (APTA Regional) e da Federação da Agricultura do Estado de São Paulo (FAESP), para conhecer a real situação de sangradores, produtores e Usinas de Beneficiamento, numa tentativa de se propor soluções junto aos demais agentes do Governo, para minimizar os danos e prejuízos que o setor já estava enfrentando12.

Enfim muitos estudos foram realizados por entidades e instituições a fim de minimizar a situação13.A FAESP apresentou estudos de aumento da taxa de importação, prejuízos na rentabilidade por não se utilizar o índice de preços publicados pelo Instituto de Economia Agrícola e Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil – IEA/CNA, o qual contempla todos os custos de importação, estudos de mercado da borracha natural, entre outros. O IEA, por exemplo, tem apresentado os valores de custos de implantação, formação e produção de seringais paulistas, entre outras estatísticas.

Em agosto de 2023 a taxa de importação da borracha foi elevada de 3,2% para 10,8%, o que até o momento não refletiu nos preços internos. A FAESP estimou que o valor dessa tarifa deveria ser no mínimo de 22%, com valor ideal de 29%14.

Existe descontentamento por parte de todos os elos da cadeia produtiva, que reclamam dos valores e das condições de comercialização dos seus produtos. O setor primário é o que mais sofre pois não consegue agregar valor ao seu produto e concorre com países onde o sistema de produção e as condições de trabalho são muito diferentes da produção nacional.

O Brasil produz com sustentabilidade, responsabilidade e respeito social e isto pode agregar valor à nossa produção, visto que os mercados estão cada vez mais exigentes e existe por parte das corporações grande apoio multinacional aos objetivos da ESG (sigla em inglês de Environment Social & Governance, que se refere a práticas que priorizam a sustentabilidade ambiental, social e de governança nas empresas). O custo de produção apresentando não é suficiente para remunerar nenhum nível de custo e produtividade, mas a produção sustentável e boas práticas de negócios que contribuam com o meio ambiente e com o desenvolvimento social poderiam ser valorizadas e incentivadas tanto pelo mercado comprador quanto pelo governo. Nesta linha a cultura da seringueira tem muito a contribuir.

 

1INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICAS. Levantamento Produção Agrícola Municipal- PAM. Brasília: IBGE, 2022. Disponível em: https://sidra.ibge.gov.br/tabela/1613#resultado. Acesso em: mar. 2023.

 

2SÃO PAULO (Estado). Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo. Instituto de Economia Agrícola. Coordenadoria de Desenvolvimento Rural Sustentável. Projeto LUPA 2016/2017: Censo Agropecuário do Estado de São Paulo. São Paulo: SAA/IEA/CDRS, 2019.

 

3MONTEIRO, A. V. V. M. et al. Valor da Produção Agropecuária do Estado de São Paulo: resultado preliminar 2023. Análises e Indicadores do Agronegócio, São Paulo, v. 18, n. 12, p. 1-8, dez. 2023. Disponível em: http://www.iea.agricultura.sp.gov.br/out/TerTexto.php?codTexto=16175. Acesso em: 14 mar. 2024.

 

4CAMARGO, F. P. de et al. Previsões e Estimativas das Safras Agrícolas do Estado de São Paulo, Levantamento Parcial do Ano Agrícola 2023/24, e Levantamento Final do Ano Agrícola 2022/23, Novembro de 2023Análises e Indicadores do Agronegócio, São Paulo, v. 19, n. 3, p. 1-16, mar. 2022. Disponível em: http://www.iea.agricultura.sp.gov.br/out/TerTexto.php?codTexto=16198. Acesso em: 14 mar. 2024.

 

5MATSUNAGA, M. et al. Metodologia de custo utilizada pelo IEA. Agricultura em São Paulo, São Paulo, v. 23, p. 123-139, 1976.

 

6MARTIN, N. B. et al. Sistema integrado de custos agropecuários – CUSTAGRI. Informações Econômicas, São Paulo, v. 28, n. 1, p. 7-28, jan. 1998.

 

7Op. cit. nota 6.

 

8Outros dados relativos aos dados do levantamento de campo podem ser obtidos em: OLIVEIRA, M. D. M.; GONÇALVES, E. C. P. Custo operacional de produção e rentabilidade econômica da cultura da seringueira, estado de São Paulo - safra 2021/22. Análises e Indicadores do Agronegócio, São Paulo, v. 17, n. 1, p. 1-7, jan. 2022. Disponível em: http://www.iea.agricultura.sp.gov.br/ftpiea/AIA/AIA-01-2022.pdf. Acesso em: abr. 2024.

 

9INSTITUTO DE ECONOMIA AGRÍCOLA. Banco de dados: preços médios mensais recebidos pelos agricultores. São Paulo: IEA, 2021. Disponível em: http://ciagri.iea.sp.gov.br/nia1/precos_medios.aspx?cod_sis=2. Acesso em: 12 mar. 2024.

10BRASIL. Ministério da Agricultura e Pecuária. Portaria Mapa Nº 595, de 4 de Julho de 2023. Brasília: Ministério da Agricultura, 2023. Disponível em: https://www.in.gov.br/web/dou/-/portaria-mapa-n-595-de-4-de-julho-de-2023-494540705. Acesso em: abr. 2024.

 

11Há de se ressaltar que, além dos custos aqui calculados, deve-se levar em conta que existem outros gastos envolvidos na produção que dependem da renda líquida para serem remunerados: o capital e a terra, o pró-labore do empresário e ainda outras despesas da propriedade.

 

12Trabalho apresentado por Inni Nissida e Viviani Thome na Câmara Setorial Federal da Borracha Natural: Projeto Yellow Rubber, em Brasília, 2023. Trabalho financiado pela Cooperativa dos Produtores de Borracha - COOPBOR.

 

13FAESP. Federação da Agricultura do Estado de São Paulo. Estudo sobre o mercado de borracha: análise conjuntural. São Paulo: FAESP/SENAR, abr. 2023. Disponível em: https://www.cnabrasil.org.br/storage/arquivos/files/ESTUDO-SOBRE-MERCADO-DE-BORRACHA-NATURAL.pdf. Acesso em: 30 mar. 2024.

14Op. cit. nota 13.

Palavras-chave: seringueira, custo de produção, rentabilidade, preços de coágulo, crise da borracha.


 

 

 

COMO CITAR ESTE ARTIGO

OLIVEIRA, M. D. M.; GONÇALVES, E. C. P. Custo de Produção e Rentabilidade da Produção de Borracha Natural: uma análise em tempos de crise. Análises e Indicadores do Agronegócio, São Paulo, v. 19, n. 5, p. 1-8, maio. 2024. Disponível em: colocar o link do artigo. Acesso em: dd mmm. aaaa.

Data de Publicação: 03/05/2024

Autor(es): Marli Dias Mascarenhas Oliveira (marlimascarenhasoliveira@gmail.com) Consulte outros textos deste autor
Elaine Cristine Piffer Gonçalves (elaine.piffer@sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor