Erosão do Valor Inviabiliza a Lavoura


 

As atenções do mercado financeiro se voltam para a reunião, na primeira semana de agosto de 2023, do Comitê de Política Monetária (COPOM). Formou-se consenso de que o ciclo de elevação da taxa básica de juros se encerrará, iniciando-se nova fase em que os cortes nos juros pautaram as decisões do Banco Central do Brasil — em que pesem, ainda, preocupações com o controle inflacionário, sobretudo se ficar caracterizado a ocorrência de El Niño e, sobretudo, de sua intensidade. De qualquer modo, a redução da taxa de juros, com possibilidade de posicionar-se abaixo de um dígito ao final de 2024, estimula a dinâmica econômica, especialmente pela via do crédito.

A conjuntura internacional também favorece a economia brasileira, mesmo considerando os sobressaltos da economia chinesa. A desvalorização do dólar (Figura 1), apesar da elevação dos juros básicos da economia para o patamar de 5,5%, induz os investidores internacionais na busca por oportunidades de valorização patrimonial e de inversões produtivas pautadas em estratégias de nearshoring e reshoring, tendências capazes de remodelar a estrutura manufatureira global com benefícios concretos aos países que se mantém neutros perante as conflagrações coetâneas (Ucrânia x Rússia; China x Taiwan; China x Índia, etc.).

A diretiva brasileira de voltar suas estratégias para se posicionar em destaque global na chamada indústria 4.0 (economia verde - hidrogênio, bioinsumos, gás natural, créditos de carbono), incrementará as oportunidades de emprego e renda, elevando as potencialidades do mercado de consumo de alimentos, favorecendo o incremento da produção. A cafeicultura não é exceção nesse contexto promissor para o mercado interno.

Na bolsa de Nova York, em julho de 2023, a média semanal das cotações futuras exibiu tendências díspares. Após três semanas de consecutivas quedas nas médias semanais, a última semana surpreendeu com elevação na média das cotações. Assim, após encerrar a US$¢159,39/lbp na média da primeira posição para dezembro de 2023, saltou para US$¢161,72/lbp na média da última semana do mês para a mesma posição futura, ou seja, valorização de 1,46% no período (Figura 2).

 

A desaceleração dos embarques brasileiros, em junho de 2023, e a expressiva queda nas cotações do produto, associado à possibilidade mais concreta de El Niño de moderado a forte, têm reformulado as análises dos investidores desse mercado. Talvez a produção brasileira não seja tão exuberante como as estimativas estadunidenses, e a substitutibilidade do robusta por arábica no blend do oligopólio da torrefação mundial pressionam as cotações do produto, não se escorregando ao exagero em considerar que esse momento é apenas um princípio para movimentos de alta sustentada nos próximos meses.

No principal cinturão de lavoura cafeeira paulista, a regional de Franca, o preço recebido pelos cafeicultores, em julho de 2023, voltou a declinar, assim como registrado no mês anterior. No mês, a média dos preços recebidos foi de R$851,25/sc, porém no último dia do mês os cafeicultores receberam apenas R$820,00/sc. pela bebida dura tipo 62. Evidentemente que a esses preços o mercado ficou travado com poucos negócios sendo concluídos. Cotejando tal preço médio do mês com aquele negociado em Nova York no futuro para a primeira semana de dezembro de US$¢159,39/lbp e após realizar todas as conversões necessárias, representa R$1.111,96/sc. (dólar médio de US$1,0 = R$4,80). Imputando arbitrariamente um deságio de 20% relativo ao diferencial entre o Contrato C e o natural brasileiro e o pagamento de taxas e emolumentos, obtêm-se R$889,568/sc, ou seja, R$69,57/sc. de vantagem econômica que, em princípio, poderia ser um atrativo para a contratação de hedge por parte dos cafeicultores.

Em Londres, onde se transacionam os contratos futuros de café robusta, houve queda das cotações (Figura 3). Como mencionado, baixos preços para o arábica funcionaram como âncora para as cotações do robusta. Nem mesmo a desaceleração dos embarques de robusta vietnamita e de conilon brasileiro (-5,10% no primeiro semestre de 2023 frente igual período do ano anterior)3 e possível redução de sua produção foram fatores suficientes para reverter o quadro de depressão dos preços (Figura 3).

 

Os investidores que operam diariamente no mercado futuro de Nova York, em especial os Fundos e Grandes Investidores, não exibiram grande apetite por contratos de arábica, com balanço líquido favorável aos vendidos. Estranhamente, os pequenos investidores exibiram maior interesse nos contratos futuros, revertendo posição vendida para comprada ao longo do mês. A desvalorização do dólar poderá favorecer uma maior procura por contratos futuros de café como, também, a percepção de que o aquecimento trará constrangimentos à produção agropecuária em todos os cantos do mundo, aumentando o interesse em especular com produtos agrícolas transacionados nas bolsas internacionais (Tabela 1).

 

 

Ainda que o Hemisfério Norte esteja sob forte incidência das elevadas temperaturas, não se registra queda na demanda pelo produto, mantendo-se as expectativas de crescimento entre 1,5% e 2,0% para o consumo da bebida em 20234. Caso a produção brasileira não venha com toda a pujança desenhada pelos principais players internacionais, o repique nas cotações poderá surpreender os menos atentos à realidade da produção e do consumo. Notícia divulgada por importante cooperativa de cafeicultores apontou expressiva queda no rendimento das lavouras5, fato que chamou a atenção de todos os investidores do mercado.

 

 

 

1O autor agradece pelo trabalho de sistematização do banco de dados econômicos conduzido pelo agente de apoio à pesquisa científica e tecnológica do IEA, o analista de sistemas Paulo Sérgio Caldeira Franco.

 

2CIAGRI. Instituto de Economia Agrícola. Preços médios diários recebidos pelos produtores. São Paulo: Instituto de Economia Agrícola, 2023. Disponível em: http://ciagri.iea.sp.gov.br/BancoDeDados/PrecosDiarios/Recebidos. Acesso em: 2 ago. 2023.

 

3CECAFÉ. Relatório mensal: julho 2023. São Paulo: CECAFÉ, 2023. Disponível em: https://www.cecafe.com.br/publicacoes/relatorio-de-exportacoes/. Acesso em: 2 ago. 2023.

 

4DINIZ, A. J.; FERREIRA, L. T. Produção mundial de café foi estimada em 171,3 milhões de sacas de 60kg para safra 2022-2023. Brasília: Embrapa, 2023. Disponível em:  https://www.embrapa.br/busca-de-noticias/-/noticia/80815479/producao-mundial-de-cafe-foi-estimada-em-1713-milhoes-de-sacas-de-60kg-para-safra-2022-2023#:~:text=mesmo%20per%C3%ADodo%20anterior.-,E%2C%20com%20rela%C3%A7%C3%A3o%20%C3%A0%20previs%C3%A3o%20do%20consumo%20para%20a%20safra,ante%20o%20mesmo%20per%C3%ADodo%20anterior. Acesso em: 2 ago. 2023.

 

5ALVES, V. Cooxupé reconhece preocupação com queda brusca na produtividade, espaço no mercado internacional e pede cautela. 2023. Disponível em: https://www.noticiasagricolas.com.br/noticias/cafe/355639-cooxupe-reconhece-preocupacao-com-queda-brusca-na-produtividade-espaco-no-mercado-internacional-e-fala-em-cautela-para-o-produtor.html. Acesso em: 2 ago. 2023.

 

Palavras-chave: mercado de café, Bolsa de Valores, contratos futuros.

 

 COMO CITAR ESTE ARTIGO

VEGRO, C. L. R. Incertezas Econômicas Globais Pressionam Cotações do Café. Análises e Indicadores do Agronegócio, São Paulo, v. 18, n. 8, ago. 2023, p. 1-5. Disponível em: colocar o link do artigo. Acesso em: dd mmm. aaaa.

Data de Publicação: 11/08/2023

Autor(es): Celso Luís Rodrigues Vegro (celvegro@sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor