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Agricultura: crescimento e desemprego
Tabela 1 - Produto Interno Bruto (PIB), população e PIB per
capita, Brasil, 1994 e 2003 As
análises desse período têm pontuado o papel relevante da agricultura nesse
processo, tanto pela presença exportadora após a securitização das dívidas do
crédito rural quanto pela desoneração das exportações e outras políticas
comerciais de estímulo, bem como pela mudança da política cambial do início de
1999. Entretanto, da ótica da renda interna, os resultados em dez anos não
revelam nada de extraordinário, olhando apenas o segmento rural do complexo
produtivo da agricultura. Tabela 2 - Produto Interno Bruto (PIB), agropecuária e
demais setores, Brasil, 1994 e 2003 Os impactos no emprego mostram bem o caráter das transformações recentes, em especial quando se constata a elevação do número de desempregados, de 4,4 milhões em 1993 para 8,5 milhões em 2003, segundo o IBGE. No mesmo período, a População Economicamente Ativa (PEA) evoluiu de 70,9 milhões para 87,7 milhões de pessoas2. Tabela 3 - Pessoal ocupado (PO) total e agropecuária e área
de lavouras, Brasil, 1994 e 2003 O
pessoal ocupado nos demais setores apresenta incremento significativo de 12,9
milhões de ocupações no período 1994-2003, passando de 49,9 milhões de pessoas
para 62,8 milhões em 2003. Esse crescimento é concomitante com a queda de 5,1%
do valor adicionado médio por pessoa ocupada, de R$ 23,1 mil para R$ 21,9 mil,
denotando o incremento das ocupações em segmentos com menor impacto no valor
adicionado global. Tabela 4 - Pessoal ocupado, PIB por pessoa e relação entre
demais setores e agropecuária, Brasil, 1994 e 2003 Essa característica típica da agropecuária brasileira, de fornecedora de oportunidades de trabalho com menor exigência de qualificação formal, gerando menos valor adicionado por pessoa ocupada, vem se alterando de maneira crescente ainda que em ritmo inferior à média da economia. Estudos mostram que 'o grau de instrução média do trabalhador agropecuário paulista cresceu no período (1985-2002), mas ainda é o mais baixo entre todos os setores da atividade econômica'3. Tabela 5 - Escolaridade do pessoal ocupado, Brasil, 1993 e
2003 No
caso da agropecuária, é importante destacar as relações que indicam o
crescimento da produtividade setorial. A área de lavouras por pessoa, por
exemplo, cresceu 20,7%, de 2,9 hectares para 3,5 hectares no período 1994-2003,
mostrando diretamente os efeitos da crescente mecanização de processos. Tabela 6 - Área e valor adicionado por pessoa ocupada e
valor adicionado por unidade de área, agropecuária, Brasil, 1994 e 2003 A
agregação de valor em todos os agronegócios - que eleva o multiplicador da renda
setorial de cerca de 5 para cada unidade monetária gerada no campo brasileiro
para algo em torno de 10 como verificado na agricultura paulista - é outra
alavanca para abrir novos postos de trabalho. A reforma agrária ainda representa
opção para criar um dique de contenção da exclusão social, em espaços
específicos do rural brasileiro, não como mera reprodução fragmentada e
ineficiente do padrão das commodities tal como está atualmente desenhada. 1 IBGE: www.ibge.gov.br
2 REDHER, Marcelo Desemprego quase dobra em dez anos. O Estado de São Paulo, 15 de novembro de 2004, p. B1 (Caderno Economia & Negócios) 3 ANDRIETTA, Antônio J. Evolução do Perfil dos Trabalhadores na Agropecuária Paulista de 1985 a 2002. Revista Informações Econômicas 34(9):7-19, 2004
Esse crescimento da riqueza nacional revelou-se reduzido frente às necessidades de incorporação da imensa massa de excluídos ao mercado de consumo. Tanto que a renda per capita cresceu somente 6,3% em dez anos, de R$ 8.057/pessoa-ano, em 1994, para R$ 8.564/pessoa-ano em 2003 (tabela 1).
Esse incremento insignificante da renda média, para determinadas faixas sociais
como os desempregados e os de baixa renda, pode ser inexistente pelo
aprofundamento dos níveis de concentração, o que implica na limitação do tamanho
e do perfil da demanda.
(1) A preços de 2003 Ano População (milhões) 1994 2003 Var %
Fonte: Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)1
O PIB setorial cresceu 24,9% no mesmo período, de R$ 111 bilhões para R$ 138
bilhões, com taxa anualizada que permite se chegar a 2,5%, nível muito inferior
ao desejável. Ainda assim, a renda agropecuária aumentou em ritmo médio superior
ao dos demais setores, cuja renda evoluiu 19,4% no período, de R$ 1,152 bilhão
para 1,376 bilhão, com taxa anual de 2,02%, praticamente similar à verificada
para o PIB total (de 2,03% ao ano).
Assim, a agropecuária, que cresceu a taxas médias anuais maiores do que as dos demais setores no período 1994-2003 mas em níveis muito menores que os desejados. Com isso, elevou sua participação no produto nacional de 8,7% para 9,1%, (tabela 2). O dinamismo setorial não se mostra
distinto da média da economia, mesmo que se aceite os efeitos multiplicadores
desse crescimento agropecuário para todo o complexo produtivo da agricultura,
como as agroindústrias de insumos e máquinas e as de processamento.
(1). Em R$ bilhões de 2003. Ano 1994 2003 Var %
Fonte: IBGE
O aumento do desemprego deriva do crescimento insuficiente do emprego, pois o
pessoal ocupado cresce de 68,1 milhões em 1994 para 79,2 milhões em 2003,
correspondendo à abertura de 11,1 milhões de vagas no período. A agropecuária
teve um desempenho decepcionante, uma vez que apenas 16,4 milhões de
trabalhadores atuavam em 2003, dos 18,2 milhões ocupados pelo setor em 1994, com
a perda de 1,8 milhão de ocupações produtivas no campo. Isso numa realidade em
que a área de lavouras cresceu 4,6 milhões de hectares (representa mais de 70,1%
de toda lavoura paulista que abrange 6,5 milhões de hectares), de 52,1 milhões
de hectares para 56,7 milhões de hectares.
Dessa maneira, a agropecuária perde significância no emprego total, cuja proporção reduziu-se de 26,7% em 1994 para 20,7% em 2003 (tabela 3), fruto da estrutura do atual padrão das
lavouras brasileiras, que diminuiu a oferta de ocupações produtivas apesar da
significativa expansão na área cultivada.
(1). Como não foi realizada a Pesquisa Nacional por Amostra
de Domicílio (PNAD) em 1994, utilizou-se a média das PNADs de 1993 e 1995 Ano 1994(1) 2003 Var (nº)
Fonte: IBGE
A renda criada por pessoa ocupada nos demais setores ainda é muito superior à da agropecuária, ainda que tenha diminuído de 10,8 vezes para 9,0 vezes entre 1994 e 2003 (tabela 4). Tal diferencial decorre
diretamente do efeito multiplicador de renda pela maior automação e mecanização
de processos nos demais setores da economia em relação à agropecuária. De outro
lado, mostra, ainda, o amplo espaço para o crescimento da produtividade do
trabalho na agropecuária, a exemplo do que já ocorre em cadeias de produção
relevantes como a cana para indústria e a soja.
(1) Em R$ bilhões de 2003 Ano 1994 2003 Var %
Fonte: IBGE
Mais ainda, a distribuição geográfica do pessoal ocupado na agropecuária,
segundo a PNAD 2003 do IBGE, estava assim dispersa: 402,6 mil na região Norte
(2,5%), 8,1 milhões no Nordeste (49,6%), 3,5 milhões no Sudeste (21,8%), 3,2
milhões no Sul (19,9%) e 1,0 milhão no Centro Oeste (6,2%). O aprofundamento do
processo de modernização agropecuária, nos marcos do modelo texano de lavouras
de escala, mesmo no Sul-Sudeste teria implicações significativas na redução do
nível de emprego.
Se pensada uma lavoura nordestina com similar padrão, os resultados seriam
dramáticos. É possível mesmo afirmar que a diferença significativa do valor
adicionado médio por pessoa ocupada, entre a agropecuária e os demais setores,
deriva desse contingente ocupado na agropecuária nordestina, que representa
quase a metade do total nacional sem contrapartida proporcional na geração de
renda.
Muitos defensores da relevância setorial contra-argumentam que a perda no campo
seria compensada pelo crescimento dos serviços e nas indústrias da agricultura,
pela maior agregação de valor, na medida em que a expansão do atual padrão
agrário tem efeitos dramáticos sobre a ocupação agropecuária. Entretanto, nada
mais falsa que essa alternativa apresentada com base em paradigmas equivocados.
Nesses segmentos, a exigência de escolaridade média é crescente. Tanto assim que, quando comparada a PNAD 1993 com a PNAD 2003, as pessoas ocupadas com menor escolaridade perderam a expressiva cifra de 5,9 milhões de postos de trabalho entre 1993 e 2003. Já o maior crescimento se deu na faixa de maior escolaridade que contempla todos os que terminaram o segundo grau, onde o número de pessoas ocupadas cresceu 13,2 milhões (tabela 5).
Firma-se o equívoco da afirmação que os 1,8 milhão de pessoas que deixaram de
obter ocupação na agropecuária foram absorvidas pelos demais elos das cadeias de
produção. Se já na agropecuária a maquinaria e a complexidade do manejo exigem
padrões mais elevados de escolaridade, nos demais setores isso é mais
aprofundado e evidente, em especial nas agroindústrias.
O emprego no conjunto dos agronegócios pode crescer, mas não se destina ao mesmo
trabalhador que é excluído pela modernização do campo e, sim, a outros de
qualificação superior. A questão crucial está na abertura de oportunidades para
essa legião de brasileiros de baixa qualificação formal excluídos da
agropecuária e da construção civil que se modernizam em ritmo crescente.
Essa crescente inempregabilidade estrutural mostra-se preocupante no campo e na
cidade no curto prazo. No longo prazo, deve se persistir na generalização dos
padrões de escolaridade formal com investimentos em educação para que os filhos
tenham maior chance que seus pais.
Fonte: PNADs de 1993 e de 2003 do IBGE citadas por REDHER2 Ano 1993 2003 Var
Outra informação relevante é o valor adicionado por hectare que cresceu apenas 14,2% no período, de R$ 2.128,58 para R$ 2.431,77, portanto, a taxas menores que a média da economia, exigindo incrementos da escala para impulsionar crescimentos mais significativos da renda individual dos agropecuaristas. De outro lado, o valor adicionado por pessoa ocupada evoluiu de R$ 6.097,56 para R$ 8.409,82, revelando incremento de 37,9% na produtividade do trabalho enquanto geração de riqueza setorial (tabela 6).
Em linhas gerais, esses indicadores da agropecuária estão em conformidade com o
padrão de desenvolvimento impulsionado, centrado nos ganhos de escala e na
produtividade dos fatores, em especial do trabalho.
O crescimento da agricultura, nos dez anos posteriores a 1994, propiciou
incremento da renda agropecuária a taxas de 2,5% ao ano, enquanto a economia
como um todo alcançou 2,03% ao ano. Ambos os níveis estão abaixo do desejável e
do patamar histórico.
Mais dramático, o emprego agropecuário viu reduzidos 1,8 milhão de postos numa
economia que aumentou 11,1 milhões de postos no período. Essa pressão
desempregadora, que atua sobre a população de menor escolaridade no campo e na
cidade, revela contornos de dramaticidade social, em especial no campo
nordestino onde ainda está concentrado enorme contingente desse perfil de
trabalhadores.
Políticas compensatórias representam o caminho a seguir, para ampliar a base de
sobrevivência desses brasileiros nos seus locais de origem, associadas a
investimentos em educação para que os filhos tenham melhor oportunidade que os
pais. Outro rumo para a redução da perda de postos de trabalho no campo é romper
com a quase exclusividade das lavouras de escala, no padrão texano das
commodities, de maneira a incrementar lavouras mais intensivas em trabalho, no
padrão californiano das lavouras familiares de frutas, olerícolas e café.
Fonte: IBGE Ano 1994(1) 2003 Var %
De qualquer maneira, o crescimento econômico na agropecuária, com perda de
postos de ocupação por quem tem poucas chances de obtenção de outra
oportunidade, pode magnificar o pior dos carmas brasileiros: mais grave que o
propalado carma da terra, é o carma do desenvolvimento com aprofundamento das
iniqüidades. O superávit da balança comercial sucumbe ao déficit de perda de
postos de trabalho na contabilidade social da agropecuária brasileira nos
últimos dez anos.
Data de Publicação: 02/12/2004
Autor(es): José Sidnei Gonçalves (sydy@iea.sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor