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Desafios e Potenciais da Sociobiodiversidade do Estado de São Paulo: aspectos da produção
Este texto traz uma síntese das
reflexões debatidas no evento “Roda de Conversa Desafios e Oportunidades da Sociobiodiversidade
no Estado de São Paulo - aspectos da produção”, realizado em novembro de 2022,
pelos Instituto de Economia Agrícola (IEA/SAA/SP) e Instituto de Pesquisas
Ambientais (IPA/SIMA/SP), com apoio da Coordenadoria de Assistência Técnica
Integral (CATI/SAA/SP), como parte atividades de comemoração dos 80 anos do
IEA. O evento teve a participação de Mariane C.
Vidal, pesquisadora da EMBRAPA Hortaliças; Fernanda Peruchi, engenheira
florestal do IPA; Gilberto Ohta, agricultor familiar agroecológico-agroflorestal
no Vale do Ribeira; e representando a CATI estavam Maíra F. de Oliveira,
especialista ambiental, e Eduardo S. Zahn, assistente agropecuário. A roda de
conversa, organizada por Soraia de F. Ramos, pesquisadora do IEA, contou com a
relatoria de José de Arimatéia R. Machado e a mediação de Clovis J. F. de
Oliveira Jr., ambos pesquisadores do IPA. A partir dos desafios frente aos
avanços das alterações climáticas e da degradação de recursos naturais, como
solos, biodiversidade e recursos hídricos, associados à crise econômica, com
aumento das desigualdades sociais, a sociobiodiversidade tem sido apontada como
um caminho sustentável na construção da resiliência dos agroecossistemas, na
geração de renda e na melhora da qualidade de vida na agricultura de pequena
escala1. No Brasil, a Portaria Interministerial
MAPA/MMA N. 10 de 2021, define a sociobiodiversidade como a inter-relação entre
a diversidade biológica e a diversidade de sistemas socioculturais, sendo os
produtos da sociobiodiversidade os bens e serviços (produtos finais,
matérias-primas ou benefícios), gerados a partir dos recursos da
biodiversidade, voltados à formação de cadeias produtivas de interesse dos
povos e de comunidades tradicionais, e de agricultores familiares. Embora o tema sociobiodiversidade tenha
se expandido nos anos recentes, são raros os estudos e dados sobre a produção,
produtividade, modelos e custos da produção das espécies nativas brasileiras,
como o cambuci (Campomanesia phae),
palmeira-jussara (Euterpe edulis) e
pinhão (Araucaria angustifolia). Nas últimas décadas, o modelo de
desenvolvimento agropecuário adotado no Brasil conquistou importantes recursos
econômicos e avanços tecnológicos, mas criou uma dependência de insumos
externos, como fertilizantes químicos, produtos fitossanitários e sementes,
impactando negativamente os recursos naturais. Além disso, não tem contribuído
para a redução das desigualdades sociais. Por sua vez, a Agroecologia, entendida
como ciência, prática e movimento, incorpora a sociobiodiversidade para o
desenvolvimento de sistemas agroalimentares saudáveis e sustentáveis, e vem
sendo preconizada pela União Europeia como modelo para produção concomitante de
alimentos e serviços ecossistêmicos, estando alinhada aos Objetivos do
Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas (ODS). O atual paradigma de produção agrícola,
de grandes escalas e extensas monoculturas, e que recebe aportes vultosos de
investimentos em políticas públicas, traz também consequências negativas nos
aspectos sociais, como a baixa utilização da mão de obra no campo. Por outro
lado, a agricultura familiar é responsável pela utilização da maioria da mão de
obra rural e pela produção da maior parte dos alimentos consumidos no país.
Decorre daí a importância do Estado de criar políticas públicas e aumentar os
investimentos na agricultura de pequena escala, com objetivos de garantir a
segurança e soberania alimentar e nutricional, uma maior geração de emprego e
renda no campo e um maior equilíbrio ecológico do sistema produtivo. O objetivo do evento foi, então, trazer
reflexões sobre os sistemas agroalimentares frente aos desafios climáticos e
ambientais da atualidade no planeta, especificamente quanto ao uso e à conservação
da sociobiodiversidade. Pretende-se trazer contribuições sobre como ajustar os
sistemas agroalimentares para que os mesmos se tornem mais resilientes, mais
produtivos e que contribuam com a redução das desigualdades sociais. Portanto,
não se trata de olhar para a produção agrícola apenas no sentido técnico ou de
ganhos econômicos, mas, também, de contribuir para a redução as desigualdades
sociais, com um maior equilíbrio ecológico. O uso e a conservação da
sociobiodiversidade (Figura 1) podem ser entendidos como “bioeconomias”, que
inovam a partir do conhecimento tradicional, gerando inúmeros benefícios aos
povos e comunidades tradicionais, agricultores, proprietários rurais e
sociedade de modo geral. Entre os principais desafios em relação
ao uso econômico das espécies da sociobiodiversidade estão: a falta de
informações e dados sobre a produção e produtividade; a preferência dos
produtores pelas espécies exóticas - por apresentarem mercado garantido2;
a necessidade de elevado investimento para o processamento e agregação de valor
- devido as exigências legais dos aspectos sanitários; e o baixo volume de
investimento em políticas públicas voltadas à agricultura de pequena escala, em
contrapartida aos maiores investimentos direcionados aos agronegócios de grandes
escalas. A visão acadêmica da
sociobiodiversidade traz como conceito o tripé envolvendo a diversidade
biológica, a diversidade dos sistemas agrícolas tradicionais - componentes da
agrobiodiversidade, e o uso e manejo destes recursos - atrelado ao conhecimento
e cultura das populações tradicionais e agricultores familiares. O Brasil possui 25% da biodiversidade
global e 20% da água potável do planeta. Assim, identifica-se o potencial da
base biológica como novo paradigma da expansão e da inovação agrícola e
pecuária. A principal causa da perda da biodiversidade na América é a conversão
de uso do solo para atividades agrossilvopastoris3. Assim, apoiar
processos que levem ao desenvolvimento e ao fortalecimento de uma agricultura
tropical baseada na vocação florestal da região e nos produtos da
sociobiodiversidade se faz urgente. A Lei n. 13.123, de 20 de maio de 2015,
é o marco legal da biodiversidade brasileira e do acesso e repartição de
benefícios sobre o conhecimento tradicional associado. A partir de instrumentos
legais determinados, é possível realizar a proteção dos modos de ser, fazer e
viver dos povos indígenas e comunidades tradicionais, agricultores familiares,
povos do campo, matas e ribeirinhos, considerando a necessidade, por vezes, de
exploração econômica dos bens comuns, materiais e imateriais. O grande desafio
é como estimular o manejo da riqueza da diversidade pelos sujeitos que são
detentores do conhecimento da biodiversidade e que manejam e conservam essa
riqueza, biológica e cultural. Para isso, o conceito da biodiversidade
funcional4 é bastante importante, pois busca- -se entender como os elementos presentes
naturalmente no ambiente podem contribuir para o manejo de sistemas
sustentáveis. Esse conceito é uma das bases dos princípios agroecológicos que
norteiam a construção e o manejo dos sistemas de produção sustentável. No tocante à produção no estado de São
Paulo, observam-se alguns desafios para a promoção dos produtos da
sociobiodiversidade. Informações como fenologia, curva de produtividade e
manejo de espécies ainda são escassas na literatura científica, dificultando o
planejamento financeiro e a previsão do retorno econômico aos agricultores.
Algumas frutas nativas apresentam um prazo de durabilidade muito curto no
pós-colheita, apontando a necessidade de pesquisas na domesticação dessas
espécies e em tecnologias de seu processamento. Para se garantir a conservação
dos produtos e maior tempo para comercialização, o fomento ao fortalecimento de
associações e cooperativas para instalação de pequenas agroindústrias é importante.
Os produtos da sociobiodiversidade têm um papel fundamental no autoconsumo e na
segurança alimentar das famílias agricultoras. Entretanto, a comercialização de
excedentes pode incrementar a renda dessas famílias. Outra preocupação central é estabelecer
segurança jurídica para as comunidades desenvolverem suas atividades produtivas
e manterem sua cultura, em que os fragmentos remanescentes de vegetação nativa
estão protegidos por leis específicas, como no caso do estado de São Paulo, que
restringe seu uso a condições excepcionais, recentemente regulamentados pela
Resolução SMA 189/2018. Considerar os princípios agroecológicos
em diálogo com a sociobiodiversidade para a construção de sistemas produtivos
sustentáveis permite refletir como: ·
promover a estruturação de cadeias produtivas das
espécies nativas e contribuir para a inclusão produtiva e a geração de renda; ·
valorizar a sociobiodiversidade e apoiar a estruturação
de arranjos produtivos; ·
promover a conservação da agrobiodiversidade, por meio do
reconhecimento de sistemas agrícolas tradicionais e fomento de ações para a
conservação dinâmica destes sistemas, com foco no uso sustentável dos recursos
naturais, visando a geração de renda, agregação de valor e manutenção da
diversidade genética de sementes e plantas cultivadas; e ·
promover alianças produtivas, incluindo os setores de
alimentos e saúde como promotores do desenvolvimento local, articulado com
políticas públicas, visando ampliar o acesso aos mercados. Nessa direção, os povos e as comunidades
tradicionais, assim como os agricultores familiares, têm muito a ensinar, visto
que suas práticas, apoiadas na tradição, estão alinhadas com esse
aproveitamento cinegético dos recursos e com a manutenção dos sistemas de
sustentação da vida5. Assim, ao se falar dos produtos da
sociobiodiversidade, inclui-se obrigatoriamente a inter-relação entre a
diversidade biológica e a diversidade de sistemas socioculturais6. Considera-se que é fundamental
reconhecer os limites ecológicos dos biomas e adotar um zoneamento ecológico
econômico que garanta a sustentabilidade das atividades, sem afetar a
conservação da diversidade biológica e sociocultural. É preciso desenvolver estratégias de
políticas públicas compatíveis com as especificidades e particularidades dos
atores envolvidos nos territórios, de modo a garantir que a organização social
e produtiva de geração de emprego e renda ande ao lado do fornecimento de
serviços ecossistêmicos. A conservação, o uso sustentável e a
restauração dos ecossistemas, de modo a manter a geração dos seus serviços e
aproveitar seus múltiplos produtos para o bem-estar humano, são enquadrados
como soluções baseadas na natureza7, e fazem parte das ações
esperadas para o combate às mudanças climáticas. No estado de São Paulo, as experiências
do Projeto de Desenvolvimento Rural Sustentável (PDRS) promoveram a implantação
de sistemas agroflorestais biodiversos com os agricultores familiares paulistas.
O sistema agroflorestal (SAF) é definido como o uso da terra em que espécies
lenhosas perenes (árvores e arbustos) são cultivadas em associação com plantas
herbáceas (culturas agrícolas e pastagem), e em que haja interações ecológicas
e econômicas entre os componentes do sistema8, sendo, portanto, o locus ideal para a produção de espécies
da sociobiodiversidade. Outra iniciativa de promoção da
sociobiodiversidade em São Paulo ocorre por meio da CATI, órgão responsável
pelas políticas públicas de extensão rural no nível estadual, que criou em 2019
o Grupo Técnico de Sociobiodiversidade e Exploração das Espécies Nativas9,
com o objetivo de conservar e proteger o patrimônio genético e a cultura
associada à sociobiodiversidade, bem como fortalecer e apoiar o desenvolvimento
das cadeias produtivas e do uso racional da vegetação nativa. Esse GT tem
trabalhado nas linhas de regulamentação em parceria com a SIMA, em
diagnósticos, inicialmente de preços e produção, em parceria com o IEA, e na capacitação
e no fomento para as cadeias e das espécies nativas. Por fim, deve-se considerar a importância
de a pesquisa estar associada à assistência técnica e à extensão rural,
baseados no tripé acadêmico ensino-pesquisa-extensão, de forma que os potenciais,
desafios e problemas diagnosticados em campo por agricultores e extensionistas
rurais possam ser investigados, e que os resultados dessas pesquisas retornem
para o agricultor. As reflexões produzidas nessa Roda de
Conversa nos trazem, para além das possibilidades da conservação e uso da
sociobiodiversidade, que a mesma possa contribuir com a segurança e a soberania
alimentar, com a redução das desigualdades sociais, e com a gestão territorial
e o fortalecimento da governança na construção de políticas públicas, na busca
pela melhoria da qualidade de vida, em sintonia com o conceito andino de
Bem-Viver (Buen Vivir)10. 1GUTIÉRREZ, L. A. L. et al. Bioeconomia e
Sociobiodiversidade na perspectiva agroecológica para o bem viver. Revista Brasileira de Agroecologia. No
prelo 2022. 2OLIVEIRA JR., C. J. F.; SANTANA, S. S. Sustentabilidade e diversidade
vegetal em agroecossistemas no município de Bragança Paulista, São Paulo. Revista Verde de Agroecologia e
Desenvolvimento Sustentável, Paraíba, v. 15, p. 28-39, 2020. 3RICE, J. et al. (Eds.) The IPBES regional assessment report on
biodiversity and ecosystem services for the Americas. Secretariat of the
Intergovernmental Science-Policy Platform on Biodiversity and Ecosystem
Services, Germany. 2018. 4CALAÇA, A. M.; GRELLE, C. E. V. Diversidade funcional de comunidades:
discussões conceituais e importantes avanços metodológicos. Oecologia Australis, Rio de Janeiro, v.
20, n. 4, p. 401-416, 2016. 5SHIVA, V. Monoculturas da Mente,
perspectivas da biodiversidade e da biotecnologia. São Paulo: Gaia, 2003. 6BRASIL. Plano Nacional de
Promoção das Cadeias de Produtos da Sociobiodiversidade. Brasília: MMA/MDA/MDS,
2009. 7UNITED NATIONS ENVIRONMENT PROGRAMME. Nature-based Solutions:
Opportunities and Challenges for Scaling Up. Nairobi. 2022. 8YOUNG, A. Agroforestry for soil
conservation. Wallingford: CAB Internacional, 1989. 276 p. 9SÃO PAULO (Estado). Portaria CDRS n. 20, de 11 de setembro de 2019. Institui
Comissões Técnicas nos termos da Portaria CDRS – 12. Campinas: CATI, 28 jun. 2019. 10SILVA, K. P.; GUEDES, A. L. Buen Vivir Andino: Resistência e/ou
alternativa ao modelo hegemônico de desenvolvimento. Cad. EBAPE.BR, Rio de Janeiro, v. 15, n. 3, p. 682-693, 2017. Palavras-chave:
agroecologia, desenvolvimento rural sustentável, agricultura familiar. COMO
CITAR ESTE ARTIGO RAMOS, S. de F. et al. Desafios e
Potenciais da Sociobiodiversidade do Estado de São Paulo: aspectos da produção.
Análises e Indicadores do Agronegócio, São Paulo, v. 18, n. 1, p. 1-7,
jan. 2023. Disponível em: colocar o link do artigo. Acesso em: dd mmm. aaaa.
Data de Publicação: 11/01/2023
Autor(es):
Soraia de Fátima Ramos (sframos@sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor
Clovis José F. de Oliveira Jr. (clovis@sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor
Eduardo Soares Zahn (eduardo.zahn@sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor
Fernanda Peruchi (fernandape@sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor
Gilberto Ohta (rede7b@gmail.com) Consulte outros textos deste autor
Maíra Formis de Oliveira (mairaf@sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor
Mariane Carvalho Vidal (mariana.vidal@embrapa.br) Consulte outros textos deste autor