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Encerramento da Série Histórica de Empreita na Cana-de-açúcar (1971-2022): reflexos da colheita mecanizada
1 - CONTEXTUALIZAÇÃO Com o intuito de estudar o padrão de vida do
trabalhador rural e conhecer o preço relativo de seus serviços no campo, o
Instituto de Economia Agrícola (IEA) passou a realizar sistematicamente, a
partir de 1971, o levantamento de informações sobre empreita, constituída de
dois levantamentos: pagamento de colheita e produtividade do trabalhador1,
com informações prestadas pelos responsáveis pelas Casas de Agricultura, da
Coordenadoria de Assistência Técnica Integral (CATI) de cada município do
estado de São Paulo2. Esses dois levantamentos, disponibilizados no site do IEA anualmente no mês de junho,
subsidiam pesquisas socioeconômicas e trabalhos técnicos, bem como auxiliam a
construção de custos de produção e índices de preços pagos pelos agricultores3,
permitindo um conhecimento mais amplo e realista sobre o mercado de trabalho
rural. O preço pago de empreita, bem como sua evolução no tempo, constitui em
ferramenta útil para as negociações entre empresas rurais e para as avaliações
governamentais ou particulares sobre a situação econômica dos trabalhadores no
setor agropecuário paulista. Atualmente, o IEA/CATI disponibiliza essas
informações para as culturas de limão, tangerina, laranja, café coco, café
cereja e cana-de-açúcar. Vale lembrar que produtos como algodão e amendoim já
fizeram parte dos levantamentos citados, mas transformações estruturais no
sistema produtivo com adoção de máquinas na operação da colheita mitigaram o
trabalho manual, até que tais culturas deixaram de compor a série de
informações estatísticas sobre pagamento de empreita. Periodicamente, o IEA faz uma revisão de quais culturas
devem integrar os levantamentos, eliminando algumas pelas razões apontadas e
incorporando outras cuja ocupação da mão de obra se faz presente e merecem
atenção por parte da pesquisa. Assim, o objetivo deste artigo é resgatar, ainda que
brevemente, o histórico de ocupação de mão de obra na colheita da
cana-de-açúcar, o processo de mecanização que se intensificou a partir da safra
2007/08 e o encerramento do levantamento de empreita para esta cultura em junho
de 2022. 2 - OCUPAÇÃO DA
MÃO DE OBRA NA COLHEITA DA CANA-DE-AÇÚCAR, ESTADO DE SÃO PAULO O pagamento efetuado aos trabalhadores rurais, bem
como as respectivas quantidades colhidas por homem/dia (rendimento de colheita
ou produtividade do trabalhador) da cultura de cana-de-açúcar, teve início em 1971. Em meados da década de 1960, a pesquisa e o setor
governamental preocuparam- -se em
conceituar, caracterizar e regulamentar a nova categoria de trabalho, o volante.
Nos anos 1970, questões como desenvolvimento do setor econômico agropecuário,
mecanização, mercado de trabalho urbano-rural e leis governamentais embasavam o
entendimento sobre essa categoria ocupacional. Na década seguinte, os estudos
analisavam sobretudo as transformações capitalistas da base produtiva agrícola
e as relações de trabalho rural (o movimento de Guariba no estado de São
Paulo marcou essa década). O crescimento da mão de obra volante na cultura da
cana se deu, principalmente, na etapa de colheita. Em 1976, o estado de São
Paulo ocupou 4,0 milhões de dias-homens (d-h). Em 1979, a ocupação foi de 5,7
milhões d-h4, chegando ao final da década de 1980 a 6,1 milhões d-h5. Nos
anos 1990, competitividade, substituição do trabalho humano, qualificação do
trabalhador, alternativas de ocupação e a forma de utilização dessa mão de obra
foram o enfoque que dirigiu as discussões6 – o elemento humano
passava a pontuar como um fator de produção. No período de 1990, constatou-se
tendência declinante na ocupação da força de trabalho volante. Essas ocorrências estão relacionadas à reorganização do espaço produtivo na
agricultura, com a diminuição de importantes culturas empregadoras de mão de obra,
tais como algodão e amendoim. O avanço da mecanização, em particular o da
colheita, contribuiu para o crescimento do desemprego no campo, como também
para as alterações do comportamento sazonal da ocupação. Em 1999, foram
arregimentados em junho 2,6 milhões d-h. Embora a cana-de-açúcar ainda fosse a
mais importante no uso do trabalho temporário, com a intensificação da colheita
motomecanizada, tanto na cana-de-açúcar quanto nas culturas anuais, alterou-se
a demanda de força do trabalho rural7. Nos anos 2000, a modernização
nos processos produtivos por um lado reduziu o trabalho penoso aumentando a
capacidade de produzir com menos pessoas, e por outro ocasionou queda na
ocupação, como ocorreu na cana-de-açúcar. 3
- ÍNDICE DE MECANIZAÇÃO DA COLHEITA NA CANA-DE-AÇÚCAR Em 2002, o governo estadual
editou a Lei n. 11.241/20028, que estabeleceu prazos para
a erradicação da queima: 2021 para áreas mecanizáveis e 2031 para áreas não
mecanizáveis. Em 2007, visando à proteção ambiental, a Secretaria de Meio
Ambiente, a Secretaria da Agricultura e Abastecimento e a União da Indústria da
Cana-de-Açúcar (UNICA) firmaram o Protocolo Agroambiental, que reduziu ainda
mais os prazos para a eliminação da queima9. Foi acordado, para 2014
e 2017, o término da queima para áreas mecanizáveis e não mecanizáveis,
respectivamente. Em
2008, o IEA em parceria com a CATI, apresentou a
primeira estimativa estadual paulista sobre o percentual de áreas colhidas de
cana-de-açúcar com uso de máquinas - índice de mecanização. A divulgação para a safra 2007/08
apontava que 40,7% das áreas foram colhidas com máquinas10. Essa inovação nos levantamentos
estatísticos das instituições supriu lacunas existentes no setor
sucroenergético, pois até então não existia uma estimativa para essa questão.
Outra contribuição deste índice foi estimar um total de 163.098 cortadores de
cana-de-açúcar ainda absorvidos na colheita, bem como o número de trabalhadores
dispensados dessa etapa de produção decorrente da mecanização, à época, 2.700 trabalhadores a cada 1% de
avanço mecanizado. Posteriormente, na safra 2012/13, dos 5,4 milhões de hectares com cana-de-açúcar
destinados ao corte, 81,3% foram colhidos por máquinas11. Já na
safra de 2016/17, o estado de São Paulo ultrapassa os 90,0% da área com cana
colhida por máquinas12, chegando na safra 2018/19 a 95,3% de mecanização13. Com
o rápido avanço da mecanização na colheita, impactos foram observados sobre a
utilização de mão de obra historicamente empregada na colheita da cana-de- -açúcar. Utilizando-se parâmetros como
produtividade média do trabalhador (8,78 t/dia), tempo de colheita em dias
úteis de 132 dias e a produção colhida de forma manual, foram estimados 18.477
trabalhadores para a safra 2018/19. 4 - ENCERRAMENTO DA SÉRIE HISTÓRICA DE
PAGAMENTO DE EMPREITA NA CANA-DE-AÇÚCAR (2021/22) Com o avanço da mecanização na cultura da
cana-de-açúcar decorrente, seja de marcos legais com fins ambientais, seja de
redução de custos de produção, trabalhadores foram eliminados dessa atividade.
Relatos pontuais ao longo desse período indicam iniciativas de realocação de
cortadores em outras funções dentro do sistema produtivo da cana-de-açúcar, mas
a maior parcela não pôde ser absorvida pelo setor. Tal dispensa representou impactos sobre o
mercado de trabalho agrícola na forma de desemprego, aspectos migratórios e
massa salarial que deixou de circular nos comércios locais. Houve, logicamente,
uma reconfiguração nas ocupações de trabalho, com destaque à figura do
tratorista. Se por um lado há um contingente de mão de obra com perfil
educacional mais baixo e menor capacitação, por outro novas profissões mais
especializadas e maior nível educacional podem ter representado um acréscimo de
renda nessas novas ocupações14. As mudanças estruturais no mercado de
trabalho na cana-de-açúcar foram percebidas pelos levantamentos realizados no
IEA/CATI. Ao longo das últimas safras notou-se, na série histórica, que o
número de informantes a respeito do pagamento de empreita foi diminuindo
consideravelmente (Figura 1). Esse
ponto foi salientado diversas vezes por meio das recorrentes observações dos
técnicos e engenheiros agrônomos das Casas de Agricultura, informando que em
seus municípios e entornos a mecanização já era total e não havia mais
contratação de mão de obra na colheita. Esse fato se comprovava com a ausência
de informações no levantamento de pagamento de empreita e produtividade do
trabalhador, e corroborada pela informação do índice de mecanização, que já
chegava a 100% em diversos municípios paulistas. Em novembro de 2021, o IEA/CATI avaliou
novamente o índice de mecanização para a safra 2020/21 e notou que, dos 501
municípios com área de cana destinada ao corte, 55,3% responderam que a cana
colhida era totalmente mecanizada (Tabela 1). Além disso, essa área produtiva
correspondia também a 55,3% do total de área destinada ao corte. Outras
informações foram importantes nesse levantamento, como o fato de que 149
municípios (29,7%) apresentavam em média 94,3% de suas áreas com cana em pleno
processo de mecanização, e apenas 4,3% da área ainda em fase menos acelerada de
mecanização. Tais aspectos são justificáveis por serem
áreas não mecanizáveis, com declividade do solo acima de 12% e/ou áreas cultivadas inferiores a 150 hectares,
destinadas a alambique e destilarias, cana forrageira e cana planta. Informações
consolidadas por regiões no estado de São Paulo (CATI Regionais) permitem
observar que Andradina e Fernandópolis já atingiram totalmente a mecanização na
colheita e outras 18 regiões encontram-se acima da média estadual de 96,64% de
mecanização (Tabela 2). Regiões como Itapeva, Bragança Paulista e Pindamonhangaba
não são áreas significativas em produção para o estado e enquadram-se nos casos
de outras finalidades da cana, como alambique, cana forrageira e outras,
conforme já citado anteriormente. Importante ressaltar que existe ainda uma
ínfima parcela de trabalhadores envolvidos na colheita manual que segundo a
estimativa feita pelo IEA/CATI totalizam 13.404 trabalhadores, número bem
abaixo dos mais de 160 mil cortadores de cana-de-açúcar estimados na safra
2007/08. Como a série estatística referente ao pagamento
de empreita em diferentes culturas tem por objetivo acompanhar a quantidade
colhida por d-h e o preço médio pago na colheita ao trabalhador volante,
pode-se observar que, para a cultura da cana, esse levantamento não constitui
mais uma ferramenta útil para análise da realidade que está acontecendo no
campo paulista, tanto para a construção de análises técnicas para direcionar
ações governamentais, quanto a situação econômica dos colhedores dessa cultura.
Assim, encerra-se a série histórica de pagamento de colheita e produtividade do
trabalhador com o último levantamento disponível de junho de 2022 no site do IEA. Consequentemente,
finaliza-se neste trabalho o acompanhamento do índice de mecanização na
colheita da cana-de-açúcar no estado de São Paulo. Conclui-se que os trabalhos realizados
pelo IEA/CATI, ao longo de 50 anos, foram fundamentais para subsidiarem
pesquisas sobre mercado de trabalho, como também a união de duas informações
provenientes de seus levantamentos, o índice de mecanização na colheita e
produtividade do trabalhador. Isso permitiu o acompanhamento das tecnologias
incorporadas ao sistema produtivo da cana-de-açúcar, traduzindo-se em impactos
econômicos, ambientais e sociais sobre a geração de emprego e renda no setor
agropecuário paulista. O
IEA e a CATI permanecem com suas atividades de levantamento e pesquisa
referentes à empreita em outras culturas relevantes na absorção de mão de obra
e, em breve, outras culturas podem ser incorporadas a esse acompanhamento do
mercado de trabalho rural. 1Instituto
de Economia Agrícola. Banco de Dados.
Disponível em: http://www.iea.agricultura.sp.gov.br 2O
método aplicado nos levantamentos é o denominado “subjetivo”, que toma por base
o conhecimento técnico dos funcionários das Casas de Agricultura que possuem do
mercado de trabalho de suas regiões, além das indagações aos agricultores,
sindicatos, cooperativas, associações, usinas e agroindústrias. Por serem
responsáveis também pelo acompanhamento de safras de seus municípios, conseguem
avaliar a magnitude da produção e, consequentemente, da ocupação de mão de obra
e o valor da empreita a ser paga. 3NOGUEIRA,
E. A. e coord. Estatística de salários
agrícolas no estado de São Paulo. São Paulo, IEA, 1992. 100p. (Série IEA,
01/92). 4VICENTE,
M. C. M.; BAPTISTELLA, C. S. L. Trabalho volante na Agricultura Paulista, 1975
a 1986. São Paulo, SAA, IEA, 1987. 31p. (Relatório de Pesquisa 16/87).
Disponível em: http://www.iea.sp.gov.br/ftpiea/RP/ 5BAPTISTELLA,
C. S. L; FRANCISCO, V. L. F. S.; VICENTE, M. C. M. O trabalho volante: uma
análise do emprego num período de transição no campo paulista. Informações Econômicas, SP, 30(7):7-30,
jul, 2000.Disponível em: http://www.iea.sp.gov.br/ftpiea/ie/2000/tec1-0700.pdf.
Acesso em: 9 ago. 2022. 6NOGUEIRA,
E. A. BAPTISTELLA, C. S. L. O Comportamento do emprego na agricultura paulista,
1988. Informações Econômicas, SP,
19(9):9-14 set. 1989. Disponível em: http://www.iea.sp.gov.br/ftpiea/IE/1989/ 7Op.
cit. nota 6. 8SÃO
PAULO (Estado). Lei n. 11.241, de 19 de setembro de 2002. Regras para a eliminação gradativa das queimadas. Disponível em:
http://www.sigam.ambiente.sp.gov.br/sigam2/Default.aspx?idPagina=172. Acesso
em: 13 set. 2022. 9GOVERNO
DO ESTADO DE SÃO PAULO. Secretaria de Estado de Meio Ambiente. Relatório Etanol Verde 2009. São
Paulo, 2009. Disponível em:
http://www.homologa.ambiente.sp.gov.br/etanolverde/. Acesso em: 13 set 2022. 10FREDO,
C. E.; VICENTE, M. C. M.; BAPTISTELLA, C. S. L; VEIGA, J. E. R. Índice de
mecanização na colheita de cana-de-açúcar no Estado de São Paulo e nas regiões
produtoras paulistas, junho de 2007. Agroanalysis, no. 3, vol. 28, março de
2008. Fundação Getúlio Vargas. Disponível em https://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/agroanalysis/article/view/36514/35288.
Acesso em 13 set de 2022 11FREDO,
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C. E.; CASER, D. V.; CAMPAGNUCI, B. C. G. Colheita Mecanizada da Cana-de-açúcar
Atinge 95,3% das Áreas Produtivas do Estado de São Paulo na Safra Agrícola
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2022. 14FREDO,
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Acesso em: 13 nov. 2022. Palavras-chave:
mecanização, mercado de trabalho,
setor agropecuário, inovação tecnológica. COMO
CITAR ESTE ARTIGO FREDO, C. E.; BAPTISTELLA, C. da S. L.; CASER, D. V.
Encerramento da Série Histórica de Empreita na Cana-de-açúcar (1971-2022): reflexos
da colheita mecanizada. Análises e Indicadores do Agronegócio, São
Paulo, v. 17, n. 9, p. 1-9, set. 2022. Disponível em: colocar o link do artigo.
Acesso em: dd
mmm. aaaa.
/out/Bancodedados.php. Acesso em: 13 set. 2022.
1987/relat-1687.pdf. Acesso em: 13 set.. 2022.
tec2-0989.pdf. Acesso em: 13 set. 2022.
ftpiea/AIA/AIA-31-2014.pdf. Acesso em: 13 set. 2022.
ftpiea/AIA/AIA-35-2017.pdf. Acesso em: 13 set. 2022.
Data de Publicação: 28/09/2022
Autor(es):
Carlos Eduardo Fredo (cfredo@sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor
Celma Da Silva Lago Baptistella (csbaptistella@sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor
Denise Viani Caser (dcaser@sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor