Agricultores Familiares: o que esperar do Plano Safra 2022/23?


 

Apagaram tudo

Pintaram o muro de cinza

Só ficou no mundo tristeza e tinta fresca1

(“Gentileza”, Marisa Monte)

 

Com vistas a fortalecer as atividades agrícolas e pecuárias, as quais exercem impactos significativos na economia brasileira, o mercado financeiro oferece um tipo específico de empréstimos chamado de crédito rural. Nele, a taxa de juros e os prazos, tanto para quitar as parcelas, quanto para iniciar o pagamento das prestações, são oferecidos em condições mais favoráveis que as demais modalidades de empréstimo. Isso ocorre porque nas atividades agrícolas assim como nas pecuárias o retorno dos recursos investidos no custeio depende do ciclo produtivo das culturas e dos animais, ou seja, não é imediato.

No entanto, a liberação desses recursos financeiros é distribuída em vários programas do Plano Safra, com o objetivo de contemplar as diversas tipologias de agropecuaristas. Nesse caso, os produtores rurais são, ainda, classificados de acordo com sua receita bruta agropecuária (RBA), estabelecida anualmente pelo Conselho Monetário Nacional (Quadro 1).

 

 

 

Médios produtores podem se beneficiar de empréstimos por meio do Programa Nacional de Apoio ao Médio Produtor Rural (Pronamp). Já os pequenos proprietários rurais2, desde que tenham a Declaração de Aptidão ao Pronaf (DAP) ou o Cadastro Nacional da Agricultura Familiar (CAF-PRONAF)3, podem obter o crédito por meio do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf). Ressalta-se que, para usufruir as linhas de crédito desse programa é fundamental portar a DAP e/ou o CAF, uma vez que tais registros são a certificação de que os produtores possuem outros atributos4 exigidos pelo Conselho Monetário Nacional, para integrar a categoria agricultores familiares e, assim, obter as melhores condições creditícias propiciadas pelo Pronaf.

O Pronaf pode ser solicitado tanto para o processo produtivo (custeio e investimento), quanto para o pós-colheita (comercialização e industrialização). No entanto, esse artigo se restringe a uma breve análise do segmento de custeio com ênfase no estado de São Paulo.

Num primeiro momento, serão apresentadas algumas características da agricultura familiar paulista, seguida do desempenho desse programa entre as safras 2019/20 e 2021/22. Por fim, serão abordadas as expectativas do programa e da safra 2022/23.

 

A AGRICULTURA FAMILIAR PAULISTA

         Segundo o Censo Agropecuário do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (2019), Pernambuco, Ceará e Acre têm as maiores proporções de área ocupada pela agricultura familiar. Em São Paulo, apesar da baixa extensão de terras utilizada por essa categoria de produtor (20,5%), cerca de 76,7% dos estabelecimentos agropecuários são ministrados por essa categoria trabalhista (Tabela 1).

 

        

         Dentre as principais atividades desenvolvidas nesses estabelecimentos, destacam-se a bovinocultura e a criação de outros animais (53%), seguidas da produção de lavouras (31%) e da horticultura (12%) (Figura 1).

 

Brunelli et al.5 colocam que, em termos de valor da produção, as cadeias produtivas da cana-de-açúcar e da bovinocultura de corte estão num patamar acima de R$1 bilhão. Na sequência, já num patamar bem menor, vem o cultivo de grãos de feijão, milho e soja (lavouras temporárias). Nota-se que, dos produtos mencionados, o feijão é fundamental na dieta brasileira, e os demais são insumos indispensáveis para a produção de carne e outros derivados proteicos, como o leite e os ovos que, segundo os autores são importantes itens do valor da produção agropecuária paulista. A olericultura paulista possui baixo valor da produção, mas, como visto, é desenvolvida em percentual considerável nos estabelecimentos de pequeno porte (12%).

         Percebe-se, portanto que, as pequenas propriedades agrícolas têm um importante papel na produção de alimentos, os quais influenciam diretamente os índices de inflação e a qualidade de vida das pessoas.

 

DESEMPENHO DESSE PRONAF-CUSTEIO ENTRE AS SAFRAS 2019/20 E 2021/22

         O Pronaf-Custeio é a modalidade de empréstimo concedido aos agropecuaristas familiares com a finalidade de cobrir as despesas do ciclo produtivo, tanto dos animais (custeio pecuário), quanto das lavouras (custeio agrícola).

         Segundo dados do Banco Central6, na safra marcada pela pandemia da covid-19 (jul./2020-jun./2021), a área brasileira custeada com recursos do Pronaf, comparativamente à safra predecessora (jul./2019-jun./2020), mostrou um comportamento oposto entre as finalidades agrícola e pecuária. Enquanto os recursos utilizados na área destinada ao custeio agrícola aumentaram 66%, na área para pecuária houve queda de 40%. Controlada a pandemia, na safra 2021/22 já se observa o oposto: um pequeno crescimento da utilização dos recursos na área de pecuária (16%) contra um grande decréscimo na área de agricultura (38%), em relação à safra passada (jun./2020-jul./2021) (Figura 2).

 

         Já com relação ao estado de São Paulo, verifica-se que a área custeada com recursos do Pronaf para cobrir as despesas da lavoura decai ano a ano, enquanto, apesar de um pequeno acréscimo no período da pandemia, as áreas destinadas à pecuária têm se mantido praticamente constantes (Tabela 2). A queda na utilização dos recursos do Pronaf-Custeio pela lavoura paulista acompanhou a redução dos contratos de financiamento entre os agricultores familiares do estado e as instituições financeiras, uma vez que o número de contratos também sofreu dois declínios sucessivos: de 8% e 14% nas safras 2020/21 e 2021/22, com relação às suas predecessoras (Tabela 2).

Considerando-se que o número de estabelecimentos agropecuários se manteve constante, esses resultados podem ser um indicativo na melhor rentabilidade do agricultor, variável determinante para o enquadramento no Pronaf.

Quanto ao valor dos contratos, ou seja, os recursos aplicados na contratação do empréstimo para cobrir as despesas do ciclo produtivo dos animais e das lavouras, verifica--se forte crescimento no segmento pecuário de, respectivamente, 17,5 e 25,4% nas safras 2020/21 e 2021/22, com relação as suas respectivas safras predecessoras, o mesmo não ocorrendo com o segmento agrícola (Tabela 2).

 

 

 

No entanto, analisando-se a relação entre o valor e o número dos contratos de financiamento, verifica-se que, em média, os contratos concedidos para os agricultores familiares paulistas são mais valorados que os fornecidos aos pecuaristas. Atenta-se que o valor médio do contrato agrícola paulista supera até mesmo o do país (Figura 3).

 

O QUE ESPERAR DA SAFRA 2022/23?

Os recursos controlados e destinados aos agropecuaristas familiares na safra 2022/23 foi de R$53,61 bilhões, registrando acréscimo de 36% em relação à safra 2021/22.

As taxas de juros pré-fixadas estão bem atrativas, visto que estão abaixo da Selic, o que demonstra o forte subsídio dado pelo governo federal. No entanto, elas são superiores às auferidas na safra passada (Quadro 2), mas inferiores à inflação do período.

 

 

 

         Segundo especialistas do setor, além do custo da energia elétrica, os preços de insumos básicos para o cultivo de grãos tiveram aumento na casa de três dígitos percentuais, em parte devido à guerra na Ucrânia e à crise econômica mundial, que elevaram os preços dos insumos energéticos como os fertilizantes e o diesel. Assim, diante das taxas de juros pré-fixadas e dos limites de financiamento para a safra 2022/23, os recursos do Pronaf não serão suficientes para cobrir os custos de produção agrícola, fato acirrado para os agricultores que cultivam duas safras.

Aos agropecuaristas familiares sobram duas opções:

1) utilizar recursos próprios, uma vez que a alta dos preços recebidos pelos produtores, durante e após a pandemia, beneficiou boa parte dos agricultores; e

2) migrar para o Pronamp, com taxas de juros mais altas, mas ainda bem abaixo da Selic.

Cabe alertar que a Confederação Nacional da Agricultura está tentando aumentar a renda bruta dos agricultores familiares, de R$250 mil/ano para R$600 mil/ano.

Em que pese a importância desse aumento para que um maior número de agricultores possa se beneficiar das vantagens propiciadas pelo Pronaf, em relação aos outros programas do crédito rural, ele não minimiza a desigualdade social e a pobreza no campo, pois, conforme o quadro 3, o limite de crédito na safra atual não foi alterado para nenhum tipo de beneficiário em relação à safra anterior.

Para beneficiários do Pronaf que integram o Programa Nacional de Reforma Agrária (embora tenham taxas de juros irrisórias): o valor limítrofe (R$9.000,00) não chega a cobrir os custos operacionais de um hectare da maioria das culturas, como por exemplo, o da laranja em Potirendaba (SP), que foi estimado pela Conab em R$15.200,007.

 

Cabe lembrar que, além de pequenos agricultores e pecuaristas, são beneficiários do Pronaf: a) pescadores artesanais autônomos que exploram a atividade com fins lucrativos e meios de produção próprios, ou em regime de parceria com outros pescadores artesanais; b) aquicultores que explorem área não superior a 2 hectares de lâmina d'água ou, quando a exploração se efetivar em tanque-rede, ocupem até 500 metros cúbicos de água; c) silvicultores que cultivem florestas nativas ou exóticas e que promovam o manejo sustentável daqueles ambientes; d) extrativistas artesanais, excluídos os garimpeiros e faiscadores; e) integrantes de comunidades quilombolas rurais; f) povos indígenas; e g) assentados pelo Programa Nacional de Reforma Agrária (PNRA), beneficiários do Programa Cadastro de Terras e Regularização Fundiária (PCRF) ou beneficiários do Programa Nacional de Crédito Fundiário (PNCF) que não contrataram operação de investimento sob a égide do Programa Especial de Crédito para a Reforma Agrária (Procera).

Há, portanto, um descompasso entre os limites de crédito e os custos de produção, ocorrendo não só nas culturas alimentícias, mas também nos cultivos da biodiversidade (Quadro 3), o que bate de frente com a busca por uma agropecuária mais sustentável.

 

1MONTE, M. Gentileza. Rio de Janeiro: Phonomotor Records: 2000. CD (41’27’’).

 

2Mesmo os que exploram a terra como posseiros, arrendatários ou parceiros.

 

3Desde janeiro de 2022, a Declaração de Aptidão ao Pronaf vem sendo gradualmente substituída por um novo cadastro nacional, o CAF-PRONAF, instituído pela portaria n. 242 de 8 de novembro de 2021. Disponível em: https://www.gov.br/agricultura/pt-br/assuntos/agricultura-familiar/caf/instrumentos-normativos/portaria-no-242_caf-alteracoes_consolidada.pdf/@@download/file/PORTARIA%20n%C2%BA%20242_CAF-ALTERA%C3%
87%C3%95ES_CONSOLIDADA.pdf. Acesso em: 5 jul. 2022. De acordo com a Portaria para obter o CAF-Pronaf, também será preciso atender a critérios e condições de enquadramento do agricultor familiar estabelecidos pelo Manual de Crédito Rural (MCR), conforme resolução do Conselho Monetário Nacional (CMN).

 

4São eles: “a) explorem parcela de terra na condição de proprietário, posseiro, arrendatário, comodatário, parceiro, concessionário do Programa Nacional de Reforma Agrária (PNRA) ou permissionário de áreas públicas; b) residam no estabelecimento ou em local próximo, considerando as características geográficas regionais; c) não detenham, a qualquer título, área superior a 4 (quatro) módulos fiscais, contíguos ou não; d) no mínimo, 50% (cinquenta por cento) da renda bruta familiar seja originada da exploração agropecuária e não agropecuária do estabelecimento, observado o limite de R$500.000,00 (quinhentos mil reais; e) tenham o trabalho familiar como predominante na exploração do estabelecimento, utilizando mão de obra de terceiros de acordo com as exigências sazonais da atividade agropecuária, podendo manter empregados permanentes em número menor ou igual ao número de pessoas da família ocupadas com o empreendimento familiar.” Resolução CMN 4.889 art. 1º. Disponível em:  https://www.bcb.gov.br/estabilidadefinanceira/exibenormativo?tipo=Resolu%C3%A7%C3%A3o%20CMN&numero=4889. Acesso em: 5 jul. 2022.

 

5BRUNELLI JÚNIOR, J.; VIGANÓ, V. A.; MORAES, M. C., (coord) et. al. Perfil da Gestão das Propriedades Rurais de Pequeno Porte no Estado de São Paulo, Campinas, CATI/CDRS, 2021. 346p. Ilus. 210cm (Documento Técnico). Disponível em: https://www.cati.sp.gov.br/portal/themes/unify/arquivos/produtos-e-servicos/acervo-tecnico/Perfil%20da%20Gest%C3%A3o%20das%20Propriedades%20Rurais%20de%20Pequeno%20Porte%20no%20Estado
%20de%20S%C3%A3o%20Paulo_CATI_SAA_SP_2021.pdf. Acesso em: 7 jul. 2022.

 

6BANCO CENTRAL DO BRASIL.  Quantidade e Valor dos Contratos por Programa, Subprograma e UF. Brasília, 2022. Disponível em: https://www.bcb.gov.br/estabilidadefinanceira/reportmicrrural/?path=conteudo%2FMDCR%2FReports%2FqvcProgSubProgRegiaoUF.rdl. Acesso em: 10 jul. 2022.

 

7COMPANHIA NACIONAL DE ABASTECIMENTO. Planilhas de custo de Produção. Brasília, 2022. Disponível em https://www.conab.gov.br/info-agro/custos-de-producao/planilhas-de-custo-de-producao. Acesso em: 7 jul. 2022. 

  

 

Palavras-chave: agricultura família, Pronaf, crédito rural.

 

 

 

 

 

 

 

 

COMO CITAR ESTE ARTIGO

FREITAS, S. M. de; FREDO, C. E. Agricultores Familiares: o que esperar do Plano Safra 2022/23?. Análises e Indicadores do Agronegócio, São Paulo, v. 17, n. 7, p. 1-9, jul. 2022. Disponível em: colocar o link do artigo. Acesso em: dd mmm. aaaa.

Data de Publicação: 19/07/2022

Autor(es): Silene Maria de Freitas (silene.freitas@sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor
Carlos Eduardo Fredo (cfredo@sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor