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Analogia do Copo: mercado de café sob estresse
Em tempos de guerra o futuro é ainda mais incerto que o habitual. Martin Wolf1 Desde os primórdios da
humanidade, a Lua encanta poetas. Todavia, a observação atenta conduzida desde
os sumérios, passando pelos egípcios, gregos e maias, os fez compreender que,
para a parte iluminada do satélite natural, há outra que não se enxerga, pois
nunca recebe a luz solar para refleti-la. Entretanto, sem se reconhecer a face
oculta da Lua é impossível compreendê-la. Assim é também com as ciências
sociais, inclusive a economia e a econometria, pois isso consiste em
invariavelmente conceder espaços para a apresentação do contraditório às teses.
Nas ciências sociais, o lado escuro da Lua forma um de seus alicerces, pois há a
tentativa de compreender os fenômenos sociais, em que as dinâmicas são
essencialmente volúveis com mudanças repentinas não previstas.
Aplicar a perspectiva
do contraditórios para desenhar os possíveis cenários prospectivos para o
mercado de café pode ser bastante produtivo. Na figura 1 essa ideia se expressa
de forma bem clara, pois há aqueles que nela veem o copo meio cheio, enquanto
outros entendem que o copo está meio vazio. O título desse artigo, exemplificado
pela imagem, busca justamente trazer para análise as possibilidades que a
multiplicidade de olhares permite em apreciar os fenômenos sociais.
Iniciando-se pela perspectiva daqueles que enxergam o copo meio cheio, ou seja,
otimismo para a formação dos preços futuros do café. A dinâmica persistente e consolidada de
escalada inflacionária em âmbito global, puxada principalmente pelos
combustíveis e alimentos, traz preocupações tanto para economias centrais como
periféricas. Nos EUA, por exemplo, a inflação acumulada, entre abril de 2021 e
março de 2022, alcançou 8,5%2, recorde nos últimos 50 anos, quando,
devido a dois choques do petróleo, a inflação estadunidense alcançou 14,5% em
19813. Atualmente, além da pressão sobre preços decorrente da
escassez de oferta de matérias- -primas,
há ainda forte elevação dos salários no mercado de trabalho estadunidense
devido à existência de duas ocupações em aberto para cada indivíduo que busca
recolocação. O ciclo monetário expansionista adotado
pela maior parte dos países, como resposta aos impactos socioeconômicos
decorrentes da pandemia, produziu por um lado demanda excedente por produtos e
serviços (oferta massiva de cheques de estímulo econômico) e por outro de
produção contingenciada contribuindo na consolidação do quadro inflacionária
que se instaurou4. Diante dessa corrosão do poder de compra
das moedas, os investidores, no intuito de preservar seu valor patrimonial,
exercem sua preferência para os ativos financeiros reais, iniciando-se pelo
mais procurado que é o petróleo, mas também pelo ouro e as commodities
(agrícolas e metálicas)5. Por sua vez, o mercado acionário não se
constitui em válvula de escape para defesa patrimonial em contexto de moeda
depreciada e juros em alta, pois a possibilidade de o investimento produtivo
ser redirecionado para o rentismo é grande. Ademais, o derretimento das cotações
das criptomoedas nos últimos meses, impondo trilhões de prejuízos aos seus
investidores, é elucidativo desse movimento de procura por ativos reais6. Especificamente no caso do café, o
crescimento estimado para o consumo da ordem de 3% (com a China crescendo em
5%)7, estoques de passagem em contínua redução (estimados entre 25 e
27 milhões de sacas, aproximadamente três meses de consumo mundial para a
temporada 2021/22, tendendo para 15 milhões de sacas para a temporada 2022/23)8,
associado à característica intrínseca da bebida de inelasticidade-preço da
demanda por café, ou seja, variações das cotações do produto e na renda das
famílias, não trazem alterações igualmente proporcionais para o consumo da
bebida9. Para finalizar essa perspectiva para
alavancagem das cotações, há ainda a questão das mudanças climáticas. A
manutenção pelos próximos meses do fenômeno climático do La Ninã implica, tanto
no fortalecimento das massas de ar frio, alcançando os principais cinturões
cafeeiros de arábica do país, como também a intensificação dos deficits
hídricos devido à irregularidade das precipitações, replicando aquilo que
transcorreu ao longo de 2021, quando aproximadamente 25% da safra brasileira
foi subtraída10. Para os que enxergam a imagem do copo
meio vazio, aquela mesma inflação, que corrói moedas, também dilapida o poder
de compra das famílias, arruinando seu poder de compra. Por sua vez, os
gestores da política monetária implementam elevação das taxas de juros como
medida de esfriamento da economia (contracionismo), tendo o Brasil com os
atuais 12,75% da Selic, alcançado a vice-liderança em juros em âmbito mundial.
Nos EUA, com perspectiva de alcançar entre 2% e 3% até dezembro de 2022, pode-se
golpear o mercado de ativos devido à parada de reposicionamento das carteiras
de investimentos. Agências internacionais como o Fundo Monetário
Internacional (FMI) e a Organização Mundial do Comércio (OMC) vislumbram um
futuro com menor expansão econômica (crescimento do PIB em queda) e diminuição
do volume de trocas entre os estados nacionais. A decretação de lockdown
em importantes cidades chinesas, como medida extrema para estancar a propagação
das contaminações com a variante ômicron, tem trazido incertezas tanto para as
estimativas de crescimento chinês como a de descontinuidade da produção mundial
dependente dos componentes daquele país11 Queda do poder de compra, elevação das
taxas de juros para conter a escalada inflacionária, previsões de mundo menos
dinâmico tanto para a economia como o comércio, China incapaz de incrementar a
demanda global em razão da política de enfrentamento da covid em seu
território, formam quadro em que não pode ser otimista com relação a procura
por commodities, inclusive o café. Duas visões consistentes e
contraditórias em suas premissas. Desse embate, qual desses cenários
prevalecerá para a formação dos preços para a próxima safra de café? Seria
plausível produzir uma síntese a partir da ponderação ambos os argumentos? O
que devem esperar os cafeicultores e todos os demais agentes econômicos desse
agronegócio? Questionamentos importantes que se colocam no calor desse momento. Tomando-se em conta que a demanda pelo
café não arrefeceu no biênio 2020 e 2021, auge da pandemia, pode-se inferir que,
no atual contexto de conturbação macroeconômica (pautado por inflação em
elevação e escalada dos juros), de mudanças climáticas e de redução da oferta e
estoques minguantes, haveria maior probabilidade de os preços permanecerem
alavancados, ou seja, prevalecer a visão daqueles que defendem o copo meio
cheio. Todavia, o café é dos mais voláteis produtos negociados nas bolsas de
valores e, como enfatizou a epígrafe, sob tempos de guerra... 1WOLF, M. Guerra
testa a economia da Europa. Jornal Valor
Econômico. São Paulo, 04/05/2022.
Disponível em: https://valor.globo.com/opiniao/coluna/guerra-testa-a-economia-da-europa.ghtml. Acesso em: 17 maio 2022. 2SMITH, C. PLATT, E. & FEDOR, L. EUA culpam choques externos por disparada
da inflação. Jornal Valor Econômico. São Paulo, 13/05/2022.
Disponível em:https://valor.globo.com/mundo/noticia/2022/04/13/eua-culpam-choques-externos-por-disparada-da-inflacao.ghtml.
Acesso em: 17 maio 2022. 3Op.
cit. nota 2. Na
Alemanha, a elevação de preços entre abril de 2021 e março de 2022 alcançou
7,3%. 4ARBEX,
D. Inflação o rabo que abana o cachorro. Jornal Valor Econômico. São
Paulo, 13/05/2022. Disponível em: https://valor.globo.com/opiniao/coluna/inflacao-o-rabo-que-abana-o-cachorro.ghtml.
Acesso em: 17 maio 2022. 5VEGRO,
C. L. R. Refúgio nas Commodities. Análises
e Indicadores do Agronegócio, São Paulo, v. 17, n. 2, p. 1-5, fev. 2022.
Disponível em: http://www.iea.agricultura.sp.gov.br/ftpiea/AIA/AIA-10-2022.pdf.
Acesso em: 17 maio 2022. 6BOMFIM,
R. Crise de confiança abala mercado de criptomoedas. Jornal Valor Econômico.
São Paulo, 13/05/2022. Disponível em: https://valor.globo.com/financas/noticia/2022/05/13/crise-de-confianca-abala-mercado-de-criptomoedas.ghtml.
Acesso em: 17 maio 2022. Exemplificando: a criptomoeda Terra Luna Coin (UST)
que valia US$77,46/UST em 06/05 recuou para menos de uma semana para
US$0,03/UST. 7MOREIRA M. F. Atualizando os
números da “oferta x demanda”. Centro do Comércio de Café do Estado de Minas
Gerais, 26 abr. 2022. Disponível
em: https://cccmg.com.br/artigo-atualizando-os-numeros-da-oferta-x-demanda/.
Acesso em: 17 maio 2022. 8Op. cit. nota 7. 9MORICOCHI L. Como a
elasticidade afeta o mercado de café. Revista Cafeicultura. Rio Paranaíba, 13
nov. 2009. Disponível em: https://revistacafeicultura.com.br/?mat=27861#:~:text=O%20caf%C3%A9%20se% 10VEGRO, C. L. R.; MARTINS, V. A. Estimativa de
Impacto Econômico nas Lavouras Paulistas de Café Afetadas por Estiagem
Prolongada Seguida de Geadas, 2021. Análises e Indicadores do
Agronegócio, São Paulo, v. 16, n. 7, p. 1-4, out. 2021. Disponível
em: http://www.iea.agricultura.sp.gov.br/out/TerTexto.php? 11Ao longo das duas últimas décadas, o
modelo de produção globalizada de componentes foi eficiente e promoveu processo
de deflação mundial, mas, sobretudo após o surgimento da pandemia, mostrou-se
não resiliente quando se constatou que poucas instalações chinesas detinham
porcentual substantivo da produção de itens empregados no combate ao vírus
(máscaras, EPIs, respiradores etc.).
Palavras-chave: mercado de café, cotações do café, economia
internacional. COMO
CITAR ESTE ARTIGO
VEGRO,
C. L. R. Analogia do Copo: mercado de café sob estresse. Análises e
Indicadores do Agronegócio, São Paulo, v. 17, n. 6, jun. 2021, p. 1-5.
Disponível em: colocar o link do artigo. Acesso em: dd mmm. aaaa.
20enquadra%20tamb%C3%A9m,%2C%20apenas%200%2C67%20%25.
Acesso em: 17 maio 2022.
codTexto=15972. Acesso em: 17 maio 2022.
Data de Publicação: 01/06/2022
Autor(es): Celso Luís Rodrigues Vegro (celvegro@sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor