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Refúgio nas Commodities
O estirado ciclo pandêmico no qual deambula a
humanidade tem trazido substanciais repercussões sobre o ambiente das
transações econômicas. Nos dois últimos anos, foram acrescentadas às decisões
de negócios outro componente para o incremento das incertezas/riscos decorrente
das repercussões que a crise sanitária impunha, associado às medidas
implementadas para sua contenção, especialmente, o distanciamento social. No transcorrer dos meses que se seguiram, o
acelerado desenvolvimento dos imunizantes foi decisivo no reestabelecimento de
progressiva retomada das atividades econômicas - especialmente nos países
centrais em que somente não foi mais vigorosa devido à ressurgência de
variantes viróticas ainda mais contagiosas e letais. Ainda assim, em 2021,
mesmo considerando as imensas disparidades entre nações, a acomodação das
atividades produtivas diante do contexto adverso (turismo, por exemplo),
permitiu expansão do PIB mundial de 5,9%, prevendo-se que no corrente ano
ocorra alguma desaceleração, trazendo o indicador para a casa dos 4,4%1. No mercado das commodities,
a evolução das cotações do petróleo consiste no indicador que melhor baliza o
potencial de dinamismo dos negócios. Nesse sentido, considerando os últimos 26
meses (dez./2019 a jan./2022), as cotações do petróleo mostram que, passado o
primeiro impacto da pandemia, houve progressivo avanço nas cotações refletidas
pelo índice que alcançou, em janeiro de 2022, o maior patamar da série
considerada (194,55), com tendência de manutenção dessa alta (Figura 1). Derivados de petróleo são os insumos na produção de
fertilizantes nitrogenados. A elevação dos custos com fertilizantes incide
sobre a produção de alimentos, formando-se assim o clima para uma escalada
generalizada dos preços. Portanto, evolução similar à verificada para o caso
das cotações do petróleo, o índice mensal elaborado para os mercados de
alimentos e bebidas (inclusive café) denota escalada acentuada a partir de
julho de 2020 (índice = 96,49), alcançando o patamar de 138,96 em janeiro de
2022, ou seja, incremento de 44% no período considerado2 (Figura 2). Cotações do petróleo, alimento e bebidas (no caso
dos metais o fenômeno é ainda mais acentuado) reconfiguram a formação dos
preços para novos patamares, trazendo consigo um recrudescimento inflacionário
mundial. Nos EUA, por exemplo, em 2021, o índice de preços ao consumidor
contabilizou 7,06%3, 4, representando a maior elevação dos últimos
40 anos. Na União Europeia, a Alemanha registrou elevação dos preços no atacado
de 9,8% em 20215. No Brasil, os dois dígitos registrados para os
preços ao consumidor trouxeram de volta temores de perda de controle sobre uma
das principais conquistas da estabilização econômica trazidas pelo Plano Real. Em adição aos preços em ascensão, os gargalos
logísticos com situações limites de desabastecimento (autopeças e componentes)
e as tensões geopolíticas decorrentes do avanço para a frente oriental
promovido pela OTAN adicionaram mais incertezas nos mercados que se
posicionaram recompondo seus estoques estratégicos. Escalada dos preços dos produtos de base,
desabastecimento e tensões têm contribuído para o recrudescimento inflacionário
mundial. A consequência direta desse fenômeno é o “derretimento” do valor da
moeda (dólar) ativo ao lado ouro - mercadoria mais líquida dentro dos mercados
de capitais. A perda de valor da moeda consiste no principal motor para a busca
de alternativas de preservação do patrimônio dos “bem de vida”, como se referiu
o economista J.K. Galbraith em A Cultura
do Contentamento6, ao se referir à camada mais aquinhoada da
população (rentistas). A valorização
e/ou preservação da riqueza acumulada opera sob forma de balança, oscilando
entre mercadorias e moeda (Figura 3). Se há nítido e vigoroso processo de
desvalorização da moeda (inflação achatando seu valor), a balança oscila pela
preferência por mercadorias, listando-se, dentre elas, as commodities (agrícolas, metálicas, petróleo) transacionadas em
bolsas de valores. Sem desmerecer as análises que enfatizam o contexto de
oferta e demanda, sazonalidades, volatilidades cambiais e fatores geopolíticos
– percepção majoritária entre os analistas de mercado -, olvidar a preservação
do patrimônio como elemento chave consiste em um despautério. Clima mais favorável e a obtenção de novos recordes
de produção e de produtividade (notícias cada vez mais distantes diante do
contexto das mudanças climáticas) que possam vir a ser anunciados no futuro
pouco ou nada afetarão a atual alavancagem das commodities. A dinâmica de preservação do patrimônio, em contexto
inflacionário, manter-se-á como elemento determinante na formação das cotações
futuras. O ciclo de valorização das commodities
persistirá no médio e longo prazos. Neste contexto, o agronegócio do café brasileiro foi
duplamente beneficiado. A tempestade perfeita que assolou nossas lavouras em
2021 (estiagem prolongada durante o período chuvoso, médias de temperatura
elevada – dia e noite -, consecutivas geadas no cinturão de arábica) impactou o
fluxo de suprimentos, obrigando aos agentes atuantes nesse mercado a
mobilizarem estoques, pressionando as cotações futuras. No primeiro bimestre de
2022, registraram-se os mais elevados preços nominais recebidos pelos
cafeicultores para as últimas duas décadas7. Ainda que ocorra elevação da taxa de juros nas
economias centrais, visando arrefecer a escalada inflacionária, limitado ajuste
trará a formação de preços das commodities,
especialmente alimentos, fibras, bebidas e energia. A tendência prevalecente
será de cotações sustentadas para os produtos de base, com atração crescente de
investidores para esses mercados, pois o porvir da economia global será pautado
por patamares mais elevados para a formação dos preços decorrentes da
incidência de persistente inflação em âmbito global. 2HUME,
N & TERAZOMO, E. Estoque baixo provoca falta de commodities no mundo. Jornal Valor Econômico. Caderno B4. São
Paulo, 15/02/2022. Disponível em: https://valor.globo.com/empresas/noticia/ 3HAMA,
M. & HIRUTA, K Início do ano tem maior alta das commodities desde 1995. Jornal Valor Econômico. São Paulo. Caderno A15. 10/02/2022. Disponível em: https://valor.globo.com/mundo/ 4EUA
registra 7,0% de inflação em 2021, a mais alta desde 1982. Exame. São Paulo. Disponível em: https://exame.com/economia/eua-registra-70-de-inflacao-em-2021-a-mais-alta-desde-1982/.
Acesso em 18 fev. 2022. 5Alemanha registra maior alta de
preços no atacado desde 1974 Universo
Online. São Paulo. Disponível em: https://economia.uol.com.br/noticias/afp/2022/01/12/alemanha-registra-maior-alta-de-precos-no-atacado-desde-1974.htm.
Acesso em 21 fev.
2022. 6GALBRAITH, J.K. A cultura do contentamento. São Paulo: Pioneira.1992. 7INSTITUTO DE ECONOMIA AGRÍCOLA. Preços médios mensais recebidos pelos
produtores. São Paulo: IEA, 2022. Disponível em: http://ciagri.iea.sp.gov.br/nia1/precos_medios.aspx?cod_sis=2. Acesso em 21 fev. 2022. Palavras-chave: cotações das commodities,
valorização do patrimônio, café. COMO CITAR ESTE ARTIGO VEGRO,
C. L. R. Refúgio nas Commodities. Análises
e Indicadores do Agronegócio, São Paulo, v. 17, n. 2, p. 1-13, fev. 2022.
Disponível em: colocar o link do artigo. Acesso em: dd mmm. aaaa.1Deve-se reconhecer que o significativo avanço do PIB mundial
teve por linha de base a forte contração observada em 2020. Em: Gopinath G. Uma
recuperação global conturbada. INTERNATIONAL
MONETARY FUND. Washington, IMF, 2022. Disponível em:
https://www.imf.org/pt/News/Articles/2022/01/25/blog-a-disrupted-global-recovery.
Acesso em 18 fev. 2022.
2022/02/15/estoque-baixo-provoca-falta-de-commodities-no-mundo.ghtml. Acesso em
15 fev. 2022.
noticia/2022/02/10/inicio-do-ano-tem-maior-alta-das-commodities-desde-1995.ghtml.
Acesso em 21 fev. 2022.
Data de Publicação: 25/02/2022
Autor(es): Celso Luís Rodrigues Vegro (celvegro@sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor