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Comportamento do Mercado de Leite em 2021 e Expectativa para 2022
O ano de 2021 foi difícil para
a pecuária leiteira, tanto no país como no estado de São Paulo. Vários fatores
contribuíram para isso, mas destaca-se um fato que se mostrou preocupante: a
queda do consumo do leite fluido. Em 2020, com o começo da
pandemia, a expectativa era de que os derivados, como iogurtes e queijos, e até
um pouco de leite fluido tivessem seu consumo reduzido. Num primeiro momento, a
redução ocorreu mais fortemente, mas aos poucos, com a mudança dos hábitos de
compra e o pagamento pelo governo federal de um auxílio emergencial de R$600,001,
para atender a um grande número de pessoas que perdeu emprego, a situação mudou
e o setor se equilibrou. Entretanto, em 2021, com a
redução do valor do auxílio emergencial, que ficou entre R$150,00 a R$375,002,
e a diminuição do número de atendidos, o impacto no consumo alimentar da
população mais carente, desempregada, em trabalhos informais ou precários, teve
impacto relevante. Esse agravante mostra que a
situação econômica do país, afetada não só pela pandemia, mas também por uma má
condução na política socioeconômica do país, levou a uma inesperada redução do
consumo não só de derivados lácteos, como iogurte e queijo, como normalmente
acontece nos momentos de queda de poder aquisitivo, mas também de leite fluido.
Há uma estimativa de queda de renda das famílias de 20%3, o que pode
afetar ainda mais o mercado. Em 2020, a partir de março, com
a chegada da covid-19, logo pôde-se sentir as primeiras consequências,
principalmente para os pequenos produtores de leite, que diminuíram ou perderam
seus pontos de venda, muitos deles que atendiam demandas de pequenos laticínios4.
Isso ocorreu devido à corrida inicial dos consumidores aos supermercados para
estocar alimentos, entre eles o leite UHT, o que impactou na disponibilidade do
produto nas gôndolas dos supermercados, e ainda ao fechamento de lanchonetes,
pizzarias etc., na maioria compradores de queijos de pequenos laticínios. Para analisar o período,
utilizou-se o banco de dados do Instituto de Economia Agrícola, complementado
por dados da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), do Centro
de Estudos Avançados em Economias Aplicada, do Banco Central, do Instituto de
Pesquisa Econômica Aplicada e do Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística. Segundo o Instituto de Economia
Agrícola5, o comportamento dos preços do leite recebidos pelos
produtores em 2021, no estado de São Paulo, começou o ano com o preço de R$1,92,
em patamar próximo ao de dezembro de 2020 (R$1,91), seguindo a tendência de
alta que vinha acontecendo desde junho de 2020 (38,4% no ano). A estagnação do
mercado em função da pandemia, com a entrada da entressafra de 2021, levou o
setor à redução da produção e à alta de preços (Tabela 1). Os custos de produção também foram
impactados para cima e, no período de um ano, tiveram um aumento de 20,5% no
estado de São Paulo, valor superior à elevação nacional, que foi de 17,7%,
segundo informações do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada6
(Figura 1). Segundo levantamento da Embrapa7,
por meio do cálculo do Índice de Custo de Produção de Leite (ICPLeite), o
aumento dos custos para todo país foi ainda maior, de 34,5% no acumulado em 12
meses, até o mês de outubro de 2021. Vários fatores contribuíram
para a alta desse custo. O mais importante foi a alimentação do gado, que em
2021 teve forte importância no período da entressafra em função dos pastos comprometidos
no período do outono e inverno, pelas características do clima que esteve mais
seco e apresentou geadas. Isso afetou os pastos e reduziu a produção e trouxe a
necessidade de maior suplementação na dieta do gado leiteiro, levando ao
crescimento dos gastos. Itens como “alimentação concentrada, produção e compra
de volumosos, sal mineral, energia e combustíveis”8 tiveram peso
grande no aumento dos custos. O produtor teve que arcar com
altas nas compras do principal insumo para alimentação do gado, o milho, que
teve altas expressivas desde 2020, continuada em 2021 no estado de São Paulo9,
com variações que alcançaram 117%, comparando o preço de maio de 2020 com o de
maio de 2021. No ano de 2021, a variação até outubro foi de 13,0% para o saco
de 60 kg e, apesar de ser menor que o de 2020 (48,0%), se for considerado o
impacto acumulado, mostra-se o grande peso que o milho teve na alimentação
nesses últimos dois anos (Tabela 2). No ano, a inflação acumulada em
12 meses alcançou 10,06%10, conforme o IPCA do IBGE, o que não acontecia
desde 2016 (Tabela 3). Isso causou reflexos profundos na economia e nos preços
praticados, principalmente quando se tem em conta que itens que mais pesam,
como o transporte e os fertilizantes, foram grandemente impactados pela alta do
petróleo e por consequência do diesel, que teve aumento expressivo em 2021,
acumulando alta de 41% até setembro de 202111. O barril do petróleo
teve cotações muito superiores ao ano de 2020 (Figura 2), que causou impacto
direto nos custos do leite12 Por outro lado, há um regime
cambial flutuante que desde 2020 vem tendo altas que se mantiveram em 2021 em
elevadas cotações, gerando impacto na inflação e também na economia como um
todo, afetando o preço dos insumos importados (Figura 3). A elevação do índice
inflacionário levou a alta dos juros (taxa Selic) e além disso afetou os
investimentos na atividade. Os preços médios do leite
praticados no mercado atacadista do estado de São Paulo em 2021, segundo o
CEPEA13, tiveram dois meses com elevações mais expressivas que
impactaram igualmente os preços: de março para abril (3,91%) e de maio para
junho (5,68%), mostrando mais uma vez as consequências da entressafra. Mesmo
tendo algumas quedas, essas foram menores em relação às altas, chegando em
novembro de 2021 a R$3,26. O
abandono da atividade, com venda de parte do rebanho e até migração para outras
atividades, também pesou na atividade leiteira, reduzindo a produção. Segundo
dados da Pesquisa Trimestral do Leite14, houve uma redução de 4,9%
na captação do leite no terceiro trimestre de 2021 em relação ao mesmo período
de 2020, apesar de ser 6,1% maior que o volume captado no segundo trimestre do
mesmo ano, o que normalmente ocorre e é esperado15. As
importações, que normalmente ocorrem para atender a demanda interna e pela
procura do mercado por preços mais competitivos, era uma das preocupações dos
produtores. No entanto, não ocorreram em 2021, pois os altos preços praticados
no mercado internacional, devido à maior procura de regiões como a Ásia e
África, desestimularam as compras externas pelo Brasil. Segundo dados do
Comexstat16, houve redução de 16% no volume das compras externas no
período de novembro de 2020 a 2021. Tendo em conta os
aspectos comentados, percebe-se um cenário que mostra que as altas de vários
itens importantes têm sido reais, levando à prática de valores superiores no
mercado. Para deixar mais claro, se for observado o período de cinco anos,
podemos ver claramente que os preços médios recebidos pelos produtores de leite
tiveram altas expressivas a partir de agosto de 2020 e mesmo assim o produtor
não está satisfeito com os preços recebidos, em função dos altos custos que têm
tido com a atividade (Figura 4). As expectativas podem ser mais
positivas com o início do pagamento do Auxílio Brasil, que vem substituir o
Bolsa Família, já que o valor passou de R$224,00 para R$400,00 para o período
de dezembro de 2021 a dezembro de 2022. No entanto, de início só seriam
beneficiados aqueles que já recebiam o benefício anterior e aos poucos devem
ser integrados aqueles que estão no Cadastro Único, seguindo algumas regras17. Aos poucos a atividade, com a
saída de pequenos e médios produtores devido às dificuldades para produzir e
ainda pela mudança de característica da produção, com o crescimento do confinamento,
visando diminuir o volume de captação de leite na entressafra, pode levar a uma
reconfiguração do setor, com uma possível reestruturação da atividade. O cenário econômico em 2022 não
deve sofrer grandes mudanças, diante da crise pandêmica mundial que deve ainda
permanecer por algum tempo e afetar a economia mundial. As mudanças climáticas
que estão se recrudescendo cada vez mais, também não devem aliviar o cenário.
Assim, resta esperar que políticas sociais possam aliviar a pressão negativa
sobre o consumo e que, com isso, pelo menos o consumo de leite fluido volte a
se estabilizar. 1RAMOS,
S. F.; SILVA, R. O. P.; VEGRO, C. L. R. Eventos climáticos, pandemia e
insegurança alimentar. Análises e
Indicadores do Agronegócio, São Paulo, v. 16, n. 9, p. 1-6, 2021.
Disponível em: http://www.iea.sp.gov.br/ftpiea/AIA/AIA-38-2021.pdf. Acesso em:
21 dez 2021. 2AUXÍLIO
Emergencial 2021. Caixa, Brasília,
[2020]. Disponível em: https://www.caixa.gov.br/auxilio/ auxilio2021/Paginas/default.aspx.
Acesso em: 12 ago. 2021. 3LEITE, J. B. L. et al. Nota de conjuntura: mercado de leite e derivados, dezembro de 2021.
Juiz de Fora: Embrapa Gado de Leite, 2021. Disponível em:
https://www.cileite.com.br/nota_conjuntura_dez_2021. Acesso em: 21 dez. 2021. 4SILVA, R. O. P. Primeiros impactos do coronavírus no mercado de leite e
derivados. Análise e Indicadores do Agronegócio, São Paulo, v. 15, n. 4, p.
1-5, 2020. Disponível em: http://www.iea.sp.gov. 5INSTITUTO DE
ECONOMIA AGRÍCOLA. Banco de dados: preços
médios recebidos pelos agricultores. São Paulo: IEA, 2021. Disponível em:
http://ciagri.iea.sp.gov.br/nia1/precos_medios.aspx?cod_sis=2. Acesso em: 21 dez. 2021. 6CENTRO DE ESTUDOS
AVANÇADOS EM ECONOMIA APLICADA. Variação
mensal do índice de custos de produção de leite. Piracicaba: CEPEA, 2021.
Disponível em:
https://www.cepea.esalq.usp.br/br/variacao-mensal-do-indice-de-custos-de-producao-de-leite.aspx.
Acesso em: 21 dez. 2021. 7Op. cit. nota 3. 8Op. cit. nota 3. 9INSTITUTO DE
ECONOMIA AGRÍCOLA. Banco de dados:
preços médios mensais pagos pela agricultura. São Paulo: IEA, 2021. Disponível
em: http://ciagri.iea.sp.gov.br/bancoiea_Teste/pagos2.aspx?cod_sis=5. Acesso
em: 23 dez. 2021. 10BANCO CENTRAL DO
BRASIL. Calculadora do cidadão:
correção de valores. Disponível em:
https://www3.bcb.gov.br/CALCIDADAO/publico/exibirFormCorrecaoValores.do?method=exibirFormCorrecaoValores.
Acesso em: 3 jan. 2021. 11PREÇO do diesel
sobe em setembro e está 41% mais caro em 2021. Canal Rural, S. l., 18 jan. 2021. Disponível em:
https://www.canalrural.com.br/noticias/preco-diesel-setembro/. Acesso em: 28
dez. 2021. 12INSTITUTO DE
PESQUISA ECONÔMICA APLICADA. Cotação por
barril do petróleo bruto Brent (FOB). Brasília: IPEA: 2020-2021. Disponível
em: http://www.ipeadata.gov.br/ExibeSerie.aspx?module= m&serid=1650971490&oper=view.
Acesso em: 20 dez. 2021. 13Op. cit. nota 6. 14INSTITUTO
BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Pesquisa
trimestral do leite. Rio de Janeiro: IBGE, 2021. Disponível em:
https://www.ibge.gov.br/estatisticas/economicas/agricultura-e-pecuaria/9209-pesquisa-trimestral-do-leite.html?=&t=destaques.
Acesso em: dez. 2021. 15Op. cit. nota 14. 16MINISTÉRIO DA
ECONOMIA. Secretaria de Comércio Exterior. Sistema
ComexStat: exportação e importação geral. Brasília: ME: SECEX, 2021.
Disponível em: http://comexstat.mdic.gov.br. Acesso em: 30 dez. 2021. 17GOVERNO federal
inicia pagamento do Auxílio Brasil com valor mínimo de R$ 400. Ministério da Cidadania, Brasília, 10
dez. 2021. Disponível em:
https://www.gov.br/cidadania/pt-br/noticias-e-conteudos/desenvolvimento-social/noticias-desenvolvimento-social/governo-federal-inicia-pagamento-do-auxilio-brasil-com-valor-minimo-de-r-400.
Acesso em: 10 jan. 2022. Palavras-chave: leite,
mercado, ano 2021, preços, indicadores econômicos. COMO CITAR
ESTE ARTIGO SILVA, R. de O. P. e. Comportamento do mercado de leite em 2021 e
expectativa para 2022. Análises e
Indicadores do Agonegócio, São Paulo, v. 17, n. 1, p. 1-8, jan. 2022.
Disponível em: link. Acesso em: dd mmm. aaaa.
br/ftpiea/AIA/AIA-28-2020.pdf. Acesso em: 7 dez. 2021.
Data de Publicação: 19/01/2022
Autor(es): Rosana de Oliveira Pithan e Silva (rosana.pithan@sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor