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Leite Quente Bem Adoçado
Em
setembro de 2020, a mídia foi inundada por notícias destacando a disparada dos
preços de itens da cesta básica essenciais na alimentação da população
brasileira. O Instituto de Economia Agrícola (IEA) detectou esses aumentos ao
final de julho1, trazendo o primeiro alerta nacional em tom
preocupante, uma vez que as classes populares são absolutamente dependentes
desses alimentos encarecidos. Embora
os holofotes estejam direcionados para itens como arroz, óleo de soja, feijão e
carne bovina, a composição do café da manhã registrou também elevação à
contabilizada pelo "prato feito" nos primeiros sete meses do ano.
Considerando um conjunto de alimentos e bebidas comuns nas refeições matinais,
o dispêndio per capita mensal saltou
nos primeiros sete meses do ano, de R$39,73 para R$41,29, ou seja, incremento
de 3,91% (Tabela 1). Tabela 1 –
Preço Médio, Variação Percentual, Quantidade Adquirida e Dispêndio per Capita Mensal, Município de São
Paulo, Janeiro a Julho de 2020 Produto Unidade Preço médio (R$) Var. % no ano Quantidade Dispêndio per
capita (R$) Jan./2020 Jul./2020 Jan./2020 Jul./2020 Leite LV l 3,23 3,68 13,93 3,500 11,31 12,88 Pão francês kg 12,16 11,86 -2,47 1,125 13,68 13,34 Pão de forma kg 5,32 5,25 -1,32 0,150 0,80 0,79 Café kg 8,85 9,10 2,82 0,400 3,54 3,64 Achocolatado kg 5,71 5,76 0,88 0,100 0,57 0,58 Açúcar kg 2,65 2,48 -6,42 1,250 3,31 3,10 Manteiga kg 8,84 8,87 0,34 0,050 0,44 0,44 Margarina kg 4,88 4,90 0,41 0,200 0,98 0,98 Mortadela kg 21,20 21,46 1,23 0,050 1,06 1,07 Queijo minas kg 28,75 31,36 9,08 0,040 1,15 1,25 Laranja dz. 5,24 5,51 5,15 0,420 2,20 2,31 Mamão kg 4,65 5,97 28,39 0,150 0,70 0,90 Total - - - 3,91 - 39,73 41,29 Fonte: INSTITUTO DE ECONOMIA
AGRÍCOLA. Preços médios mensais no
varejo. São Paulo, IEA, 2020. Disponível em: http://ciagri.iea.sp.gov.br/nia1/precos_medios.aspx?cod_sis=4.
Acesso em jul. 2020. Os preços médios de todos os
itens são provenientes do levantamento sistemático no mercado varejista de
alimentos, realizado no município de São Paulo e conduzido pelo IEA. As
estimativas de consumo per capita
foram obtidas na Pesquisa de Orçamentos Familiares da Fundação Instituto de
Pesquisas Econômicas (POF/FIPE) de 2011/132. A quantidade adquirida de
produtos para preparação do café da manhã consiste em média proveniente por
extrapolação, ou seja, obtida por meio de estudos amostrais em que se pretende
chegar a um valor populacional que represente, com a maior fidelidade possível,
o valor per capita; portanto, podem
existir variações por regiões, renda, composição familiar etc.3 O percentual observado nos itens
de café da manhã de janeiro a julho situa-se próximo ao verificado no dispêndio
do prato feito de janeiro a junho deste ano4. Atualizando o
dispêndio da refeição do almoço/jantar para julho, a diferença percentual dos
valores de aquisição das duas refeições é mínima (0,15%), uma vez que o custo
de variação com a composição do café da manhã foi de 3,91%, enquanto o do prato
feito foi de 4,06% em igual período, ou seja, os preços das duas refeições
apresentam crescimento semelhante no seu dispêndio. No período de janeiro a julho de
2020, o dispêndio com os itens que compõem o café da manhã aumentou mais de
oito vezes em relação ao índice oficial de inflação do Brasil (IPCA) que, entre
janeiro e julho, totalizou 0,45%. Os custos com alimentação começam a atingir
patamares que, frente ao rendimento médio da população, tornam-se
crescentemente inacessíveis. O produto de maior alta no
mercado varejista paulistano foi o mamão5, registrando elevação de
28,39% no período considerado. Tal majoração não decorre totalmente de fatores
sazonais, pois os preços sofrem tratamento estatístico para atenuar esse viés.
Assim, os preços do mamão refletem, aparentemente, a busca pela população de
alimentação mais saudável como resposta ao ambiente incerto irrompido no curso
da pandemia. O leite longa vida registrou a
segunda maior alta (13,93%) no período considerado. Essa elevação decorre da
entressafra sazonal do produto associado aos reflexos sobre o consumo
decorrentes da pandemia. A corrida aos supermercados, em março, abril e maio, para
formação de estoques por parte da população, e a concessão do auxílio
emergencial entre julho e agosto para os mais prejudicados pela crise sanitária
provocaram a alta sustentada dos preços que se mantém, ainda, em setembro. Naturalmente que o terceiro
produto que teve maior alta dos preços foi o queijo minas, contabilizando 9,08%
no período. No custo de produção desse tipo de queijo, são necessários
aproximadamente 10 litros de leite fresco para obtenção de um quilograma do
derivado. Assim, a elevação dos preços da matéria-prima carreou aumentos
similares ao produto agroindustrial; estes somente foram menores que o do leite
fresco, devido à queda nas vendas para o segmento de hotéis, restaurantes e
cafés O quarto item de maior elevação
de preços foi a laranja. Como já decantado nas análises especializadas, esse
aumento decorreu da conexão entre vitamina C e maior imunidade que, porém,
carece de comprovação científica. Tal fenômeno não ocorreu exclusivamente no
Brasil, senão mundialmente com a escalada dos preços internacionais do suco de
laranja decorrente do encolhimento da safra paulista. Finalmente, o café torrado e
moído (com alta de 2,82%) teve comportamento similar ao do leite longa vida, cuja
corrida aos supermercados fez a demanda crescer 35% em março. Depois disso,
houve uma estabilização na demanda, mas em patamar elevado, o que tem
sustentado a alta de preços no varejo. Entre agosto e setembro, as cotações
internacionais do produto foram pressionadas, o que poderá gerar novas altas
para o produto consumido internamente. Os aumentos, porém, não foram
generalizados, pois houve itens que exibiram queda em seus preços, destacando-se
o açúcar, que contabilizou -6,42% de baixa no período. A pandemia reduziu a
demanda por etanol e, com isso, a estratégia para processamento da cana-de-açúcar
foi reverter à moagem para produção de açúcar. Paradoxalmente, o pão francês e o
de forma foram itens que tiveram seus preços reduzidos nos primeiros sete meses
do ano. Produto que emprega farinha de trigo (grande parte importada) na sua
composição deveria ter recebido repasses da escalada do dólar observada no ano.
Entretanto, os itens registram baixas de -2,47% e -1,32%6,
respectivamente. O apelo público para que a população permanecesse em casa
motivou muitas famílias a fazerem seu próprio pão, reduzindo a ida às padarias
e aos supermercados para trazer o item para casa. Essa queda nos preços do
pãozinho restringiu o impacto da alta do café da manhã, tornando-o menos
acentuado. Alimentar-se dignamente ao
princípio do dia tornou-se uma batalha diante da escalada dos preços que se
registra. Mantida essa tendência de sucessivos incrementos nos preços dos
alimentos e bebidas, o prazeroso momento matinal, em que o café coado esparrama
aquele delicioso aroma pela cozinha, passará a ser conhecido como o do pesadelo
perfeito. 1MARTINS,
V. A.; VEGRO, C. L. R. Prato (Des)Feito. Análise e Indicadores do Agronegócio,
v. 15, n. 7, p. 1-5, jul. 2020.
São Paulo: IEA, 2020. Disponível em: http://www.iea.sp.gov.br/ftpiea/AIA/AIA-60-2020.pdf.
Acesso em: 16 set. 2020. 2FUNDAÇÃO
INSTITUTO DE PESQUISAS ECONÔMICAS. Pesquisa
de Orçamentos Familiares. São Paulo, POF, 2011-2013. Disponível em: https://www.fipe.org.br/pt-br/indices/pof/.
Acesso em: set. 2020. 3INSTITUTO
DE ECONOMIA AGRÍCOLA. Preços médios
mensais no varejo. São Paulo, IEA, 2020. Disponível em:
http://ciagri.iea.sp.gov.br/nia1/precos_medios.aspx?cod_sis=4. Acesso em jul.
2020. 4Op.
cit. nota 1. 5Considerando
os últimos 12 meses, o quilograma do mamão no município de São Paulo exibiu
queda de -3,40%, uma vez que em julho de 2019 o preço médio contabilizado pelo
IEA foi de R$6,18/kg, demonstrando que não se trata de efeito sazonal, mas
incremento da demanda ou queda da oferta. 6A
Fundação Instituto de Pesquisa Econômica (FIPE) registrou o valor de R$11,80
para o quilograma do pão francês, em julho, na cidade de São Paulo. Tal
montante é muito similar ao contabilizado pelo IEA, que foi de R$11,86 para o
mesmo mês.
Palavras-chave: inflação dos alimentos, café da manhã, preço
da alimentação. COMO
CITAR ESTE ARTIGO VEGRO,
C. L. R.; MARTINS, V. A. Leite quente bem adoçado. Análises e Indicadores do
Agronegócio, São Paulo, v. 15, n. 10, out. 2020. Disponível em: colocar o link do artigo. Acesso em: dd mmm. aaaa.
(HORECA), associada a um aperto nas margens de comercialização.
Data de Publicação: 01/10/2020
Autor(es):
Celso Luís Rodrigues Vegro (celvegro@sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor
Vagner Azarias Martins (vagnermartins@sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor