Cotações Futuras do Café Sustentadas por Dólar Desvalorizado


 

Políticas públicas destinadas a mitigar os impactos sobre os negócios privados e famílias promoveram imenso relaxamento fiscal nas principais economias desenvolvidas. O aumento da oferta de moeda (em especial o dólar estadunidense e o euro) gerou liquidez jamais observada nos mercados de capitais. Esse fenômeno, associado ao declínio das trocas internacionais devido ao choque de demanda pandêmica, levou à perda de valor especialmente do dólar frente às demais moedas, não sendo o real uma exceção a esse movimento especulativo (Figura 1).

 

A abrupta queda das importações brasileiras, ocorrida a partir de abril de 2020, produziu revisões altistas na balança comercial do país, estimando-se que o saldo possa ficar até US$20 bilhões acima do previsto inicialmente em janeiro do corrente ano. Ademais, o conflito de diretrizes para os rumos de combate à pandemia associado à perda de confiança nas instituições têm promovido fuga de estrangeiros da bolsa, propiciando menor pagamento de dividendos, ou seja, menor demanda por dólares no mercado doméstico. Enfim, a soma de fatores pode manter desvalorizado dólar nos próximos meses, com reflexos para a formação de preços para as commodities, ainda que tal fenômeno no Brasil, devido aos problemas internos, não seja tão evidenciado.

As condições sanitárias para a volta do consumo de café fora do lar começam a ser reestabelecidas na maior parte dos maiores mercados importadores. Tal fato é um alento ao mercado, podendo trazer repercussões para a formação dos preços futuros.

As cotações médias semanais no mercado de café arábica negociado na Bolsa de Nova York, em julho de 2020, oscilaram com movimento baixista na primeira quinzena e alavancado na segunda. Assim, enquanto na primeira semana do mês de julho a média das cotações futuras de dezembro de 2020 alcançava US$?105,93/lbp, na última saltou para US$? 116,05/lbp, ou seja, incremento de 9,55% no período (Figura 2). Tal movimento altista, durante o mês de julho de 2020, ocorreu a expensas do registro de elevação dos estoques nos armazéns estadunidenses, conforme relatório da Green Coffee Association2 (+210.255 sc.). Aparentemente, o produto vem sendo procurado pelos agentes econômicos como estratégia diversificação dos ativos de composição de sua carteira de investimentos. Muitas incertezas rondam os mercados pautados pelo acirramento do conflito comercial EUA x China, descontrole do avanço da pandemia e dúvidas sobre a possibilidade de recuperação econômica estadunidense, democratas na liderança do processo eleitoral nos EUA, queda mais forte do PIB na UE do que o inicialmente estimado etc.

A alta nas cotações em plena colheita brasileira surpreende ainda mais, pois se trata de safra de ciclo de alta com previsões de oferta do país oscilando entre 59 a 67 milhões de sacas, com produto da safra nova já na linha de embarque para o exterior. Assim, os importadores devem estar com boas perspectivas de recuperação do consumo da bebida, especialmente fora do lar.

Em julho de 20203, os preços recebidos pelos cafeicultores paulistas no principal cinturão de cultivo da lavoura, regional de Franca, iniciou o mês com preço de R$512,20/sc., encerrando-o no patamar de R$561,45/sc., ou seja, elevação ao longo do mês de 9,61%, muito aderente à elevação verificada no mercado futuro de Nova York. O preço recebido médio foi de R$520,89/sc. que representa, pelo dólar médio de julho de 2020 de R$5,28/US$, valor de US$98,65/sc. Efetuadas as devidas conversões, esse montante representa US$?130,88/lbp. Contratos para entrega em dezembro de 2020, conforme assinalado, fecharam na média de US$166,05/lbp. Supondo em 20% o desconto referente ao diferencial do café brasileiro frente ao contrato C, pagamentos de taxas e de emolumentos, alcança-se a cotação de US$132,84/lbp, ou seja, apenas US$1,96/lbp (pouco mais de R$13,00/sc.), montante, aparentemente, insuficiente para atrair os cafeicultores e suas cooperativas na contratação de hedge.

 

As cotações do café robusta da Bolsa de Londres ao longo de julho de 2020 exibiram comportamento similar às observadas para o arábica, uma vez que elas foram baixistas na primeira quinzena, passando para altistas na segunda (Figura 3). A torrefação de café, por parte das grandes transnacionais, tem se assentado em aumento do robusta no blend para fazer frente à demanda de produto para consumo no lar, que registra grande elevação na maior parte dos mercados de países produtores e consumidores.

Em 2020, considerando o período de janeiro a junho, houve incremento de 29% nos embarques de café conilon brasileiro frente a igual período do ano anterior. Assim, o total exportado pelo país no período alcançou 2,12 milhões de sacas de café verde, acrescido de outras 2,0 milhões de sacas de solúvel (em equivalente verde)4. Com o início dos embarques da nova safra de robusta, há potencial de as exportações totais fecharem 2020 acima das 4 milhões de sacas.

A partir da quarta semana do mês de julho, os participantes do mercado de café representados pelos fundos e grandes investidores voltaram a adquirir contratos de arábica, conduzindo-os a uma posição líquida menos desfavorável (Tabela 1). Como mencionado, o arábica pode estar compondo as carteiras de investimento como alternativa à diversificação de carteiras frente às incertezas que a economia mundial exibe.

 

Aparentemente, a colheita brasileira rumou para seu encerramento e não foi capaz de alterar as expectativas de alta para as cotações do café. Tal perspectiva não decorre de possibilidade de geada e tampouco de desabastecimento do mercado, pois, como já se alertou nos relatórios internacionais, haverá expansão dos estoques mundiais. Assim, reforça-se a impressão de que a diversificação das carteiras é o fundamento mais provável para essa elevação das cotações. Somam-se a esse fato o aumento da liquidez nos mercados cambiais e a intensificação da disputa geopolítica envolvendo os maiores players do comércio internacional.

 

 

 

1O autor agradece o trabalho de sistematização do banco de dados econômicos conduzido por Paulo Sérgio Caldeira Franco, Agente de Apoio à Pesquisa Científica e Tecnológica do IEA.

 

2GREEN COFFEE ASSOCIATION. Warehouse coffee stocks. New York: Green Coffee Association, July 2020. Disponível em: http://greencoffeeassociation.org/images/uploads/6-2020_Warehouse_Stocks.pdf. Acesso: 06 ago. 2020.

 

3INSTITUTO  DE  ECONOMIA  AGRÍCOLA. Preços médios diários recebidos pelos produtores. São  Paulo: IEA,  2020.  Disponível  em: http://ciagri.iea.sp.gov.br/precosdiarios/precosdiariosrecebidos.aspx?cod_sis=6. Acesso em: 6 jul. 2020.

 

4CONSELHO DOS EXPORTADORES DE CAFÉ DO BRASIL. Relatório Mensal julho/2020. São Paulo: CECAFÉ, 2020. Disponível em: www.cecafe.com.br. Acesso em: jul. 2020.

 

Palavras-chave: Bolsa de Mercadorias, cotações do café, mercado futuro.


Data de Publicação: 19/08/2020

Autor(es): Celso Luís Rodrigues Vegro (celvegro@sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor