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Prato (Des)feito
Uma das repercussões na alimentação
das pessoas a partir do período de quarentena em virtude da covid-19 foi o
aumento da preparação das refeições no lar. O fator preponderante desta
alteração no comportamento alimentar ocorreu devido à adesão de muitas empresas
públicas e privadas ao sistema de trabalho conhecido por home-office. Tradicionalmente no Brasil, um tipo
de refeição conhecida por “PF” (prato feito) é largamente consumido fora do
lar. Há, evidentemente, variações na sua composição, mas o prato mais comum é
formado por arroz, feijão, salada (alface e tomate), batata e uma proteína
animal (opta-se por carne bovina, suína, frango ou ainda ovo)1. O artigo pretende avaliar a variação
de preços médios dos itens que compõem esta refeição e o dispêndio per capita para sua aquisição nos meses
de janeiro e de junho de 2020. Considera-se neste trabalho que a refeição foi
feita na residência e não adquirida por delivery.
Para o cálculo dessa variação, foram contabilizados apenas os dispêndios com os
itens alimentícios. Os custos com gás de cozinha, energia elétrica, dentre
outros, não foram considerados. Nessa abordagem, o PF aqui analisado
será composto pelos preços médios dos seguintes itens: arroz (tipo I, II e
parboilizado), feijão (variedades carioquinha, preto e jalo), carne bovina
(cortes), carne suína (cortes), carne de frango (frango inteiro), ovos (branco
e vermelho), tomate (maduro e salada), batata, cebola (nacional e estrangeira)
e óleo de soja. O preço médio dos produtos é ponderado pelos tipos e variedades,
local de aquisição e fatores socioeconômicos regionalizados. Os itens cebola e óleo de soja farão
parte do dispêndio por serem indispensáveis na montagem do prato. Os preços médios de todos os itens
são provenientes do levantamento sistemático no mercado varejista de alimentos
realizado no município de São Paulo conduzido pelo Instituto de Economia
Agrícola (IEA)2. As estimativas per capita de consumo foram obtidas por
diversas fontes com intuito de buscar um valor atualizado para cada item: carne
bovina3, carne suína4, carne de frango5 e ovos6, arroz7, feijão, batata, cebola e tomate8. A tabela 1 traz as informações dos
meses de janeiro e junho de 2020 em reais por unidade de venda, variações,
quantidade adquirida para consumo domiciliar e dispêndio per capita. O pressuposto do
trabalho é que a composição alimentar PF é consumida diariamente pelas pessoas,
em que a variação do prato se dá pela proteína animal (destaque em azul na
Tabela 1). Em relação à variação
simples de preços dos produtos entre os meses de janeiro e junho, observa-se
que dois itens (carne suína e frango) tiveram seus valores médios de venda
reduzidos em 3,09% e 6,51%, respectivamente. Os demais nove produtos em análise
seguiram caminho oposto, com destaque para as variações positivas de cebola
(50,96%), feijão (37,61%) e batata (29,95%). Com estes resultados, é possível
observar claramente que os produtos de origem vegetal pressionaram mais o
dispêndio do que os de origem animal, exceção feita aos preços médios de ovos,
que variaram 21,58%, sendo a proteína que mais aumentou na comparação entre
janeiro e junho deste ano (permanecendo no prato, porém, por ser ainda a mais
barata delas). As justificativas das
variações de preços estão discutidas em Martins et al.9. Em linhas gerais, o preço da cebola
foi fortemente influenciado pelo período de entressafra e variação do dólar, o
feijão foi afetado por adversidades climáticas em dois importantes estados
produtores, Paraná e Minas Gerais, e em relação ao arroz está ocorrendo um
reposicionamento da produção no equilíbrio entre oferta e demanda. Por fim, os
preços de ovos se elevaram em virtude de demanda aquecida10. A quantidade adquirida11 de alimentos para as refeições
feitas no lar é uma média proveniente por extrapolação, ou seja, através de
estudos amostrais pretende-se chegar a um valor populacional que represente com
a maior fidelidade possível o valor per
capita; portanto, há variações por regiões, renda, composição familiar etc. Em termos de quantidade
adquirida para a composição da refeição, a cebola possui o menor valor (0,35),
ou seja, individualmente são adquiridos 350 gramas por mês e, portanto, embora
apresente a maior variação de preços no período, o peso no dispêndio é baixo. O
arroz e feijão, clássicos na refeição do brasileiro, somaram em janeiro
dispêndio de R$16,55 e em junho R$20,44, aumento de 23,51% no período. A carne
bovina e o frango são os itens de maior peso no dispêndio, com quantidade média
mensal adquirida de 3,50 kg: a carne bovina teve um dispêndio parecido em
janeiro e junho, com R$96,43 e R$97,55, respectivamente. Embora aparente não
ter “pesado” no bolso do consumidor em termos de variação de preços, deve-se
considerar que este item sofreu fortes reajustes no final de 2019 e, portanto,
iniciou o ano com preços valorizados. A carne de frango pode ser considerada a
proteína animal de desafogo para os consumidores; na comparação entre os meses,
o preço médio caiu em 6,51% devido à boa oferta do produto. No dispêndio total,
observa-se aumento de 3,91% entre janeiro e junho, quando o custo para
preparação do prato feito no domicílio passou de um valor mensal de R$186,70
para R$194,00. Se dividirmos o valor de junho por 30 dias, chega-se ao
dispêndio per capita diário de R$6,47
para fazer a refeição no domicílio. Comparativamente ao Índice de Preços ao
Consumidor Amplo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IPCA/IBGE)12, que em igual período acumulou
-0,47%, verifica-se que ao final do 1º semestre de 2020, período marcado pela
pandemia da covid-19, houve um importante aumento real no dispêndio com a
refeição tradicional prato feito, corroendo em aproximadamente 4% o já
debilitado orçamento familiar. Por fim, ressalta-se que a
escalada dos preços para produção doméstica de um modesto PF demonstra o quão
crescentemente custoso tem sido alimentar-se com um mínimo de dignidade.
Mantida essa tendência de sucessivos incrementos nos preços dos alimentos, o
momento da refeição passará a ser conhecido como o do prato (des)feito. 1ALIMENTAÇÃO em casa x alimentação na rua. Laboratório de Avaliação Nutricional –
LANUTRI, Rio de Janeiro. Disponível em:
https://lanutri.injc.ufrj.br/2019/12/09/alimentacao-em-casa-x-alimentacao-na-rua/.
Acesso em jul. 2020. 2INSTITUTO
DE ECONOMIA AGRÍCOLA – IEA. Banco de dados:
preços médios mensais no varejo. São Paulo, IEA, 2020. Disponível em:
http://ciagri.iea.sp.gov.br/nia1/precos_medios.aspx?cod_sis=4. Acesso em jul.
2020. 4CARNE suína: mercado doméstico ainda é um gigante a ser conquistado. NSC Total, Florianópolis,
18 fev. 2020. Disponível em:
https://www.nsctotal.com.br/noticias/carne-suina-mercado-domestico-ainda-e-um-gigante-a-ser-conquistado.
Acesso em jul.
2020. 5PARA OCDE, Brasil é o
sétimo maior consumidor per capita de carne de frango do mundo. AviSite,
Campinas, 7 mar. 2019. Disponível em:
https://www.avisite.com.br/index.php?page=noticias&id=19635. Acesso em jul.
2020. 6CONSUMO Per Capita de Ovos no Brasil e nos Estados Unidos. AviSite,
Campinas, 19 dez. 2019. Disponível em: https://www.avisite.com.br/index.php?page=noticias&id=20461#:~:text=Segundo%20dados%20divulgados%20 7Brasileiro consome 34 quilos de
arroz por ano. Abiarroz,
Cachoeira do Sul, 12 ago. 2019. Disponível em: https://www.planetaarroz.com.br/noticias/18376/_Brasileiro_consome_34_quilos_de_arroz_por_ano_ap 8FUNDAÇÃO INSTITUTO DE PESQUISAS
ECONÔMICAS - FIPE. Pesquisa de Orçamentos Familiares 2011-13, São Paulo. Disponível em:
https://www.fipe.org.br/pt-br/indices/pof/. Acesso em: jun. 2020. 9MARTINS, V. A.; FAGUNDES, P. R. S;
VEGRO, C. L. R. Avaliação do Impacto da
Covid-19 na Cesta de Mercado de Alimentos do Município de São Paulo. Análise e Indicadores do Agronegócio,
v. 15, n. 7, p. 1-9, jul. 2020. Disponível em: http://www.iea.sp.gov.br/ftpiea/AIA/AIA-56-2020.pdf. Acesso em: jun. 2020. 10VEGRO, C. L. R. Downsizing proteico. Análise de Indicadores do Agronegócio, v. 12, n. 1, p.
1-3, jan. 2017. Disponível em:
http://www.iea.sp.gov.br/ftpiea/AIA/AIA-01-2017.pdf. Acesso em jun. de 2020. 11A quantidade
adquirida de um produto é o resultado obtido pelas Pesquisas de Orçamentos
Familiares (POFs) a partir do acompanhamento das compras diárias de alimentos
realizados pelos consumidores amostrados na pesquisa. A estimativa reflete a
aquisição média e consideram-se aqui todos os perfis de consumo da população. 12INSTITUTO
BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICAS - IBGE. Divulgação de Indicadores, Rio de Janeiro, 2020.
Disponível em: https://www.ibge.gov.br/calendario-indicadores-novoportal.html. Acesso em: jun. 2020. Palavras-chave: mercado varejista, alimentos, prato feito, dispêndio per capita.3FLÔR, R. Consumo de carne per capita no Brasil é de 42,12kg
por ano. Sistema Brasileiro do Agronegócio – SBA, Campo
Grande, 14 out. 2019. Disponível em: https://sba1.com/noticias/noticia/7017/Consumo-de-carne-per-capita-no-Brasil-e-de-42-12kg-por-ano#:~:text=Consumo%20de%20carne%20per%20capita,SBA1%
20%7C%20Sistema%20Brasileiro%20do%20Agroneg%C3%B3cio. Acesso em jul. 2020.
nos%20%C3%BAltimos,a%2018%20ovos%20a%20mais. Acesso em jul.
2020.
onta_pesquisa_inedita#:~:text=O%20consumo%20per%20capita%20de,de%2034%20quilos%20por%20ano.
Acesso em jul. 2020.
Data de Publicação: 29/07/2020
Autor(es):
Vagner Azarias Martins (vagnermartins@sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor
Celso Luís Rodrigues Vegro (celvegro@sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor