Colheita Mecanizada da Cana-de-açúcar Atinge 95,3% das Áreas Produtivas do Estado de São Paulo na Safra Agrícola 2018/19


 

1 - LEVANTAMENTO SISTEMÁTICO DO ÍNDICE DE MECANIZAÇÃO NA CANA-DE-AÇÚCAR, SÃO PAULO

O Instituto de Economia Agrícola (IEA), em parceria com a Coordenadoria de Desenvolvimento Rural Sustentável (CDRS), iniciou, desde a safra agrícola 2007/08, levantamento estatístico sobre a evolução gradativa da adoção tecnológica na colheita da cana-de-açúcar, substituindo o trabalho manual pelo uso da força mecanizada1, 2.

Esse acompanhamento é realizado anualmente no mês de novembro por meio do levantamento Previsão e Estimativas de Safra do Estado de São Paulo, aplicado em todos os municípios do Estado de São Paulo. Conta-se com as informações prestadas por engenheiros agrônomos e técnicos agrícolas das Casas de Agricultura da CDRS, que devem responder sobre o percentual de área de cana-de-açúcar colhida por máquinas. Cada informação municipal permite calcular o índice de mecanização por Escritórios de Desenvolvimento Rural (EDR), regionalização da CDRS, bem como o índice geral para o Estado de São Paulo para essa atividade agrícola.

A iniciativa do IEA na safra 2007/08 foi inédita para o setor sucroalcooleiro e motivada por dois marcos regulatórios: Lei n. 11.241 de 20023 e Protocolo Agroambiental de 20074 (acordo de intenções entre o setor público e privado). Ambos tinham como finalidade a proteção ao meio ambiente, extinguindo a etapa da queima da palha da cana-de-   -açúcar, anterior à colheita manual que aumenta a produtividade do trabalhador. Porém, a proliferação dos gases gerados pela queima da palha contribui para o efeito estufa, prejudicando também a saúde respiratória das populações residentes próximas às regiões canavieiras - aspectos negativos para um segmento econômico tão importante da economia brasileira.

Para o cumprimento de tais medidas, ambos os marcos estipularam cronogramas de eliminação da queima da palha com ressalvas a declividade e tamanho dos terrenos com o cultivo de cana-de-açúcar, problemas que dificultam a ação das máquinas (Quadro 1). Uma diferença entre os dois marcos regulatórios é que o Protocolo Agroambiental acelera o processo de erradicação. Enquanto a Lei n. 11.241 prevê a eliminação total da queima em áreas com aptidão para o uso de máquinas para o ano de 2021, o Protocolo Agroambiental antecipa-a para 2014. Já para áreas com os problemas mencionados (declividade e tamanho), o Protocolo Agroambiental impõe o ano de 2021 para o término das queimadas, enquanto a lei permite a erradicação até o ano de 2031. Vale mencionar que o Protocolo Agroambiental bem como seus cumprimentos são válidos às usinas processadoras e produtores de cana-de-açúcar signatários deste. Para os que não aderiram a ele, valem as regras da lei estadual.

 

 

Complementar a esses marcos, há o Protocolo Etanol Mais Verde5, firmado também entre setor público e privado desde junho de 2017, abarcando questões sobre Código Florestal, combate a incêndios, conservação do solo, melhor utilização da água, recuperação de matas ciliares, além da proteção à fauna – reforçando pontos positivos exigidos pela economia brasileira e internacional. O Protocolo Etanol Mais Verde, em continuidade ao Protocolo Agroambiental descrito anteriormente, contempla ações não previstas e dá continuidade do compromisso firmado pelo segmento sucroalcooleiro.

Dessa forma, o IEA contribui para o setor sucroalcooleiro nas seguintes formas:
a) acompanhamento dos cronogramas estabelecidos nos marcos regulatórios; b) subsídios estatísticos para Secretaria de Agricultura e Abastecimento e Secretaria do Meio Ambiente; e c) impactos sobre o número de desligamentos de trabalhadores volantes na etapa de colheita, interesse também da Secretaria de Trabalho do governo do Estado de São Paulo. Tal acompanhamento permitiria, quando da instituição de tais marcos, o estabelecimento de uma possível normativa com foco social para treinamento, capacitação e readequação desses trabalhadores em outras atividades no setor agropecuário ou outros setores econômicos.

 

2 - RESULTADOS PARA A SAFRA 2018/2019 DA CANA-DE-AÇÚCAR, ESTADO DE SÃO PAULO

Para a cana-de-açúcar no Estado de São Paulo, safra agrícola 2018/19, foram estimados 5.608.586,3 hectares de área cultivada destinada ao corte, correspondente a 435.342.414,5 toneladas para o processamento de açúcar e/ou etanol e aguardente. A produtividade média dos canaviais paulistas é de 77,6 t/ha. Outro ponto importante é a representatividade de área nova de cana-de-açúcar de 567.586,4 ha (10,2% do total) correspondente às áreas de renovação, além da expansão dessa cultura nas zonas rurais paulistas.

A produção de cana-de-açúcar está disseminada em praticamente todas as re-
giões do Estado de São Paulo. Toma-se aqui para análise a abrangência geográfica dos 40 EDRs da CDRS. As regiões compreendidas no Leste-Sul caracterizadas como áreas com declives mais acentuados, como Pindamonhangaba, Guaratinguetá e outras, têm irrisória produção voltada para cachaça de alambiques, não destinada, portanto, para a produção de açúcar e etanol.

Averiguou-se para a safra 2018/19 que o índice de mecanização atingiu 95,3% do total de área cultivada com cana-de-açúcar no estado (Tabela 1). Ou seja, nos 514 municípios produtores de cana e pesquisados neste levantamento, o uso de máquinas atinge quase a totalidade das áreas cultivadas.

Há de se ressaltar o rápido processo de adoção tecnológica do setor, uma vez que na safra agrícola 2007/08 o índice de mecanização no estado era de 41,7%, e após 11 safras, houve um salto de 54 pontos percentuais. Observando-se os cronogramas estabelecidos pelos marcos regulatórios, verifica-se que o setor está muito próximo de atender a erradicação total em áreas mecanizáveis previstas para 2021 pela Lei n. 11.241 e pelo Protocolo Agroambiental; as usinas e fornecedores de cana que aderiram muito provavelmente cumpriram tais exigências, restando assim para o ano de 2031 a erradicação total da queima da palha de cana-de-açúcar.




A mecanização é superior a 95,0% em 14 EDRs que representam 45,9% do total de cana colhida, compreendendo regiões importantes nessa atividade agrícola como Barretos, Araraquara e Andradina, sendo que nesta o índice de mecanização basicamente já atingiu os 100% (Tabela 1 e Figura 1). Entre 90,0% a 95,0% de índice de mecanização, concentram-se outras 16 regiões que perfazem 50,2% do total de cana. Dentre elas, Ribeirão Preto e Orlândia, com 91,3% e 94,2% de mecanização, respectivamente, e juntas com 13,2% do total de cana produzida.

 

Abaixo de 90% de mecanização estão dez regiões com pouca expressividade na produção de cana-de-açúcar no estado, inclusive, conforme já citado, com produção voltada para outras finalidades. A única exceção é o EDR de Piracicaba, com 3,0% da produção paulista de cana-de-açúcar e que concentra considerável número de fornecedores do produto para a indústria, cujas limitações de área de cultivo e irregularidades do solo dificultam o processo de mecanização. A baixa declividade do relevo é um dos principais fatores condicionantes à mecanização da produção de cana-de-açúcar. Regiões com declividades mais acentuadas (Figura 2), como o caso de Piracicaba, apresentam dificuldades de colheita ao somar suas condições físicas com o baixo aporte tecnológico no plantio, ainda realizado de forma manual.

 

Com o rápido avanço da mecanização na colheita da cana-de-açúcar, impactos foram observados sobre a utilização de mão de obra historicamente empregada na colheita da cana-de-açúcar. Na safra 2007/08, quando a mecanização era parcial no estado, o número de cortadores de cana-de-açúcar era estimado em 163.098 pessoas. Atualmente, utilizando-se parâmetros como produtividade média do trabalhador (8,78 t/dia), tempo de colheita em dias úteis de 132 dias e a produção colhida de forma manual, estimou-se 18.477 trabalhadores para a safra 2018/19. Ou seja, mais de 140 mil trabalhadores foram eliminados dessa atividade. Relatos pontuais ao longo desse período apontam iniciativas de realocação de cortadores em outras funções dentro do sistema produtivo da cana-de-açúcar, mas a maior parcela não pode ser absorvida pelo setor.

Embora o índice de mecanização tenha superado 90,0% nas regiões produtoras mais significativas do estado, ainda existe uma parcela da produção colhida de forma manual, como é o caso dos EDRs de Ribeirão Preto, Orlândia, Franca, Catanduva e Jaboticabal, que concentram 30,6% do total de cortadores ainda na atividade (Figura 3). A variação do relevo influência na variabilidade de tipo de atividade agrícola.

 

 

O centro-oeste do estado localiza-se sobre o Planalto Ocidental, o qual é caracterizado por relevo plano ou com suaves ondulações. As regiões com declividade acentuada trazem consigo problemas para implantação da colheita mecanizada, além de estabelecer diferentes potencialidades de produtividades. Tais áreas, que compreendem as regiões leste e sul do Estado de São Paulo a partir das formações de Cuestas (Orlândia e Ribeirão Preto), passando pela Depressão Periférica até o Planalto Atlântico e Planície Costeira, contam, portanto, com uma mecanização pouco desenvolvida com plantio e colheita total ou parcialmente manual.

 

3 - CONCLUSÕES

Por meio do levantamento sobre o índice de mecanização da cana-de-açúcar na safra agrícola 2018/19 no Estado de São Paulo, observou-se que o processo de adoção tecnológica nessa atividade agrícola foi extremamente rápido, impulsionado pelos marcos regulatórios com fins de proteção ambiental. Se o processo de adoção tecnológica no setor rural usualmente é incorporado pelos produtores por experiência transferida por vizinhos, amigos, organizações de produtores etc. e pela extensão rural, os marcos regulatórios assumiram em muito esse papel. Os instrumentos propiciaram dinamismo e competitividade ao setor sucroalcooleiro. Contudo, por detrás de tais iniciativas, houve a consequência de dispensa de um contingente de mão de obra utilizada por década pelo setor.

Tal dispensa representou impactos sobre o mercado de trabalho agrícola na forma de desemprego, aspectos migratórios e também da massa salarial que deixou de circular nos comércios locais.

Houve logicamente uma reconfiguração nas ocupações de trabalho, dando-se destaque à figura do tratorista. Se por um lado há um contingente de mão de obra com perfil educacional mais baixo, menor capacitação, por outro novas profissões mais especializadas e maior nível educacional podem ter representado um acréscimo de renda nessas novas ocupações.

O Instituto de Economia Agrícola permanece com sua tarefa de acompanhamento da mecanização subsidiando as políticas públicas formuladas para esse setor e observando os impactos sobre o trabalhador.

 

 

 

1Instituto de Economia Agrícola, instituição de Ciência e Tecnologia do Estado de São Paulo, pertencente à Agência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios, e Coordenadoria de Desenvolvimento Rural Sustentável, coordenadoria de extensão agrícola. Ambas da Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo.

 

2FREDO, C. E. et al. Índice de mecanização na colheita da cana-de-açúcar no Estado de São Paulo e nas regiões produtoras paulistas, junho de 2007. Análises e Indicadores do Agronegócio, São Paulo, v. 3, n. 3, p. 1-5, mar. 2008. Disponível em http://www.iea.sp.gov.br/ftpiea/mercado/hp-27-2008.pdf. Acesso em jun.2020. 

 

3SÃO PAULO. Lei n. 11.241, de 19 de setembro de 2002. Dispõe sobre a eliminação gradativa da queima da palha da cana-de-açúcar e dá providências correlatas. São Paulo: Assembleia Legislativa, [2002]. Disponível em: https://www.al.sp.gov.br/repositorio/legislacao/lei/2002/lei-11241-19.09.2002.html#:~:text
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PAULO%3A&text=Artigo%201.%C2%BA%20%2D%20Esta%20lei,da%20cana%2Dde%2Da%C3%A7%C3%BAcar.
Acesso em: jun. 2020.

 

4SÃO PAULO. Etanol Verde, São Paulo: Secretaria de Infraestrutura e Meio Ambiente, 2017. Disponível em https://www.infraestruturameioambiente.sp.gov.br/etanolverde/. Acesso em: jun. 2020.

 

5Op. cit. nota 4.

 

6Segundo a UNICA, há muitos cursos de treinamento de qualificação dados à massa de trabalhadores desligados do setor canavieiro, principalmente na formação de tratoristas. 

 

Palavras-chave: cana-de-açúcar, mecanização, índice de mecanização, adoção tecnológica.



Data de Publicação: 27/07/2020

Autor(es): Carlos Eduardo Fredo (cfredo@sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor
Denise Viani Caser (dcaser@sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor
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