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Impactos da Pandemia e Oscilações da Cotação do Barril de Petróleo na Cadeia Produtiva da Cana-de-açúcar no Brasil
A crise atual de saúde pública do
covid-19, deflagrada no primeiro trimestre de 2020, pode ter causa na
degradação ambiental ou como consequência da destruição de habitats selvagens
pela ação humana, propiciando assim a diversificação de doenças. Esse tipo de
contaminação, além de novos vírus e outros microrganismos, pode ser uma nova
constante nos próximos anos, com desdobramentos e intensos reflexos para a
saúde e a economia mundial, tornando-se os grandes desafios da ciência. Dessa
forma, torna-se evidente a importância de investimentos e conhecimentos
técnicos-científicos voltados às atividades de pesquisa para interpretar a
realidade e construir caminhos e soluções em diferentes áreas, dentre elas os
segmentos da agricultura brasileira. Contudo, é necessário nos anteciparmos
aos acontecimentos e criarmos ambientes eficientes, e de prevenção e combate a
novos casos que porventura venham a ocorrer. Essa crise pandêmica agravou a economia brasileira já debilitada,
impactando ainda mais a demanda e a confiança dos investidores, e em especial
na cadeia de produção canavieira do Brasil, a qual já vem vivenciando há algum tempo
uma crise devido à descapitalização do setor, à queda na eficiência da produção
e principalmente à baixa produtividade dos canaviais. Na situação atual, ocorre
uma retração nas vendas de vários setores da economia, inclusive no setor de
combustíveis. A safra canavieira no
Brasil em 2019/20, encerrada em 30 de março deste ano, foi de aproximadamente
de 642,7 milhões de toneladas, acréscimo de 3,6% em comparação com a safra
anterior1. Esse montante foi destinado para produção de açúcar e
etanol nos seguintes volumes: 29,7 milhões de toneladas de açúcar e 35,6
bilhões de litros de etanol2. As vendas de etanol
hidratado em 2019, divulgadas pela Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e
Biocombustíveis (ANP), apontam para um volume de 22,5 bilhões de litros. Já as
vendas ou consumo de etanol anidro ficaram em 10,3 bilhões de litros, e a gasolina
C em 38,16 bilhões de litros3. As exportações ficaram em 1,9 bilhão
de litros, enquanto as importações ficaram em 1,6 bilhão de litros. No
entanto, a conjunção de fatores como as oscilações do preço do barril de
petróleo e o impacto da pandemia estão retraindo fortemente o mercado de
combustíveis no Brasil e no mundo. Apesar dos indícios da
desaceleração da economia (mundial e brasileira) no último trimestre de 2019,
as expectativas do setor no início da safra 2020/21 eram otimistas, com
estimativa de crescimento na produção e de consumo de etanol no mercado
interno, expectativas estas que foram modificadas abruptamente no início de
março de 2020. Os preços
internacionais do petróleo Brent, negociado na bolsa de Londres, sofrem
pressões de diversos fatores. Lembrando que, em julho de 2008, as cotações
atingiram patamares surpreendentes, ultrapassando US$147/barril, despencando
para US$32,40 em dezembro do mesmo ano com a crise internacional4, mostrando
a sensibilidade às oscilações de mercado. Na crise atual, o
barril de petróleo oscilou na casa dos U$$25,00 devido à disputa entre Rússia e
Arábia Saudita, importantes produtores mundiais e medidas de contenção da
pandemia da covid-19, com ligeira recuperação no início de maio (Figura 1). Esse
cenário poderá ser revertido, em parte, com acordos e negociações na Organização dos Países
Exportadores de Petróleo (OPEP), mas ainda persistem os efeitos de queda na demanda
oriundos da pandemia e da consequente retração do consumo de combustíveis e
diferentes níveis de isolamento e distanciamento social. A instabilidade nos
preços do barril de petróleo neste período de pandemia, reflexo da relação
oferta e demanda, pode ser observada na figura 1. A questão mais
importante é saber se esta condição vai perdurar por muito tempo. Se isso se
confirmar, levará ao desestímulo ou pelo menos à suspensão do desenvolvimento
de alternativas ao combustível fóssil, como também inviabilizará a exploração
de petróleo em campos que têm um custo de produção mais alto, caso do petróleo
de gás de xisto dos EUA. Dessa forma, é previsto um possível impacto
principalmente na oferta e demanda de etanol no Brasil e em outros países
produtores, como também na produção de bioeletricidade com a redução dos
resíduos (bagaço) do processamento da cana-de-açúcar. Esse impacto também
ocorre nos EUA com a produção de etanol de milho. Somado a esses fatores, temos o início da safra da
cana-de-açúcar no Brasil, e isso pode formar uma tempestade perfeita com oferta
em alta e demanda em baixa, pois notícias de que algumas distribuidoras de
combustíveis estão suspendendo os contratos de compra de etanol, alegando
motivo de força maior, corroboram para aumentar a incerteza em relação aos
contratos firmados5. As usinas estão refazendo seus planejamentos de
produção e processamento da cana-de-açúcar para reduzir a oferta e mitigar os
impactos nos preços. Lembrando que a viabilidade para o etanol no Brasil fica
com preço do barril de petróleo, em torno de US$40,006 O indicador diário ESALQ/BM&FBovespa7
do etanol hidratado, posto Paulínia, fechou em março de 2020 em R$1.422,50
o metro cúbico, queda de 1,39% em relação ao dia anterior. No mês de março, a
queda do biocombustível foi de 35,25%. Já o indicador semanal etanol hidratado
CEPEA/ESALQ9 caiu 38,09% em março (Figura 2). Há ligeira recuperação nos preços do
etanol em abril e maio, possivelmente pela migração dos consumidores da
gasolina para o etanol e maior circulação de veículos, o que pode ser uma
tendência (Figura 2). Com a
menor demanda e a redução do preço da gasolina, início da safra, o preço
do etanol hidratado apresentou retração nas últimas semanas. A média de consumo de etanol nos meses de março a
junho de 2019 foi de cerca de 1,8 bilhão de litros9. Considerando um
recuo de 25% na demanda do biocombustível nos quatro meses da concentração da
pandemia, ou seja, de março a junho de 2020, teríamos uma redução de 1,8 bilhão
de litros, o que seria em tese um mês a menos de consumo. Não há mercados
atrativos (externo) para os excedentes de etanol brasileiro, por padecerem dos
mesmos problemas de demanda retraída e oferta abundante. Em relação ao açúcar, verificou-se que os
preços de mercado estão com tendência de queda nos últimos dias. Em São Paulo,
a saca de 50 kg de açúcar cristal fechou em R$75,13 (30/mar.) pelo
indicador CEPEA/ESALQ, da USP10. O mês de março de 2020 fechou com
queda de 6,50%. Com menor impacto, temos a queda dos preços futuro do açúcar
no mercado internacional para contratos NY Branco/Contr.nr.11 (jul./2020) de
queda de 7,5% (Figura 3) e queda de 8,7% das cotações de contratos futuros
desde janeiro de 2019 (Figura 4). No período mais crítico de março a maio de 2020, observa-se
queda de 33% das cotações de contratos futuros, com ligeira recuperação a
partir de maio, redução de mais de 2 milhões de toneladas de açúcar na demanda
mundial. A venda de açúcar já está precificada na próxima em
torno de 20% (nesta safra já contratada em torno de 80%), e isso pode garantir
um preço melhor11. As incertezas ficarão maiores para o final da
safra e começo da próxima. No entanto, percebe-se um maior direcionamento para
a produção de açúcar, impulsionado por uma possível retração da produção em
alguns países produtores, em função de problemas climáticos e da pandemia, como
Índia, Tailândia e países produtores de açúcar de beterraba na Europa. A
desvalorização do real em relação ao dólar pode ser a sobrevida necessária ao
setor para mitigar as perdas com o etanol. Pode estar em curso uma mudança no cenário para os
biocombustíveis, caso o preço do petróleo se mantenha próximo de US$25,00/barril.
Novos patamares de consumo e produção serão diferentes para os próximos meses.
Esse ciclo novo imposto pela pandemia poderá durar mais de um ano, levando a
expansões e retrações da economia, que acarretarão na desorganização de cadeias
produtivas, e queda na renda e no consumo. Isso necessitará planejamento mais
eficiente e redução de custos, e maior flexibilidade das empresas. Essa desaceleração econômica
causada pela crise da pandemia do covid-19 pode trazer algumas consequências
práticas ao setor, acentuadas por oscilações no preço do petróleo. O setor já
está discutindo com o governo a obtenção de crédito como forma de mitigar os
efeitos causados pela crise. Algumas unidades de
produção poderão diminuir, suprimir, suspender ou retardar algumas etapas na
produção (manutenção do canavial, colheita, capacidade etc.), o que poderá
acarretar atrasos na colheita ou readequação da capacidade de produção. Além da
possibilidade de a cana-de-açúcar ser colhida apenas na próxima safra (cana
bisada), a prática não é recomendada, uma vez que reduz a qualidade do produto.
Consequentemente, a capacidade de investimentos dos produtores de
cana-de-açúcar para o próximo ciclo será reduzida, afetando a produtividade do
canavial nas safras seguintes. No caso dos
fornecedores de cana, caso a condição de baixa dos preços do etanol e açúcar se
mantenham por mais tempo, provavelmente haverá também redução no preço do ATR,
com diminuição da remuneração e, consequentemente, um menor fluxo de caixa, o que
compromete os investimentos no canavial. Com
a possível recessão das economias mundiais, pode-se ter um reflexo na renda e
na demanda mundial de produtos agrícolas e, como consequência, os governos e
sociedade de países importadores destes produtos poderão lançar mão de
campanhas (barreiras) para priorizar ao máximo os mercados locais e nacionais
em detrimento a produtos agrícolas importados; isso poderá, em certa medida,
afetar o setor de açúcar e etanol. A instabilidade política e econômica e
ambiental no país poderá levar alguns investidores a postergarem seus
investimentos que afetarão diretamente o dinamismo da economia e
consequentemente o setor sucroalcooleiro, podendo ser agravada em consequência
da pandemia. Será necessário um
ajuste na oferta de etanol para se adequar a demanda sazonal, que poderia ser
direcionada para a produção de açúcar, o que levaria a uma pressão baixista dos
preços ou reduzir o processamento de cana-de-açúcar, o que implicaria em
impacto no campo, principalmente aos produtores independentes. Uma solução para
mitigar o choque de oferta de etanol, pleiteada pelo setor canavieiro, seria a
adoção maior de estocagem do produto para equilibrar a oferta e a demanda, mas
é uma solução que leva tempo e investimento. A necessidade de ajustar a
capacidade de estocagem é antiga e ainda não se tem uma solução comum. Há uma
ociosidade de tancagem para algumas usinas e falta para outras, necessitando
equilíbrio no uso desta capacidade de estocagem. Uma possível alteração
na Contribuição de Intervenção do Domínio Econômico (CIDE) para subsidiar ações
de mitigação na produção de etanol é outra demanda do setor, que sempre vem à
tona em momentos de crise. Por enquanto, está descartada pelo governo federal. O momento pode ser
propício para iniciar mudanças, que deverão ser estruturais e que diminuam as
incertezas e vulnerabilidades, fazendo uso de tecnologias e conhecimento
científico. É necessário criar mecanismos permanentes de discussões e de
planejamento para suportar e mitigar os efeitos que podem cada vez mais ser
constantes das crises de oferta e/ou demanda no setor. 1COMPANHIA NACIONAL DE
ABASTECIMENTO - CONAB. Boletim da Safra de Cana-de-Açúcar,
Brasília, v. 6, n. 4, abr. 2020. Quarto levantamento, Safra 2019/20. Disponível
em: https://www.conab.gov.br/info-agro/safras/cana. Acesso em: 27 abr. 2020. 2Op. cit. 1 3AGÊNCIA NACIONAL DE
PETRÓLEO, GÁS NATURAL E BIOCOMBUSTÍVEIS – ANP. Dados estatísticos. Rio de Janeiro: ANP, 2020. Disponível em: http://www.anp.gov.br/dados-estatisticos. Acesso em: 27 abr. 2020. 4TORQUATO, S. A.; BINI, D. L.
de C. Crise na Cana?. Revista Análises e
Indicadores do Agronegócio. São Paulo, v. 4, n. 2, fev. 2009. Disponível
em: http://www.iea.sp.gov.br/out/TerTexto.php?codTexto=10118. Acesso em: 27 abr. 2020. 5BATISTA, F.; VALLE, S. BR distribuidora e raízen declaram
força maior em etanol. UOL, São
Paulo, 30 mar. 2020. Disponível em: https://economia.uol.com.br/noticias/bloomberg/2020/03/30/br-distribuidora-e-raizen-declaram-forca-maior-em-etanol.htm. Acesso em: 27 abr. 2020. 6KOHLHEPP, G. Análise da situação da produção de etanol e
biodiesel no Brasil. Estudos Avançados, São Paulo, v. 24, n. 68, p. 223-253, 2010. Disponível em:
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-40142010000100017&lng=pt&nrm=iso.
Acesso em: 19 maio 2020. 7CENTRO DE ESTUDO AVANÇADOS
EM ECONOMIA APLICADA – CEPEA. Indicador diário do
etanol hidratado Esalq/BM&FBovespa posto Paulínia (SP). São Paulo: CEPEA/ESALQ, 2020. Disponível
em: https://www.cepea.esalq.usp.br/br/indicador/etanol-diario-paulinia.aspx.
Acesso em: maio 2020. 8_____.
Indicador semanal do etanol hidratado.
São Paulo: CEPEA/ESALQ, 2020. Disponível em: https://www.cepea.esalq.usp.br/br/indicador/etanol.aspx. Acesso em: 19 de maio 2020. 9Op.
cit. 3. 10CENTRO
DE ESTUDO AVANÇADOS EM ECONOMIA APLICADA – CEPEA. Indicador do açúcar cristal. São Paulo: CEPEA/ESALQ,
2020. Disponível em: https://www.cepea.esalq.usp.br/br/indicador/acucar.aspx.
Acesso em: maio 2020. 11BATISTA, F.; JHA, M.; ALMEIDA, I. Usinas de açúcar fixam
preços e se protegem contra turbulência. UOL,
São Paulo, 10 mar. 2020. Disponível em: https://economia.uol.com.br/noticias/bloomberg/2020/03/10/usinas-de-acucar-fixam-precos-e-se-protegem-contra-turbulencia.htm.
Acesso em: maio 2020. Palavras-chave: covid-19,
petróleo, etanol, cana-de-açúcar.
Data de Publicação: 18/06/2020
Autor(es):
Sérgio Alves Torquato (storquato@apta.sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor
Raquel Castelluci Caruso Sachs (raquelsachs@apta.sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor
Katia Nachiluk (katia.nachiluk@sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor