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Incidência da Lei do Benefício Emergencial (Lei do Bem) sobre Trabalhadores da Agropecuária
Como resultado das medidas de prevenção impostas pela pandemia da
covid-19 (isolamento e/ou distanciamento social), foi sancionada a Lei n
13.982, de 2 de abril de 20201, concedendo benefícios emergenciais
(Bem) por três meses para trabalhadores informais cuja renda foi/seria reduzida
em função das medidas sanitárias. Em 24 de abril, o Projeto de Lei n. 873/20202,
que propôs várias mudanças na “Lei do Bem”, foi aprovado em caráter definitivo
pelo Senado Federal, mas vetado pelo presidente da República em 14 de maio de
2020. Dentre as mudanças na Lei do Bem, o projeto destacava a ampliação de
categorias de trabalho que deveriam receber os auxílios financeiros e
explicitava categorias típicas do agro brasileiro, a saber: a) agricultores
familiares, assentados da reforma agrária, quilombolas e demais povos e
comunidades tradicionais; b) marisqueiros
e catadores de caranguejos; c) arrendatários; d) extrativistas; e) silvicultores,
beneficiários de programas de crédito fundiário; f) técnicos
agrícolas; g) caminhoneiros; h) trabalhador
intermitente. Nota-se que grande parte das categorias (b), (c) e (d) é integrante do
grupo (a), ou seja, da categoria de agricultores familiares e, como tal, eles são
majoritariamente classificados como trabalhadores informais por não se subordinarem
a um chefe, que lhes assine a carteira de trabalho. Portanto, como muitos são
autônomos, são também passíveis de receberem o benefício de prestação
continuada. O DIEESE3, em parceria com a Confederação Nacional dos
Trabalhadores Rurais, Agricultores e Agricultoras Familiares (CONTAG), estimou
que 1,7 milhão de estabelecimentos da agricultura familiar poderiam ser contemplados
pela renda básica, de R$600,00, caso fosse aprovado o Projeto de Lei n.
873/2020. Esse departamento presumiu que nesses estabelecimentos vivem em média
quatro pessoas (entre ocupados e não ocupados) e, portanto, cerca de 6,8
milhões de brasileiros seriam favorecidos pela ampliação do benefício para a
agricultura familiar. Assim, estimaram que, se a Lei do Bem se estender a um
único membro da família, os gastos do governo federal com essa modalidade de
trabalhador seriam cerca de R$1,0 bilhão/mês. Conforme mencionado, considerados
como trabalhadores informais, muitos agricultores familiares já se enquadram na
Lei do Bem por serem autônomos e/ou não terem renda fixa. É muito comum no setor agrícola o trabalho intermitente4, no
qual a prestação de serviços é alternada com períodos de inatividade. Apresentação
de serviços agropecuários descontínuos, porém com subordinação, é exemplificada
nas contratações tipicamente sazonais, como as de pico de colheitas manuais
(abril a agosto), aplicação de defensivos (aérea ou não), de alguns
tratoristas, técnicos agrícolas, extensionistas rurais etc.5 No
entanto, essa modalidade de trabalho é classificada como trabalho formal pois,
segundo o Ministério do Trabalho e Previdência Social, os contratos de trabalho
podem ser feitos em horas, dias ou meses, independentemente do tipo de
atividade do empregado e do empregador. Apesar dessa categoria trabalhista ser clássica na agropecuária,
acredita-se que poucos trabalhadores intermitentes tenham contratos assinados
nesse setor econômico. O Ministério do Trabalho estima que essa categoria seja composta por 143
mil trabalhadores6. No entanto, em 2019, o CAGED7 registrou
apenas 237 trabalhadores formais intermitentes no agro brasileiro.
Independentemente do Projeto de Lei n. 873/2020, esses trabalhadores podem ser
beneficiados pela legislação se comprovada a ausência de renda fixa. Nesse
caso, o gasto governamental seria cerca de RS142,2 mil/mês, por até 90 dias. Fredo e Baptistela8, considerando o total de pessoas ocupadas
na agricultura brasileira (723 mil trabalhadores) e o número de pessoas que
trabalham com contrato assinado (329 mil pessoas), calcularam que o dispêndio
do governo federal por meio da concessão de benefícios emergenciais para os
trabalhadores informais seria da ordem de R$236,4 milhões/mês. Os mesmos autores9 comentam que, no último trimestre de 2019,
a média salarial dos trabalhadores rurais brasileiros engajados no mercado
formal (intermitentes ou não) foi de RS1.355,90. Portanto, o valor concedido
pelo benefício emergencial (R$600,00) é quase 60% menor do que a renda salarial
média obtida no setor. No caso do trabalhador intermitente, que pode ter vários
contratos em um único mês, deve-se avaliar se a requisição do benefício
emergencial é realmente a melhor opção econômica, pois a lei conferir--lhe-á
apenas um benefício de R$600,00/mês. Por fim, o Projeto de Lei n. 873/202010, ao explicitar as categorias
trabalhistas do agro (nível micro) desvinculando-as da classificação oficial do
Ministério do Trabalho (nível macro), acabou por replicá-las em categorização
previamente formulada pela lei do benefício continuado (Lei n. 13.982/2020)11,
a qual atende as nomenclaturas do Ministério do Trabalho. Ou seja, categorias
especificadas do agro já são contempladas pela Lei do Bem, pois se inserem nas
classificações de modalidades de trabalho utilizadas pelo Ministério (por exemplo,
autônomo e/ou informais e/ou renda fixa). Portanto, a solicitação de tais
inserções, objetivo do Projeto de Lei n. 873/2020, incita dupla contagem de
trabalhadores, onerando os gastos do governo na concessão dos benefícios. Essa
pode ter sido uma das razões que levaram o presidente da República a vetar o
Projeto de Lei n. 873/202012, em 14 de maio de 2020. No entanto, tal
projeto foi muito importante por: a) referenciar
e explicitar categorias do agro brasileiro que muitas vezes são desconhecidas
até mesmo pelos agentes financeiros que avaliam a adequação ou não dos
requerentes às legislações vigentes; e b) expor
a falta de sinergia entres as instituições públicas que tratam do principal
insumo da agropecuária brasileira: o trabalhador. Isso se torna evidente quando
confrontamos o dispêndio do governo com o benefício emergencial somente para os
agricultores familiares (R$1 bilhão) estimado pelo DIEESE13, e o
auxílio emergencial para todos os trabalhadores informais do setor (R$709
milhões), calculado por Fredo e Baptistela14 a partir dos dados do
CAGED15. Conclui-se assim que as divergências no número de produtores
agropecuários, bem como as diferenças institucionais no que concerne a
classificação e categorização de trabalhadores do agro, dificultam a elaboração
de políticas públicas voltadas a esse segmento. É necessário que os
levantamentos censitários e as análises que utilizam categorização das
modalidades de trabalho rural sejam padronizados com base nos critérios
utilizados pelo Ministério do Trabalho, de modo que essas pessoas não sejam
deixadas de escanteio. ¹BRASIL. Lei n. 13.982, de 2 de abril de 2020. Altera a
Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993, para dispor sobre parâmetros adicionais
de caracterização da situação de vulnerabilidade social para fins de elegibilidade
ao benefício de prestação continuada (BPC), e estabelece medidas excepcionais
de proteção social a serem adotadas durante o período de enfrentamento da
emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do
coronavírus (Covid-19) responsável pelo surto de 2019, a que se refere a Lei nº
13.979, de 6 de fevereiro de 2020. Diário Oficial da União, Brasília, 2 abr.
2020. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2020/lei/l13982.htm. Acesso
em: maio 2020. ²BRASIL. Congresso Nacional. Lei n. 873 de 2020. Promove
mudanças no auxílio emergencial instituído pela Lei n. 13.982, 2 de abril de
2020; e dá outras providências. Senado Federal, Brasília, 3 abr, 2020.
Disponível em: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2242868.
Acesso em: maio de 2020. 3DEPARTAMENTO
INTERSINDICAL DE ESTATÍSTICA E ESTUDOS SOCIOECONÔMICOS – DIEESE. Crise Coronavírus. São Paulo: DIEESE,
2020. Disponível em: https://www.dieese.org.br/estudotecnico/coronavirus.html. Acesso em: maio. 2020. 4JusBrasil. O que é o
trabalho intermitente na reforma trabalhista? artigo explicativo sobre as
novidades do trabalho intermitente na reforma trabalhista. 2020. Disponível em:
https://xande.jusbrasil.com.br/artigos/533967858/o-que-e-o-trabalho-intermitente-na-reforma-trabalhista. Acesso em: maio 2020. 5A ideia aqui mencionada
refere-se à contratação alguma pessoa física pelo produtor com. Caso o
agricultor contrate uma empresa que forneça esses serviços, ou seja, contrate
uma pessoa jurídica, o benefício emergencial depende do acordo entre o
responsável da empresa prestadora de serviços e seus subordinados. 6Governo
lança programa emergencial de manutenção do Emprego para enfrentar efeitos
econômicos da Covid-19. Disponível em:
http://trabalho.gov.br/component/content/article?id=7373. Acesso em:
maio. 2020. 7MINISTÉRIO
DO TRABALHO E EMPREGO - MTE. Cadastro geral de empregados e
Desempregados. Programa de disseminação das estatísticas do trabalho
(PDET). Brasília: MET/PDET. Disponível em: http://pdet. 8FREDO, C. E.; BAPTISTELLA,
C. S. L. Plano de contingenciamento ao combate à pandemia Covid-19
sobre a renda da população rural Paulista, abril de 2020. Análises e Indicadores
do Agronegócio, São Paulo, v. 15, n. 4, abr., 2020. 5p Disponível em: http://www.iea.agricultura.sp.gov.br/out/LerTexto.php?codTexto=14777. Acesso em: maio 2020. 9Op. cit. nota 8. 10Op cit. nota 2. 11Op. cit. nota 1. 12Op. cit. nota 2. 13Op. cit. nota 3. 14Op. cit. nota 8. 15Op. cit. nota 7. Palavras-chave: Lei n. 13.982/20, auxílio emergencial, categorias trabalhistas do agro.
mte.gov.br/. Acesso em: mar. 2020.
Data de Publicação: 10/06/2020
Autor(es): Silene Maria de Freitas (silene.freitas@sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor