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Primeiros Impactos do Coronavírus no Mercado de Leite e Derivados
O aparecimento do coronavírus (covid-19) na China e
sua expansão pelo mundo trazendo uma pandemia trouxeram uma situação inesperada
que abrange todos os continentes e traz dúvidas sobre o que deverá ocorrer no
cenário econômico mundial e, por conseguinte na agricultura, setor relevante na
economia mundial e nacional. A preocupação no mundo, para além da maior difusão
do vírus, é de como isso afetará o homem. O que merece nosso foco é
especificamente o homem do campo e a manutenção do abastecimento alimentar das
cidades, com a garantia de que o alimento chegue à mesa dos cidadãos. Ou seja,
como garantir a segurança econômica do homem do campo e o abastecimento alimentar
da população, principalmente nas regiões metropolitanas onde há concentração
populacional. O setor de produção de alimentos, neste momento,
deve ser o menos vulnerável frente a outros setores econômicos, pois todos têm
necessidade de se alimentar. Alguns fatores, como o fechamento de restaurantes e fast foods, que levaram à redução do
consumo fora de casa, somados a casos de perda de emprego, proibição de
comércio informal e diminuição ou perda total de renda, afetaram os
consumidores, que perderam sua capacidade de compra, muitos reduzindo até
compras de produtos básicos ou dependendo de doações de cestas básicas. Esses fatos trouxeram consequências para os pequenos
produtores de leite, que diminuíram ou perderam seus pontos de venda, lembrando
que muitos atendem um tipo de demanda específica, como a de pequenos
laticínios. O leite fluido UHT é um produto de grande consumo
com possibilidade de estocagem, o mesmo valendo para o leite em pó. No entanto,
os derivados, como iogurtes e queijos e mesmo o leite pasteurizado, devem ter
redução neste período, o que comprometerá também pequenos laticínios, pequenas
queijarias e um número enorme de produtores que em sua maioria são familiares e
dependentes da produção leiteira. A produção de leite teve, em 2019, um ano favorável
com bons preços ao produtor e um aumento da produção paulista de 9,3% em
relação ao ano anterior, apesar de uma oferta restrita devido ao clima seco na
maior parte do tempo1. Com a pandemia, a mudança de cenário com significativo
aumento do consumo em domicílio em detrimento do consumo fora de casa, assim
como a perda de empregos e renda (principalmente de trabalhadores informais),
reduziu a possibilidade de escoamento de boa parte da produção, inclusive até
de produtos básicos e essenciais que fazem parte da cesta básica, como é o caso
do leite e alguns outros derivados, inviabilizada pela falta de renda. A produção e a
distribuição de leite em São Paulo, até agora, não haviam sofrido alteração2.
Segundo contato em 3 de abril de 2020 com Paulo Machado, da Clínica do Leite e
professor da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (ESALQ-USP)3,
a coleta de leite estava ocorrendo em cerca de 660 indústrias, que representam
em torno de 40% do leite com (Sistema de Inspeção Federal (SIF) e quase a
totalidade do leite fiscalizado pelo Serviço de Inspeção de Produtos de Origem
Animal do Estado de São Paulo (SISP) e Sistema de Inspeção Municipal (SIM) do
Estado de São Paulo. Constatava-se que havia problemas localizados em algumas
regiões devido ao fechamento de laticínios, pequenas e médias empresas que
atendem o mercado institucional (restaurantes, food service e pequenos distribuidores) e que perderam mercado.
Aquelas que continuaram ativas mostraram receio de enfrentar o mesmo problema,
chegando a recomendar cautela na produção de leite. Alguns produtores que vivenciaram a perda de mercado
têm conseguido enviar seu leite para cooperativas, como acontece no Vale do
Paraíba. Segundo informação de Wander Bastos4, coordenador da
Comissão Especial de Bovinocultura da Federação da Agricultura do Estado de São
Paulo (FAESP), eles redirecionaram o leite que tinha como destino pequenas
queijarias para a Cooperativa Barra Mansa. Ainda, segundo Wander, a decisão
tomada em caráter excepcional em 30 de março de 2020 pelo Ministério de
Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) devido à questão emergencial do
país em função do coronavírus, auxiliou muito o produtor. A decisão determinou, em caráter
excepcional, que tendo em vista o risco
de desabastecimento de leite e produtos lácteos em algumas regiões, e diante do
risco de inviabilidade dos estabelecimentos de pequeno porte frente ao aumento
da demanda para a elaboração de produtos com prazo de vida longa, como o leite
UHT e o leite em pó, os estabelecimentos sob inspeção federal poderão receber
leite a granel de uso industrial de estabelecimentos registrados em outras instâncias
de inspeção em caráter excepcional durante o período de calamidade pública,
devendo manter registros auditáveis do recebimento que garantam a
rastreabilidade da matéria-prima5. As maiores demandas têm sido pelo leite UHT e pelo
leite em pó, devido ao fato de a população ter estocando alimentos. Este
panorama conta ainda: com a alta do dólar afetando os preços dos insumos (milho
e soja, principalmente), que atinge diretamente os custos de produção; com as
quedas nas bolsas, não só de São Paulo como de Nova York, devido às incertezas
do que ocorrerá no mercado nacional e mundial; e com o período de restrições de
locomoção devido à covid-19, que afetou o comércio e inúmeras atividades, a
precaução é maior. Para exportações, os preços não estão favoráveis,
mas o setor leiteiro, apesar de não ser exportador, se tiver oportunidade pode
pensar em fazer vendas externas, dependendo das cotações e de haver aumento da
procura. O governo deve ficar atento para garantir que não ocorra
desabastecimento interno, pois, no último ano, houve um aumento de 6,3% das
exportações para desovar estoques, apesar de preços não competitivos. As
importações com o fechamento das fronteiras e alto valor do câmbio não é boa
alternativa6. Existe a possibilidade de aparecimento de
aproveitadores, causando aumentos de preços no varejo. Nesse tipo de situação,
podem ser necessárias medidas governamentais para evitar e mesmo coibir este
tipo de atitude. O governo de São Paulo tem se colocado de forma a
garantir o escoamento dos produtos, fazendo-os chegar aos pontos de venda, e a
cadeia produtiva deverá dialogar para que perdas sejam menores possíveis.
Mostrou-se promissor o fato de a indústria e o varejo se comprometerem a serem
colaborativos7. O mesmo deve ocorrer entre a indústria e o produtor.
Esse é o melhor caminho para evitar perdas e para que o impacto na população
seja atenuado. Segundo a CEPAL, “será
necessário ampliar os programas de proteção social não contributiva, financiados
por impostos, para apoiar os mais pobres; expandindo-os para outras famílias de
baixa
renda que se encontram em risco de ingressar na pobreza”8. Nesse sentido, o poder público precisa apoiar os
pequenos produtores com políticas para manutenção na atividade, através de medidas
agregadoras para compra de insumos e venda de sua produção em conjunto para
processar leite UHT ou em pó, ou com compra de leite para programas de
distribuição à população carente, garantindo proteção aos setores mais pobres e
vulneráveis da sociedade que vêm enfrentando dificuldade para obter bens
básicos imprescindíveis, como é o caso dos alimentos9. As preocupações do setor
leiteiro foram externadas pelo presidente da Neste momento é difícil prever o que irá ocorrer. No
cenário global, o momento é de preocupação com a situação socioeconômica gerada
pela pandemia e as medidas devem ser pensadas de forma a garantir um sistema
que seja não só sustentável, mas inclusivo. Instabilidade é fato. Cada dia é um
dia e o cenário pode se alterar. Cabe ao produtor ficar atento às decisões e
fatos que vierem a ocorrer e montar suas estratégias. 1PITHAN-SILVA, R. O. de. Análise de conjuntura e
perspectivas do Agro 2020 – leite. Análises e Indicadores de Agronegócio, São Paulo, v. 15, n. 3, mar.
2020. Disponível em: http://www.iea.agricultura.sp.gov. 2CORONAVÍRUS: impacto do mercado de lácteos; atualização
em tempo real. MilkPoint, São Paulo,
2020. Disponível em: https://www.milkpoint.com.br/noticias-e-mercado/giro-noticias/coronavirus-impactos-no-mercado-lacteo-atualizacoes-em-tempo-real-218510/. Acesso em: 20 mar. 2019. 3Notícia fornecida por Prof. Paulo Machado da Clínica do
Leite, da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (ESALQ-USP) via
WhatsApp. 4MINISTÉRIO DE AGRICULTURA, PECUÁRIA E ABASTECIMENTO.
Ofício-circular nº 28/2020/DIPOA/SDA/MAPA de
30 mar 2020. Brasília: MAPA, 2020. Disponível em:
https://www.cnabrasil.org.br/assets/arquivos/OFI% 5MINISTÉRIO DE AGRICULTURA,
PECUÁRIA E ABASTECIMENTO. Ofício-circular
nº 28/2020/DIPOA/SDA/MAPA de 30 mar 2020. Brasília: MAPA, 2020. Disponível em:
https://www.cnabrasil.org.br/assets/arquivos/OFI% 6QUEDA nas vendas e alta do dólar com crise do
coronavírus preocupam setor leiteiro. MilkPoint, São Paulo, 2020. Disponível em: https://www.milkpoint.com.br/noticias-e-mercado/giro-noticias/queda-nas-vendas-e-alta-do-dolar-com-crise-do-coronavirus-preocupam-setor-leiteiro-218541/. Acesso em: 22 mar. 2020. 7COLABORAÇÃO entre varejo e
indústria é boa notícia em meio ao caos do Coronavírus. MilkPoint, São Paulo, 2020. Disponível em: https://www.milkpoint.com.br/noticias-e-mercado/giro-noticias/colaboracao-entre-varejo-e-industria-e-boa-noticia-em-meio-ao-caos-do-coronavirus-218548/. Acesso em: 20 mar 2020. 8COMISSIÓN ECONÔMICA PARA
A AMÉRICA LATINA Y EL CARIBE CEPAL. América Latina y el Caribe ante la pandemia
del COVID-19: efectos económicos y sociales. Santiago de Chile: CEPAL. n. 1, 2020. Informe
especial. Disponível em: https://repositorio.cepal.org/bitstream/handle/11362/45337/4/S2000264_es.pdf. Acesso em: 06 mar. 2020. 9Op. cit. nota 8. 10CORONAVÍRUS: abraleite defende medidas de apoio ao
produtor de leite. MilkPoint, São
Paulo, 2020. Disponível em: https://www.milkpoint.com.br/noticias-e-mercado/giro-noticias/coronavirus-abraleite-defende-medidas-de-apoio-aos-produtores-de-leite-218568/. Acesso em: 23 mar 2020. 11Op. cit nota 7. 12PANORAMA atual do
mercado de lácteos frente ao coronavírus. MilkPoint,
São Paulo, 16 abr. 2020. EDUCAPOINT. Transmissão on line. 13QUARENTENA derruba consumo de quiejos; Abiq busca forma
de financiar estocagem. MilkPoint,
São Paulo, 31 mar. 2020. Disponível em: https://www.milkpoint.com.br/noticias-e-mercado/giro-noticias/quarentena-derruba-consumo-de-queijos-abiq-busca-forma-de-financiar-estocagem-218730/. Acesso em: 22 abr. 2020. Palavras-chave: leite,
coronavírus, produção, indústria, varejo.
Associação Brasileira dos Produtores de Leite (ABRALEITE), Geraldo Borges:
“é preciso garantir que a produção de leite continue nas propriedades e que
seja garan-
tida a logística para garantir a captação do leite, que os insumos cheguem à
proprie-
dade e aos laticínios, e que haja assistência técnica e veterinária”10.
Reivindicou ainda a suspensão
temporária do recolhimento de impostos e encargos sociais, como FGTS e
INSS (FUNRURAL) para garantir a produção11, lembrando-se que a maior
parte da produção de leite é feita pela agricultura familiar, sendo o produtor
um dos elos mais frágeis na cadeia produtiva, junto com o consumidor final.
Outra demanda é uma linha de crédito para armazenamento do leite em pó e de
queijos, já que houve aumento de sua produção12, 13.
br/out/TerTexto.php?codTexto=14770. Acesso em: 20 mar. 2020.
CC%81CIO-CIRCULAR-N%C2%BA-28-2020-DIPOA-SDA.pdf. Acesso em: mar. 2020.
CC%81CIO-CIRCULAR-N%C2%BA-28-2020-DIPOA-SDA.pdf. Acesso em: mar. 2020.
Data de Publicação: 22/04/2020
Autor(es): Rosana de Oliveira Pithan e Silva (rosana.pithan@sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor