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Disruptura da Globalização Impulsiona as Cotações Futuras do Café
Em março de 2020, a pandemia da
covid-19 já alcançava todos os países dos diferentes continentes. Os impactos
da disseminação do vírus têm sido severos na Itália, na Espanha e, mais
recentemente, nos EUA (este registrando o maior número de contaminados e foco
mais importante da doença respiratória). Tampouco o Brasil escapou dessa
enfermidade, com crescente número de positivados e de vitimados (e um número
desconhecido de subnotificações). Como
medida emergencial de proteção às estruturas de atendimento básico à saúde, a Organização
Mundial de Saúde (OMS) recomendou aos administradores públicos a decretação de
estado de emergência, quarentena e lockdown
em seus respectivos países. Não sair de casa e proteger seus idosos e doentes
crônicos têm sido a melhor forma de conter o avanço da epidemia. Com a paralisação
das atividades não essenciais, a dinâmica econômica foi duramente afetada,
prevendo-se recessão ou depressão nos principais polos da manufatura mundial. No
Brasil, houve forte desvalorização da moeda e fuga de investidores da Bolsa de
Valores. Em março de 2020, o dólar se valorizou 14,24% (PTAX-BACEN). Apesar das
intervenções da autoridade monetária vendendo swap cambial, a chamada preferência pela liquidez diante da
incerteza do cenário manteve alavancada a procura por moeda forte (fenômeno que
se reproduziu nas cotações do ouro). Em um
ambiente em que predomina a preferência pela liquidez, as mercadorias são
depreciadas. De fato, observando-se as cotações internacionais de petróleo (que
se somam ao choque entre Arábia Saudita e Rússia), minério de ferro e as soft (esta última com algumas exceções),
houve queda. Sob recessão, não se deve esperar aumento do apetite por
suprimentos, razão essa que explica a queda dos preços internacionais. O café arábica, na contramão das demais commodities, exibiu em março de 2020 incremento da média das
cotações semanais registradas na Bolsa de Nova York, especialmente a partir da
reação na média das cotações futuras observadas na quarta semana do mês (Figura
1). Considerando a segunda posição (jul./2020), a escalada de preços entre a
média das cotações da primeira e da quarta semanas do mês mostra avanço de
4,11% nas cotações médias. O agravamento da pandemia que se registrou ao longo
do mês, aparentemente, foi um gatilho para essa escalada das cotações.
Exportadores brasileiros relatam movimento de antecipação das importações que
ocorreriam ao longo do ano. De fato, o que se manifesta mundialmente desde o
início conflito comercial EUA x China associado ao BREXIT é um movimento de
desglobalização. A pandemia questionou as cadeias de suprimentos globais e
técnicas de gestão pautadas pelo just in
time. Desenvolver parcerias locais para originar insumos estratégicos,
voltando a formar estoques que assegurem pleno funcionamento das plantas industrias,
tenderá a ser o procedimento predominante nos próximos anos. A procura por café
verde antecipa essa tendência de reposicionamento setorial. Em São
Paulo, no principal cinturão de lavoura de café – região de Franca -, a média
dos preços recebidos, em março de 2020 (sc. 60 kg tipo 6 bebida dura) foi de
R$542.45/sc. A cotação média da PTAX-BACEN no mês foi de US$1,00=R$4,88,
representando o montante médio recebido pelos cafeicultores US$111,16/sc.
Efetuadas as devidas conversões, esse valor representa US$147,04/sc. Comparando
esse preço com as cotações praticadas na média da quarta semana de setembro
(US$163,68/sc.), observa-se margem apropriável de US$16,64/sc., ou seja,
R$81,22/sc. Tal montante justifica a contratação de hedge, agregando valor significativo na comercialização do produto
após o pagamento das taxas e emolumentos incorridos na operação. No
mercado de robusta transacionado na Bolsa de Londres, as cotações não tiveram a
mesma evolução que as observadas pelo arábica (Figura 2). Relatório mensal da Organização
Internacional do Café (OIC) mostrou que desde o início do ano cafeeiro (out./2019
até fev./2020), a queda dos embarques de robusta foi de 1,4%, enquanto para o
arábica esse declínio foi bem mais acentuado (8,1%)2. Tal diferença
na evolução dos embarques, certamente, pressionou mais as cotações do arábica
do que do robusta. A
normalização das atividades econômicas na China permitirá a retomada dos fluxos
comerciais, sendo o solúvel produto relevante exportado pelo Brasil para esse
país e para os demais que compõem o leste asiático. A retomada das vendas de
solúvel no segundo trimestre, que tiveram forte queda no anterior, pode
sinalizar efetiva volta a normalidade no país. A
reação das cotações do arábica na média da quarta semana do mês é bastante
aderente à posição líquida dos contratos negociados na Bolsa de Nova York. Os
fundos e grandes investidores saíram de balanço líquido de 3,2 mil posições
vendidas para 1,9 mil compradas, suportando a escalada das cotações. A
antecipação das compras de suprimentos por parte das traders e torrefadores internacionais promoveu essa virada no
posicionamento dos investidores desse mercado (Tabela 1). O
cenário de grande ansiedade entre as populações confinadas pode gerar
incremento da demanda por café. Na realidade, os mercados de alimentos e de
bebidas, em geral, serão os menos prejudicados pelo momento incerto que estamos
atravessando. O café, graças à inelasticidade intrínseca que contempla o
produto, protege-o dos choques de mercado. Nos EUA, no primeiro trimestre do
ano, há registro de baixa dos estoques americanos3, embasando a tese
de que o consumo não arrefece diante das crises como, por exemplo, foi o
colapso financeiro de 2008 e 2009, em que o consumo global manteve—se, apesar
do desemprego e da recessão provocada pela crise econômica. 1INSTITUTO DE ECONOMIA AGRÍCOLA. Preços médios diários recebidos pelos
produtores. São Paulo: IEA, 2020. Disponível em:
http://ciagri.iea.sp.gov.br/precosdiarios/precosdiariosrecebidos.aspx?cod_sis=6.
Acesso
em: 3 abr. de 2020. 2Relatório mensal da OIC de março de 2020. Ver: INTERNATIONAL COFFEE ASSOCIATION. What’s new. Londres, mar. 2020. http://www.ico.org/. Acesso em: 3 abr.
2020. 3A Green Coffee Association
divulgou que, nos EUA, em meados de fevereiro, houve redução de 135 mil sacas
em seus estoques certificados, declinando o volume armazenado para 6,67 milhões
de sacas. Ver: GREEN COFFEE ASSOCIATION, INC. Warehouse information, Nova Iorque,
2020. Disponível em:
http://greencoffeeassociation.org/professionalresources/warehouse_information. Acesso
em: 05
mar. 2020. Palavras-chave: mercado
futuro, café, bolsa de valores.
Data de Publicação: 13/04/2020
Autor(es): Celso Luís Rodrigues Vegro (celvegro@sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor