Desde que a covid-19 ocupou espaço no cenário mundial ao alcançar os atributos de pandemia, a dinâmica socioeconômica mundial foi transformada pelo cenário de incertezas e necessidade de ações intensas voltadas à proteção da saúde das pessoas. As orientações, decisões e medidas implantadas pelas autoridades em diferentes esferas de atuação são acompanhadas e avaliadas a partir de distintos olhares e áreas do conhecimento. Dentre elas, está a preocupação com os impactos econômicos da pandemia e das ações que vêm sendo colocadas mundialmente e também no Brasil.
A busca por critérios e elementos de análise perpassa vários esforços que procuram traçar cenários e avaliar setores econômicos, seus segmentos e atividades. Em estudo recente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), foram projetados cenários a partir de diferentes períodos de vigência do isolamento ou distanciamento social e suas premissas, associados aos efeitos das políticas mitigadoras das perdas socioeconômicos.
Os resultados apontam queda nos indicadores do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro em todos os cenários, com variações entre 0,4% a 1,8%, sendo que no primeiro trimestre as perdas são mais modestas e mais intensas até o segundo trimestre de 2020, seguido de recuperação. Quando considerados os setores, o agropecuário e suas principais commodities, o mencionado estudo indica que deverão sofrer pouco impacto em estimativa sustentada pela soja. Cabe destacar que, diante das incertezas e da junção de características ainda carentes de estudos e análises, o acompanhamento do comportamento das atividades e de seus distintos ambientes de produção, processamento, industrialização e comercialização torna-se de fundamental importância.
Nesse sentido, pretende-se aqui explorar a realidade e a atual dinâmica de produção e comercialização da cadeia de produção do amendoim. Essa cultura ocupa espaço importante em diferentes tradições e costumes culinários de diversas regiões e países. No Brasil, a comercialização do produto tem nas exportações significativa atenção dos diferentes elos de produção, assim como o mercado interno se posiciona a partir da indústria de confeitos e snacks e mais recentemente dos produtos proteicos de origem vegetal. Sendo o Estado de São Paulo, responsável por mais de 90% da produção brasileira de amendoim e por abrigar parte importante dos demais elos de produção dessa cadeia.
O panorama mundial para a cultura do amendoim apresenta retração de 2,8% na produção condicionada pela redução dos volumes produzidos nos países africanos e na Argentina, sendo que China, Brasil e Índia apresentam incremento na produção da safra atual em comparação à anterior. Quando observada a demanda de países importadores de amendoim, verifica-se o incremento de 2,8% impulsionado pela China e União Europeia. Para o óleo de amendoim, a produção indica alta de 2,8% e de 6,5% para a demanda dos países importadores com destaque para a China, Hong Kong e países membros da União Europeia².
No Brasil, a safra 2019/20 do amendoim paulista posiciona a recuperação da queda de produção registrada na safra anterior. O incremento na área plantada e a estimativa de aumento de 28,5% na produção³, condicionada pelo investimento do produtor nas lavouras, preços em alta e pelas condições climáticas, configuram boas perspectivas para o destino do produto em fase de encerramento da colheita.
Em 2019, as exportações das principais mercadorias a base de amendoim sofreram em média retração de 11% nos volumes e de 7% nos valores exportados. A queda na produção e oferta interna do produto figura como elemento condicionante frente às cotações mais favoráveis4. Superada a retração da safra, os esforços para o controle da pandemia da covid-19 e seus desdobramentos para os diferentes segmentos econômicos são colocados e acompanhados de indicadores econômicos nacionais e internacionais pouco animadores.
Para o amendoim, mercados como a China e a Itália5 são importantes destinos do óleo de amendoim; juntos, os dois países representam quase 100% das exportações brasileiras dessa mercadoria que, nos últimos três anos, respondeu por US$152 milhões em exportações. Esses dois países também passam por questões relevantes em relação à pandemia. Porém, as exportações de óleo de amendoim nos dois primeiros meses de 2020 apresentam comportamento semelhante ao registrado no mesmo período dos anos anteriores, com cotações mais elevadas que as praticadas em 20196, e assim se mantendo, por enquanto, certa distância da retração de consumo e dos sinais de recessão (Figura 1).
O amendoim descascado, outra mercadoria importante na pauta de exportações, tem na Europa, em especial a Rússia e os países da União Europeia, os principais destinos. Nos últimos três anos, essa mercadoria foi responsável por US$656 milhões e 558 mil toneladas em exportações. Os primeiros dois meses de 2020, quando comparados ao mesmo período de 2019, apresentam retração de 44% nos valores exportados e de 48% para os volumes. Esses indicadores são construídos em proporções semelhantes quando considerados os principais destinos, liderados pela Rússia, com 40% do total exportado em 2020, Holanda (entreposto europeu) com 11%, e Argélia com 7% (Figura 2).
O comportamento habitual das exportações vem sendo mantido, porém, em volumes menores que os registrados no período de janeiro e fevereiro de 2019 e 2018. Para essa condição, é importante considerar a redução da produção em 2019 e esgotamento dos estoques e, portanto, as remessas de amendoim descascado estão atreladas à colheita e ao processamento da safra atual. Por outro lado, embora as cotações apresentem valores acima da média registrada no ano de 2019, o produto mais valorizado não cobrirá os impactos de uma retração acentuada na demanda dos países acima mencionados. Sendo o amendoim em grão a principal mercadoria da pauta de exportações da cadeia de produção, a manutenção dos seus estoques, alta oferta interna, poderá trazer consequências importantes aos produtores, às cooperativas e aos beneficiadores, com a possível redução de preços do amendoim.
Essa possibilidade é colocada uma vez que o mercado interno não apresenta capacidade para consumir os volumes produzidos. Dessa forma, torna-se fundamental acompanhar o comportamento do mercado externo e tratar de medidas que possam amenizar as consequências de uma baixa na comercialização da boa safra e de seus desdobramentos para a dinâmica econômica das principais regiões produtoras do Estado de São Paulo, dentre elas Tupã, Presidente Prudente, Marília, Jaboticabal, Ribeirão Preto e Barretos.
No mercado interno do amendoim, os confeitos, salgados e pastas proteicas são os segmentos de consumo em que esse grão ocupa espaço. Esses produtos industrializados, tradicionais e, também, cada vez mais elaborados em novas propostas, embora consumidos durante o ano todo, têm nas festas juninas, quermesses e os demais eventos dedicados às nossas tradições agrupadas no São João, um importante período para a produção e comercialização de produtos à base de amendoim.
Nesse momento de medidas que envolvem práticas de isolamento ou afastamento social para controle do coronavírus, as aulas suspensas e as reuniões e eventos sendo adiados, a exemplo dos acontecimentos esportivos, os Jogos Olímpicos7, e das festas regionais como o São João de Campina Grande, na Paraíba8, as expectativas são reformuladas. Essas medidas estão permeando toda a sociedade brasileira e de outros países, e exigirá da indústria que processa o amendoim um reordenamento das suas atividades visando adequar a produção frente às novas condições, o que implicará em custos adicionais para a indústria e na possibilidade de retração do consumo interno. Sendo assim, o acompanhamento e a análise do comportamento das exportações das mercadorias a base de amendoim, além do andamento das ações e resultados das ações de controle da pandemia e das condições socioeconômicas no Brasil, se impõem como uma ferramenta fundamental para a tomada de decisão dos agentes públicos e privados.
¹SOUZA JÚNIOR, J.R.C. et al. Carta de Conjuntura 46, primeiro trimestre 2020, Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA). Disponível em: http://www.ipea.gov.br/cartadeconjuntura/wp-content/uploads/2020/03/CC46_Vis%C3%A3o-Geral.pdf. Acesso em: 1 abr. 2020.
²USDA, United States Department of Agriculture, Foreign Agricultural Service. Production, Supply e Distribution (PSD). Disponível em: https://apps.fas.usda.gov/psdonline/app/index.html#/app/home. Acesso em: 1 abr. 2020.
³CAMARGO, F.P. et al. Previsões e Estimativas das Safras Agrícolas do Estado de São Paulo, Ano Agrícola 2019/20, Fevereiro de 2020. Análise e Indicadores do Agronegócio, v. 15, n. 4, abril 2020, Disponível em:
http://www.iea.sp.gov.br/out/TerTexto.php?codTexto=14780. Acesso em: 8 abr. 2020.
4SAMPAIO, R. M. Amendoim: retração da oferta e queda nas exportações em 2019, Análise e Informações do Agronegócio, v. 15, n. 2, fevereiro 2020. Disponível em: http://www.iea.sp.gov.br/ftpiea/AIA/AIA-06-2020.pdf. Acesso em: 24 mar. 2020.
5Op. cit. nota 4.
6COMEXSTAT, Portal de estatística de comércio exterior do Brasil. Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços (MICES). Disponível em: http://comexstat.mdic.gov.br/pt/home. Acesso em: 23 mar. 2020.
7MONTEIRO, R. Jogos Olímpicos e Paraolímpicos de Tóquio são adiados. Agência Brasil. Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/esportes/noticia/2020-03/jogos-olimpicos-e-paralimpicos-de-toquio-sao-adiados. Acesso em: 25 mar. 2020
8PREFEITURA de Campina Grande adia São João 2020 para outubro. Cultura, Jornal da Paraíba. Disponível em: http://www.jornaldaparaiba.com.br/cultura/sao-joao-2020-de-campina-grande-e-adiado-para-outubro.
html. Acesso em: 25 mar. 2020
Palavras-chave: óleo, grão, covid-19, produção, importação.