Escalada de Preços do Petróleo Pode Desandar Recente Alta nas Cotações do Café?


Em 2019, o mercado das commodities (alimentos e bebidas) andou de lado. O índice de commodities do Fundo Monetário Internacional (FMI) indica que, nos 12 meses transcorridos entre dezembro de 2018 a novembro de 2019, o índice dos alimentos e das bebidas praticamente se manteve estável, bem diferente daquele observado para o petróleo que oscilou, com tendência de alta, registrando no período ganho de 12,5% (Figura 1).


 

Em dezembro de 2019 e, sobretudo, no início de janeiro de 2020, houve determinantes da geopolítica internacional que catapultaram as cotações do petróleo: vitória dos conservadores no parlamento britânico – potencializando saída da UE sem acordo -; aproximação de acordo comercial tentativo entre EUA e China; bombardeio ao aeroporto de Bagdá com morte do general número dois na hierarquia política do país – descarrilando para um provável conflito generalizado fechando o Estreito de Ormuz. Em 24/11/2019, o tipo brent era cotado a US$62,43/barril, atingindo US$69,39 em 05/12/2020, ou seja, elevação adicional de 11,15% no transcorrer de 40 dias2.

Outros riscos de natureza externa podem repercutir negativamente a partir do alinhamento automático de Brasília às diretivas de Washington. Os países alinhados com o Irã (Iraque, Síria, Egito, Líbano e em menor grau Rússia e China) podem afetar duramente suas importações de produtos do agro brasileiro, causando imenso impacto na balança comercial do país. Dados contabilizados pelo acompanhamento mensal da balança comercial do agronegócio paulista conduzido por equipe do IEA indicam que, em 2019, as exportações do setor para os países da zona de influência do Irã devem se aproximar dos US$5 bilhões de dólares3.

Adentrando no mercado de café, as cotações no mercado futuro da Bolsa de Nova York, em dezembro de 2019, exibiram expressiva alta, com salto de patamar das cur-
vas futuras. No comparativo das médias semanais do mês, constata-se que, para a posi-
ção de maio/2020, a cotação fechou a primeira semana em US$¢125,88/lbp, evoluindo para US$¢130,88/lbp na média da quarta semana de dezembro, ou seja, incremento de 3,9% ou US$¢4,92lbp (Figura 2).


 

Dados do IEA/CDRS indicam que o preço médio recebido pelos cafeicultores francanos para o tipo 6 bebida dura, em dezembro de 2019, foi de R$539,30/sc.4. Efetuando--se as devidas conversões, esse valor representa US$131,21/sc. (média mensal de compra e venda: US$1,0=R$4,11), ou seja, US$99,25/¢lbp. Cotejando esse resultado com a média do futuro para maio de 2020, negociado em dezembro de 2019, quando se registrou o valor de US$131,68/¢lbp, constata-se que esse foi um excelente momento para a contratação de hedge, pois permitiria a captura de US$32,43/¢lbp para cada saca hedeada (acréscimo de cerca de R$80,00/sc., frente ao preço do mercado spot em Franca).

A Bolsa de Londres, em dezembro de 2019, não reproduziu a alavancagem do futuro observada no mercado de arábica, pois, após alta das cotações médias entre a primeira e segunda semana do mês (de US$64,26/¢lbp para US$65,44/¢lbp), as cotações recuaram na quarta para patamares inferiores aos praticados ao início do mês (média da quarta semana de US$62,31/¢lbp). Aparentemente, tal declínio das cotações, a despeito da escalada do arábica, decorre do incremento de 3,0% dos embarques observado entre novembro de 2018 até outubro de 2019 segundo dados da OIC5 (Figura 3).


 

O balanço de compra e venda de contratos exibiu, em dezembro de 2019, dramática inversão na percepção sobre o mercado por parte dos investidores. Entre fundos e grandes investidores, de balanço líquido favorável aos vendidos em 956 contratos pendeu para os comprados em 21.543 ao término do mês. Há, por parte dos investidores, forte percepção que a comercialização da safra brasileira acrescida das demais origens obrigará, necessariamente, ao consumo dos estoques de passagem (Tabela 1).

A perspectiva dos investidores para o mercado futuro de café sinaliza para uma temporada de relativa tensão. O declínio dos embarques mensais brasileiros observado a partir de outubro associado à retenção das vendas vietnamitas iniciada em novembro desestabilizaram a relativa sensação de fluxo de abastecimento em ritmo satisfatório.

 

 

No início de 2020, houve recuo nas cotações. Espera-se que os preços para o arábica permaneçam no patamar de US$120,00/¢lbp, patamar este que não é suficiente para estimular a produção dos concorrentes, mas que permite a captura de rentabilidade para os cafeicultores brasileiros adotantes de média e alta tecnologia de cultivo e de pós--colheita.

Caso os preços do petróleo não disparem em função do acirramento das tensões entre Bagdá e Washington, a corrente temporada cafeeira, ciclo de alta, poderá representar um momento de recapitalização dos cafeicultores após três safras consecutivas em que as cotações cobriam apenas seus custos operacionais.

 

  

1O autor agradece pelo trabalho de sistematização do banco de dados econômicos conduzido pelo agente de apoio à pesquisa científica e tecnológica do IEA, o analista de sistemas Paulo Sérgio Caldeira Franco.

 

2INVESTING.COM. Petróleo Brent Futuros. Nicosia: Investing.com, 2020. Disponível em: https://br.investing.com/commodities/brent-oil-historical-data. Acesso em: 6 jan. 2020.

 

3ÂNGELO, J. A. Exportacoes ira iraque siria libano egito.xls. São Paulo, 6 jan. 2020. 29 kB. Planilha do Microsoft Excel 97-2003.

 

4INSTITUTO DE ECONOMIA AGRÍCOLA. Preços médios diários recebidos pelos produtores. São Paulo: IEA, 2020. Disponível em: http://ciagri.iea.sp.gov.br/precosdiarios/precosdiariosrecebidos.aspx?cod_sis=6. Acesso em: 7 jan. 2020.

 

5INTERNATIONAL COFFEE ORGANIZATION. Relatório sobre o mercado do café (2019/2020). Londres: IOC, 2020. Disponível em: http://www.ico.org/pt/Market-Report-19-20-p.asp. Acesso em: 7 jan. 2020. 

 

Palavras-chave: mercado futuro, bolsa de valores, cotações do café.


 

Data de Publicação: 10/01/2020

Autor(es): Celso Luís Rodrigues Vegro (celvegro@sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor