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Pretextos e Implicações da Intervenção Pública no Mercado de Café
Elaborar políticas públicas requer amplos
conhecimentos técnicos sobre o papel do Estado, especialmente em um país que
adotou o liberalismo econômico como premissa de sua administração. Toda intervenção
deve ser, necessariamente, pautada pelos incentivos, preferencialmente contra
cíclicos, mobilizando a iniciativa privada em investimentos adicionais capazes
de viabilizar ganhos de escala no crescimento econômico e na ampliação do
bem-estar de sua população, notadamente, dos menos favorecidos (foco na redução
da heterogeneidade social). Quatro pilares devem ser considerados: a)
abrangência; b) oportunidade; c) desenho; e d) eficiência alocativa. Nos
últimos anos, foram agregados a esse desenho, ainda, diretrizes de
sustentabilidade socioeconômica e ambiental, tornando-se fundamentos na
destinação dos recursos. Nos últimos cinco anos, o mercado de café exibe
cotações declinantes nas duas bolsas internacionais de comercialização do
produto (Figura 1). Em contrapartida, os custos de produção no Brasil têm sido
ascendentes, especialmente os gastos com mão de obra e fertilizantes (Figura
2). Tais trajetórias têm
descapitalizado os cafeicultores. A permanência de lavouras de sequeiro e com
colheita manual é economicamente questionada. A conjuntura de preços deprimidos
e custos em ascensão mobiliza o segmento no pleito por políticas que permitam a
manutenção da renda em defesa da cafeicultura. Dentre as políticas debatidas
entre as lideranças do segmento, duas têm sido mais alardeadas: a) PEPRO invertido;
e b) opções públicas. O Prêmio Equalizador
Pago ao Produtor (PEPRO) consiste em subvenção concedida diretamente aos
produtores rurais quando o preço por eles recebido encontra-se abaixo do preço
mínimo de referência estabelecido para a cultura. Em março de 2019, o Conselho Monetário Nacional autorizou
elevação dos preços mínimos de referência para o café (arábica = R$362,53/sc. e
conilon = R$210,13/sc.). Portanto, pelas diretrizes da Política de Garantia de
Preços Mínimos, não há ainda possibilidade de lançamento de PEPRO para café,
pois as cotações atualmente se situam acima dos R$410,00/sc. para arábica e dos
R$280,00/sc. para o conilon. Diante dessa
dificuldade para constituir um PEPRO convencional, as lideranças políticas e
setoriais criaram uma nova modalidade, denominada de invertido. A proposição
consiste em subvencionar em R$50,00/sc. aos cafeicultores que conseguirem
comercializar seu produto somente quando obtiverem oferta de compra entre
R$438,00/sc. a R$488,00/sc. para arábica, e entre R$278,00/sc. a R$328,00/sc.
para conilon1. Esses limites de preços buscam
alavancar as cotações no mercado interno. A chamada inversão ocorre na medida em que para obter subvenção o
cafeicultor precisa, voluntariamente, reter o produto para forçar a alta nas
cotações. Qualquer preço recebido abaixo ou acima da faixa determinada perderia
o direito de receber a subvenção. A delimitação de faixas atende ao princípio
de que temos diversas cafeiculturas no território brasileiro e que um valor
seco poderia beneficiar ou prejudicar uns e outros. Como não há previsão
dessa ação pública no orçamento da CONAB, os parlamentares da frente do
café/agricultura precisarão incluir o PEPRO invertido no orçamento da União de
2020 (limitado pelo teto dos gastos). Diante do atual cenário de deficit fiscal do governo federal, são
remotas as possibilidades de êxito dessa proposição. A engenhosidade da
política proposta é bastante atraente. Todavia, sua operacionalização deverá
ser de difícil execução. A comprovação do recebimento na faixa de acesso ao
benefício dependeria da apresentação da nota fiscal emitida pelo comprador do
produto (cooperativa, trader,
indústria, corretor etc.). Esse mecanismo pode criar fábricas de notas fiscais
com lançamento de preços contabilmente majorados, mas financeiramente
deprimidos, visando rachar com o comprador parte da subvenção obtida pelo
cafeicultor. Uma alta de preços
fictícia com intuito de capturar a subvenção distorce o mercado, podendo gerar
quedas nas cotações ainda mais acentuadas no futuro. Mais coerente seria
elaborar estratégia, de convencimento da autoridade monetária, de que os preços
de referência estão abaixo dos custos médios de produção, demandando sua
correção. Com preço reajustado, a possibilidade de operar PEPRO na forma
clássica seria caminho menos tortuoso para promover a estabilidade de renda do
segmento. No
caso das opções públicas, o comprador da opção de venda é o produtor e/ou suas
cooperativas, sendo o vendedor da opção a CONAB. Quando o produtor compra uma
opção de venda, ele adquire o direito (mas não a obrigação) de vender o produto
a um preço de exercício, estabelecido pelo governo. Caso o comprador exerça a
opção, o governo (vendedor da opção) é obrigado a comprar. No leilão da opção
de venda, o produtor e as cooperativas oferecem seus lances para ajustar o
prêmio a ser pago pelo direito de vender ao governo. As
opções de venda representam política pública moderna, pois se vale de
mecanismos de mercado enquanto instrumento de garantia de preços e,
consequentemente, de renda. Havendo previsão de recompra da opção, ou seja,
liquidação financeira do título adiciona flexibilidade para a política, cessa o
interesse/espaço para receber o produto. Nas duas edições anteriores de opções de venda
(safras 2009 e 2010), calculou-se o preço de exercício oferecido pelo governo a
partir do preço mínimo vigente acrescido de 10% a título de apoio à
comercialização e expectativa de aumento do preço pelo mercado, mais o custo de
carregamento (custos de armazenagem, financeiro e de registro) entre o período
de colheita e a data de exercício. Determinou-se ainda que a embalagem do café
a ser entregue, em caso de exercício, fosse de sacaria de juta nova, com
ressarcimento pela CONAB. O ICMS teve o mesmo tratamento das operações
comerciais feitas no mercado à vista, enquanto o custo de transporte até o
armazém autorizado caso ocorra o exercício da opção corria por conta do
cafeicultor. Entretanto, a cada real de incremento dos preços da opção de venda,
o governo carrega mais risco com a operação, pois se tais preços não forem
alcançados dentro de prazo estipulado, o prejuízo do tesouro com a operação é
quase certo. A oportunidade da adoção da política de opções
públicas para compra de café precisa ser analisada mediante quatro
condicionantes fundamentais para a tomada de decisão: a) preços vigentes no
mercado físico; b) fase do ciclo bienal da cultura; c) patamar dos estoques
públicos do produto, e d) regras para a desova dos estoques adquiridos em caso
de exercício. A corrente safra brasileira é de ciclo de baixa no
calendário bienal da cultura. Ainda assim houve incremento dos estoques
mundiais. Caso não ocorram distúrbios climáticos de significativo impacto sobre
as lavouras ao longo do segundo semestre de 2019 e primeiro trimestre de 2020,
a próxima safra tenderá a ser maior que a atual (ciclo de alta). Esse cenário é
muito desfavorável para a alavancagem das cotações internacionais do produto.
Sob tal conjuntura, haverá maior resistência das autoridades responsáveis em
sustentar um programa de opções públicas, pois normalmente a intenção
perseguida é a de lançar o plano quando as expectativas são altistas para a
evolução das cotações, trabalhando a política na antecipação do fenômeno,
minimizando as chances do exercício da opção ainda que contemple a liquidação
financeira. Caso a construção do consenso aponte para o
lançamento de opções públicas, será imprescindível estabelecer as regras de
desmobilização dos estoques no mesmo protocolo que assinalou as opções de
venda, legitimando a decisão e conferindo maior transparência para a política. Os parâmetros de qualidade da bebida também podem
gerar grandes dificuldades para implementação de leilões de opção de venda para
esse ano. Houve muita desuniformidade na maturação dos frutos, refletindo-se em
dificuldade de produzir lotes com qualidade exigida (normalmente tipo 6 bebida
dura). Para preparar lotes aptos para entrega em caso de exercício da opção, os
cafeicultores terão custos adicionais de rebenefício de seu produto para
alcançar a padronização exigida, recebendo pelo resíduo da separação eletrônica
valor muito aquém do preço que vier a ser estipulado. A depender do preço
determinado para o exercício da opção, caso seja adotada, a venda de um lote
bica corrida poderá ser mais vantajosa. Mais
uma vez, por hipótese, havendo o exercício do volume contratado, os demais players desse mercado terão que comprar
o produto disponível não vinculado ao programa. Se a quantidade estabelecida
pela política for capaz de influenciar a formação dos preços (algo bastante
difícil de ser alcançado por meio de uma política unilateral) haverá incremento
dos custos de aquisição de matéria-prima por parte dos torrefadores,
solubilizadores e exportadores. Portanto, pode surgir resistências por parte de
elos importantes dessa cadeia no apoio ao pleito das lideranças. Sendo
o governo único vendedor, assume isoladamente o risco de preço. Sob essa
condição, o prêmio pago pelo direito de venda produz prêmio muito inferior ao
que seria praticado pelo mercado com mais participantes. Planejar, no escopo da
política, progressiva transferência do risco para os agentes privados
(contraparte dos produtores), de modo a alcançar um mercado de opções privadas
mais desenvolvido no país, seria fortemente recomendável. Uma alternativa seria
o governo subsidiar uma parte do prêmio negociado no mercado a ser pago pelo
produtor, deixando que o próprio mercado se desenvolva e assuma o risco. Aparentemente, implementar PEPRO convencional (sem a
jabuticaba da inversão) seria a ação mais racional do que lançar opções,
enquanto política pública para a futura safra, pois permite dimensionar o gasto
efetivo com a política e cabalmente estabelece a decisão em subsidiar o
cafeicultor sem causar impactar nos demais elos da cadeia. 1Essas
faixas de preços são indicativas e poderão ser alteradas com o avanço dos
debates entre os parlamentares e lideranças do segmento. Palavras-chave: políticas
públicas, PEPRO, opções públicas, mercado de café.
Data de Publicação: 13/09/2019
Autor(es): Celso Luís Rodrigues Vegro (celvegro@sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor