Artigos
Nematoides em Seringueiras: Um Relato de Baixa Rentabilidade
O Estado de São Paulo sempre foi pioneiro e inovador
no emprego de novas tecnologias agrícolas. É o maior produtor de borracha
natural do país, respondendo por 54% do total produzido1. Esta
cadeia produtiva gera importantes divisas e desenvolvimento socioeconômico para
São Paulo. De acordo com o levantamento do Instituto de Economia Agrícola (IEA)
abril/2019, existem 134,3 mil hectares de seringais plantados2 que
geram empregos diretos a mais de 18 mil pessoas no campo3 além de
postos de trabalho nas indústrias. A produtividade e rentabilidade destes seringais
dependem fundamentalmente de seu manejo adequado. Neste sentido, a produção de
mudas de qualidade é fator essencial para o sucesso da implantação da cultura,
dado seu período produtivo bastante longevo. As boas práticas agrícolas devem iniciar nos
viveiros, desde a escolha das sementes até a comercialização das mudas. Os
materiais de propagação de sementes e borbulhas devem apresentar boa qualidade
física, fisiológica e sanitária, além de origem genética conhecida e
comprovada. A publicação da Instrução Normativa nº 29 em 5 de
agosto de 2009, pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA)4,
alertou para a alta incidência de nematoides e para a baixa qualidade genética
e vegetativa das mudas de seringueira comercializadas. Em atendimento à citada
Instrução Normativa Federal, o Estado de São Paulo editou a Resolução Estadual
SAA nº 23, de 26 de junho de 20155, com a finalidade, entre outras,
de promover um salto tecnológico no sistema de produção de mudas e,
consequentemente, na qualidade dos seringais paulistas e, assim, colaborar para
o sucesso da atividade e para a antecipação do retorno do investimento, através
da precocidade e do desenvolvimento destas mudas no campo. No Brasil, já foram catalogadas em associação à Hevea brasiliensis (seringueira) cerca
de 20 espécies de nematoides. No entanto, nessa extensa lista, poucas espécies
apresentam de fato patogenicidade comprovada. Todavia, os nematoides das galhas (Meloidogyne
exigua) são responsáveis
pelos maiores prejuízos econômicos. Essa espécie (M. exigua) constitui-se
num sério problema em seringais e foi detectada pela primeira vez causando
danos em Rondonópolis, Mato Grosso, em 19926. Posteriormente, com
base em outro levantamento7, pode-se concluir que M. exigua estava amplamente distribuído
também no município de São José do Rio Claro, Mato Grosso. No Estado de São Paulo foi relatada8 a
ampla disseminação dos nematoides parasitos de plantas: em um levantamento com
75 seringais, 85% estavam infectados. Desses, Pratylenchus brachyurus foi a espécie mais frequente (66%), seguido
de Meloidogyne spp. (presente em 49%
dos seringais). Além disso, por meio da coleta de amostras de solo e raízes em
88 viveiros de mudas do Estado de São Paulo, constatou-se a presença de M. exigua e P. brachyurus, respectivamente, em 26% e 62% das raízes analisadas.9 Cabe ressaltar que M. exigua é espécie originária do Brasil. Atualmente, encontra-se
disseminada em todas as áreas cultivadas com café no Brasil, uma vez que o
cafeeiro é o seu hospedeiro principal. Ocasionalmente pode parasitar plantas
daninhas (melão de São Caetano, por exemplo) e outras plantas cultivadas
(tomate, melancia, cebola e pimentão). No entanto, há uma comprovada variação
intraespecífica. Vários estudos comprovam que populações oriundas de cafeeiro e
seringueira apresentam diferenças bioquímicas quanto à enzima esterase, com a
detecção de quatro fenótipos, E1, E1a, E1b e E2 e raças fisiológicas, sendo que
a Raça 3 de M. exigua parasita
somente a seringueira (mas não o cafeeiro), enquanto que a Raça 1 é aquela
composta por indivíduos que infectam apenas o cafeeiro e o pimentão e a Raça 2
por indivíduos que infectam o cafeeiro, pimentão e tomateiro. Portanto, como o nematoide M. exigua Raça 3 somente
parasita a seringueira, sua disseminação para áreas livres ocorrerá
principalmente por meio de mudas de seringueiras contaminadas. Dessa forma, é inegável que, dentre as medidas
disponíveis de controle de nematoides parasitos de seringueira, aquelas de
caráter preventivo são mais eficientes e econômicas quando comparadas aos
tratamentos curativos. A base do controle preventivo tem como estratégias
principais a utilização de mudas isentas de nematoides e plantio em áreas não
infestadas, cuja informação é obtida por meio da prévia análise nematológica do
solo e raízes da cultura antes estabelecida na área a ser cultivada. Como
ressaltado, em muitas publicações sobre nematoses de seringueira, o principal
modo de introdução de fitonematoides em áreas de cultivo ocorreu através de
mudas contaminadas. Assim, o uso de mudas certificadas é crucial para evitar a
introdução e disseminação. Conforme destacado no manuscrito publicado pelo
Professor Dr. Ailton Rocha Monteiro (ESALQ-USP), em 1981: “não se deve plantar
nematoides” que pode ser interpretado, na presente situação, como: “plante
seringueira, não nematoide”. Aliás, pela clareza de tal publicação10
e pelos ensinamentos nela contidos, deveria constituir leitura obrigatória a
todos os fitossanitaristas. De acordo com a Resolução SAA – 23, as mudas devem ser
produzidas em sacolas plásticas ou similar, com substrato, sobre bancada com no
mínimo 40 cm de altura. Este tipo de muda tem como vantagens, a homogeneidade,
a precocidade e a uniformidade. Há também vantagens para o trabalhador rural em
relação às suas condições de trabalho, que passam a ser mais humanas e
saudáveis. O trabalho em pé, em vez de agachado ou encurvado (preocupação com a
ergometria no campo), e o ambiente mais arejado são mais favoráveis à saúde e à
vida dos operários11. O produtor rural também pode ser beneficiado
em outro quesito, o de evitar a disseminação de novas pragas em sua
propriedade, visto que, na maioria das vezes, é através das mudas que ocorre a
disseminação de nematoides prejudiciais às seringueiras, em sua propriedade12.
Ademais, as mudas produzidas neste sistema possuem um sistema radicular mais
abundante quando comparado às mudas convencionais, o que garante homogeneidade
ao plantio e maior uniformidade do futuro seringal13. Por fim, há a
possibilidade de implantar a rastreabilidade genética com facilidade14.
Informações detalhadas sobre produção de mudas de seringueira em bancada e
substrato podem ser obtidas na Coordenadoria de Defesa Agropecuária do Estado
de São Paulo (CDA)15. 1 - ESTUDO DE CASO: ANÁLISE DE ÁREA
DE CULTIVO DE SERINGUEIRA COM INFESTAÇÃO DE NEMATOIDES Para verificar os danos causados pelo ataque de
nematoides em plantio de seringueira no Estado de São Paulo, a Assessoria
Técnica ligada ao gabinete da Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado
de São Paulo (SAA) solicitou aos pesquisadores do IEA e do Instituto Biológico
(IB), que realizassem uma visita técnica em uma propriedade de cultivo de
seringueira com infestação de nematoides visando analisar a extensão dos
problemas causados por essa infestação. A propriedade situa-se em Mirassol, São Paulo, onde
são cultivados 23,5 ha de seringueira, dos quais pelo menos 6 ha encontravam-se
bem afetados devido a presença de nematoides. As plantas infectadas
caracterizavam-se pelo intenso desfolhamento, seca de ramos, redução do
diâmetro do caule, redução do sistema radicular (Figura 1) e presença de galhas
nas radicelas (Figura 2). Como consequência do parasitismo, observou-se em
torno de dois anos de atraso no início da extração do látex e aumento do número
de plantas mortas. Cabe ressaltar que amostras de solo e raízes de seringueira
foram coletadas na área afetada e o resultado da análise realizada no
laboratório de nematologia do IB revelou a presença de 8000 ovos e juvenis
(forma infestante) de M. exigua por
10 g de raízes de seringueira, comprovando os sintomas observados. Ainda na visita técnica foram coletados os valores
gastos pelo produtor com o controle de nematoides, visto que o problema
persiste há mais de dois anos comparando-os com as despesas em defensivos
estimadas por Oliveira e Gonçalves16. As despesas realizadas pelo produtor no controle de
nematoides foram em valores nominais de R$57.733,19, no período compreendido
entre 17/06/2016 a 15/01/2019, na tentativa de controlar os efeitos causados
por M. exigua. Considerando a área de
23,5 ha, chega-se a um dispêndio de R$2.456,73 por hectare, ou seja, R$921,27/ha/ano,
valor muito superior aos calculados por Oliveira e Gonçalves17 para
todos os tratamentos preventivos (Tabela 1), usualmente utilizados com
defensivos da cultura em todo o ano produtivo. Observa-se que a partir do 7º ano inicia-se a
sangria com a produção do coágulo e no caso do produtor visitado, constatada a
infestação por nematoide, verificou-se que a produção no talhão onde a sangria
já foi iniciada, estava muito abaixo dos valores calculados que representam a
principal região produtora do estado (Tabela 1). Além disso, mesmo áreas onde
as plantas atingiram nono ano, ainda não entraram em produção por não
apresentarem as especificações necessárias para a produção18. Com os dados apresentados, verificaram-se evidentes
prejuízos em relação ao ataque de nematoides na atividade que vem apresentando
baixa produtividade19 em alguns talhões e falta de produção em
outros. Essas condições de despesas e baixa produtividade podem provocar o
insucesso econômico da atividade. 1A
IMPORTÂNCIA da borracha natural. Instituto
Agronômico (IAC). Campinas, 2015. Disponível em:
http://iac.impulsahost.com.br/areasdepesquisa/seringueira/importancia.php.
Acesso em: 22 jun. 2017. 2INSTITUTO
DE ECONOMIA AGRÍCOLA. Banco de dados. São Paulo: IEA, 2019. Disponível
em: http://www.iea.sp.gov.br/out/bancodedados.html. Acesso em: jul. 2019. 3Informação
fornecida na reunião da Câmara Setorial da Borracha Natural da Secretaria de Agricultura
e Abastecimento do Estado de São Paulo em fevereiro de 2019. 4BRASIL.
Ministério de Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Instrução Normativa n° 29,
de 5 de agosto de 2009. Aprova as normas para a produção e os padrões de
identidade e qualidade de sementes e de mudas de seringueira. Diário Oficial da União, Brasília, DF,
6 ago. 2009. Seção 1, p. 5. Disponível em:
https://www.normasbrasil.com.br/norma/instrucao-normativa-29-2009_77487.html.
Acesso em: jul. 2019. 5SÃO
PAULO (Estado). Secretaria de Agricultura e Abastecimento. Resolução SAA n° 23,
de 26 de junho de 2015. Estabelece exigências para cadastramento de viveiros,
jardins clonais, plantas matrizes produtoras de sementes e normas técnicas de
Defesa Sanitária Vegetal para a produção, comércio e o transporte de mudas,
borbulhas e sementes de seringueira (Hevea spp) no Estado de São Paulo. Diário Oficial do Estado de São Paulo,
São Paulo, 27 jun. 2015, Seção 1, p. 22. Disponível em:
https://www.legisweb.com.br/legislacao/?id=286267. Acesso em: jul. 2019. 6SANTOS,
J. M. Histopatologia em raízes de seringueira infectadas por Meloidogyne
exigua. Fitopatologia Brasileira, Brasília, v. 17, n. 2, p. 226,
1992. 7BERNARDO,
E. R. A. et al. Levantamento de Meloidogyne
exigua na cultura da seringueira em São José do Rio Claro, MT, Brasil. Ciência Rural, Santa Maria, v. 33, n.
1, p. 157-159, 2003. Disponível em:
http://.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttex&pid=s0103-84782003000100025&Ing=en&nrm=iso.
Acesso em: jul. 2019. 8WILCKEN,
S. R. S. et al. Nematoides fitoparasitas em seringais do Estado de São Paulo. Summa Phytopathologica, Botucatu, v.
41, n. 1, p. 54-57, 2015. 9PAES,
V. S. et al. Ocorrência de nematoides em viveiro de mudas de seringueira no
estado de São Paulo. In: CONGRESSO
BRASILEIRO DE FITOSSANIDADE, 2., 2013, Jaboticabal. Anais [...]. Jaboticabal: Unesp, 2013. p. 446-449. 10MONTEIRO,
A. R. Não se deve “plantar” nematóides. Nematologia
Brasileira, ed. 5, p. 13-20, jan. 1982. Disponível em:
http://nematologia.com.br/files/revnb/5.pdf. Acesso em: 24 jul. 2019. 11PEREIRA,
A. V. et al. Produção de mudas de
seringueira em viveiro suspenso. In:
Encontro Técnico de Heveicultura, 2., 2011, Barretos. Anais [...]. Barretos: ETH, nov. 2011. Disponível em: docplayer.com.br/38843441-Sementes-e-mudas-de-seringueira.
Acesso
em: 22 jun. 2017. 12MUNIZ,
M. D. S. et al. Diversity of Meloidogyne
exigua (Tylenchida; Meloidogynidae) populations from coffee and rubber
tree. Neumatology,
Leiden, v. 10, n. 6, p. 897-910, 2008. 13COELHO,
L. Morte descendente de plantas de
Seringueira (Hevea brasiliensis) e origem de mudas. (Nota técnica). jan.
2018. 7 p. Disponível em: https://www.defesa.agricultura.sp.gov.br/www/gdsv/conteudoPalestras/DocumentosNematoides/01-Morte-Descendente-de-Plantas-Adultas-de-Seringueira-e-Origem-de-Mudas.pdf.
Acesso em: 24 jul. 2019. 14GONÇALVES,
E. C. P.; MARTINS, A. L. M.; DELLA NINA, L.C. Diagnóstico dos viveiros
suspensos de mudas de seringueira no estado de São Paulo. Pesquisa & Tecnologia, Campinas, v. 14, n. 2, p. 1-12, 2017. 15MARTINS,
A. L. M. et al. Produção de mudas de
seringueira em bancada e substrato (viveiro suspenso). São Paulo: APTA:
CATI: DA, 2017. Disponível em:
https://www.defesa.agricultura.sp.gov.br/arquivos/sanidade-vegetal/seringueira/seringueira-manual-legislacao-01-02-2017.pdf.
Acesso em: jul. 2019. 16OLIVEIRA,
M. D. O.; GONÇALVES, E.C. P. Custo de
produção e rentabilidade da cultura da seringueira: safra 2018/19. Análises
e Indicadores do Agronegócio, São Paulo, v. 14, n. 2, p. 1-7,
fev. 2019. Disponível em: http://www.iea.sp.gov.br/ftpiea/AIA/AIA-09-2019.pdf. Acesso em: fev.
2019. 17Op.
cit. nota 16. 18A
medida das árvores é feita a 1,30 m a partir do solo. As árvores no ponto de
sangria deverão ter no mínimo 45 cm de circunferência. Esse referencial indica
que as plantas estão em condições de sangria e que possuem casca suficiente
para a formação da canaleta por onde o látex escorrerá. Conforme SOUZA, I. A.
Sangria da seringueira: guia prático para o seringueiro. Documentos, Vitória, n. 215, p. 1-24, 2013. Disponível em: https://biblioteca.incaper.es.gov.br/digital/bitstream/item/487/1/Sangria-da-Seringueira-2013-AInfo.pdf.
Acesso em: jul. 2019. 19O
produtor não possui anotações das quantidades produzidas. Alegou que são muito
baixas se comparadas com o potencial da cultura e das médias regionais. Palavras-chave: seringueira,
nematoide, infestação, mudas de seringueira.
Data de Publicação: 25/07/2019
Autor(es):
Marli Dias Mascarenhas Oliveira (marlimascarenhasoliveira@gmail.com) Consulte outros textos deste autor
Claudio Marcelo G. Oliveira Consulte outros textos deste autor