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Programa ABC: a oferta de recursos para investimentos em tecnologias com baixa emissão de carbono, safras 2015/16 a 2018/19
Além da importância
do crédito rural no fomento às atividades agropecuárias, ele é um influente
instrumento de intervenção governamental sobre as práticas de gestão do setor.
Nesse sentido, verifica-se que nos últimos anos o crédito rural vem, a cada
safra, tentando induzir os agropecuaristas a minimizarem os impactos negativos
que exercem sobre o meio ambiente por meio da criação de programas e linhas de
crédito com viés ambiental. Exemplos disso são as linhas do Programa
Nacional de Agricultura Familiar
(PRONAF), o PRONAF ECO e o PRONAF Floresta, destinados a essa tipologia de produtor, a Inovação
Tecnológica na Produção Agropecuária (INOVAGRO), o MODERINFRA (que financia investimentos de irrigação e
armazenagem), o MODERAGRO
(conservação de recursos naturais) e o Programa Agricultura de Baixo Carbono
(ABC). Apesar da interface
entre esses programas, o único que se vincula diretamente ao meio ambiente é o
Programa ABC, voltado a estimular investimentos em tecnologias que
comprovadamente reduzem a emissão de gases de efeito estufa provenientes das
atividades agropecuárias. O Programa ABC foi
criado para dar suporte ao Plano ABC que, por sua vez, surgiu em decorrência de
um acordo internacional sobre mudanças climáticas, no qual o Brasil se
comprometeu a mitigar as emissões de gases de efeito estufa1, a fim
de frear o aumento da temperatura média do planeta. Em
2010, quando surgiu o Plano ABC, 92,1% das emissões do setor agropecuário, medidas
em CO2e, foram provenientes de fermentação entérica (57,6%) e do
manejo do solo agrícola (34,5%)2. A fermentação
entérica decorre de um processo natural eminente da digestão de animais
ruminantes, de modo que a mitigação dessa fonte depende, dentre outros fatores,
do estado em que se encontra a área de pastagem e da alimentação complementar
dos animais. Essa última depende da produção de grãos, como soja e milho, os
quais utilizam fertilizantes nitrogenados, que, por sua vez, poluem o meio
ambiente tanto por via direta, devido à aplicação do adubo em si, quanto
indireta, em decorrência da hidrólise da ureia e da lixiviação do solo, pois
cerca de 60,0% do nitrogênio presente nos fertilizantes não chega a ser
incorporado pelas plantas3, ficando livre para escorrer nas zonas de raízes, poluindo aquiferos e
áreas costeiras através da eutrofização. Assim, dentre as
estratégias para minimizar a emissão de gases de efeito estufa da agropecuária,
incluiu-se a oferta de créditos de investimentos na adequação das propriedades
rurais às regras ambientais, no tratamento de dejetos animais4 e na
ampliação das áreas cultivadas com recuperação de pastagens, sistemas
integrados (integração lavoura-pecuária e floresta-ILPF), florestas plantadas, plantio
direto e fixação biológica de nitrogênio (FBN). A recuperação das
pastagens (cobertura do solo), além de propiciar uma alimentação melhor aos
animais, funciona como sumidouro de carbono compensando as emissões do processo
digestivo dos ruminantes e minimizando a lixiviação do solo. Os sistemas integrados,
o plantio direto e a fixação biológica de nitrogênio (ou inoculação de
bactérias fixadoras de nitrogênio) são sistemas de produção alternativos menos
emissores de gases de efeito estufa, não só por possibilitarem menor uso de
fertilizantes, mas também por evitarem a lixiviação.
Na safra 2015/16, o
recurso planejado para todos os programas de investimentos agropecuários foi de
R$38,2 bilhões, dos quais R$3,0 bilhões foram para fomentar as práticas
agropecuárias com baixa emissão de carbono, o Programa ABC (Tabela 1). Na safra seguinte
(2016/17), devido à retração da economia brasileira e a consequente expectativa
de menor demanda para investimentos, o montante destinado a essa modalidade de
crédito foi reduzido em 11,0%, situando-se em R$34,0 bilhões. Esse decréscimo
teve reflexos desarmônicos na alocação dos recursos programados: enquanto os
montantes disponibilizados para o MODERINFRA
e para o MODERFROTA tiveram
aumentos de 89,7% e de 38,4%, respectivamente, para a inovação tecnológica na
produção agropecuária (INOVAGRO) e
para a implementação de tecnologias de baixo carbono na agricultura (Programa
ABC) os recursos disponibilizados foram 11,1% e 0,3% abaixo do ofertado na
safra anterior, 2015/16 (Tabela 1).
Comparando-se as safras 2015/16 e 2016/17,
cujos recursos disponibilizados para o Programa ABC foram bastante próximos
(cerca de R$3,0 bilhões), verifica-se que houve uma
retração de 52,7% nos contratos efetivados pelo programa (Tabela 2). A
retração no número de contratos efetivados na safra 2016/17 pode ser decorrente
da alta taxa de juros estipulada para as linhas do ABC (entre 8% e 8,5%), em um
momento de retração da economia brasileira (Tabela 3). Na safra 2016/17, as operações menos procuradas foram
a ILPF (64,0%), o plantio direto (53,3%) e a recuperação de pastagem (50,7%),
sendo que não foi registrado nenhum contrato de investimento em fertilização
biológica de nitrogênio (Tabela 2). Na safra 2017/18, o
total dos recursos disponibilizados para os créditos de investimento retornou
ao patamar da safra 2015/16: R$38,15 bilhões, registrando um aumento de 12,2%
em relação ao ano anterior (Tabela 1). Mas o montante destinado ao Programa ABC
foi de R$2,1 milhões, 28,8% abaixo do disponibilizado em comparação tanto com a
safra anterior (2016/17) quanto com a de 2015/16. Ou seja, mantido praticamente
fixo o valor total dos recursos (R$38 bilhões), a contribuição para o ABC,
frente aos demais programas, foi reduzida (Tabela 1), passando de 7,8% na safra
2015/16 para 5,6% na safra 2017/18. Ao que parece, no ano agrícola 2017/18, a
prioridade do governo recaiu sobre os Programas MODERFROTA,
e MODERINFRA, cujos recursos
financeiros aplicados, em relação à safra anterior, tiveram acréscimos de 82,2%
e 9,1%, respectivamente, em detrimento dos demais programas de investimento,
cujas disponibilidades de recursos se mantiveram praticamente constante ou
decresceram (Tabela 1). Ademais, com exceção do INOVAGRO, cuja
taxa de juros foi reduzida em dois pontos percentuais, as taxas de juros dos
demais programas tiveram menor retração (Tabela 3). Nesse sentido, o diferencial da taxa de juros na
safra 2017/18 tornou o INOVAGRO (que
não necessariamente se vincula à agricultura sustentável) mais atrativo que o
ABC, aos olhos do agropecuarista empreendedor. Independentemente do programa
que optar, todo tomador de crédito enfrenta as burocracias vinculadas ao
cadastro e garantias do produtor, mas a opção pelo ABC é acrescida ainda da
exigência de se apresentar um projeto técnico específico, contribuindo para
afugentar o agropecuarista que não for orientado de que esse custo adicional também
está sendo coberto pelo programa. Na
safra 2017/18, mesmo com menos recursos disponibilizados para o ABC (R$2,1
bilhões), embora com a taxa de juros mais baixa que na safra anterior, foram efetuados 3.812 contratos, um
acréscimo de 33,8% em relação à 2016/17, refletindo avanço na maio- Dentre
as novidades do Programa ABC 2017/18, houve a inclusão da linha de crédito para
implantação, melhoramento e manutenção de oliveira e nogueira, e uma alteração
nos recursos destinados para as culturas açaí, cacau e dendê, os quais deixaram
de ser restritos ao Bioma Amazônia e estenderam-se para todas as regiões do
país. A inclusão das linhas destinadas à implantação de
oliveira e nogueira, bem como a extinção do limite regional para frutíferas
perenes (açaí, cacau e dendê), além de ressaltarem o foco do ABC em
tecnologias sinérgicas ao sequestro
de carbono (“plantio de árvores”), podem ter contribuído para o aumento
de 39,8% nos contratos efetivados com fins de implementação de ILPF (Tabela 2).
Como de praxe, a recuperação de
pastagens continuou liderando a demanda por crédito, tanto no que se refere ao
número de contratos efetivados, quanto em valor. Contudo, as
finalidades do ABC mais contratadas foram a implantação de sistemas orgânicos,
a regularização ambiental (adequação às regras do Código Florestal) e o plantio
direto, cujos respectivos números de contrato tiveram acréscimos de 600%, 128%
e 91% (Tabela 2). Com base nos valores médios dos contratos efetivados
apresentados na tabela 2, observa-se que estes estão muito aquém dos limites de
crédito estipulados por agropecua- Nesse sentido, cabe ressaltar uma peculiaridade da orçamentação
pública: os recursos disponibilizados no ano x para um fim específico e que não
forem usufruídos naquele ano, serão reduzidos no ano seguinte. Esse
procedimento visa equiparar a disponibilidade dos recursos ofertados à demanda
até o ponto de equilíbrio. Até atingir esse momento, o diferencial entre os
recursos disponibilizados e utilizados é alocado em outras linhas. O plano-safra 2018/19, mesmo com recursos 6,1% menores
que no ano anterior (Tabela 1), aumentou o valor do limite de crédito por
beneficiário, que passou de R$2,2 milhões para R$5,5 milhões, igualando-se ao limite antes
já dado para a implantação de florestas comerciais. Estratégia positiva para se
aumentar a área de implementação das tecnologias de baixa emissão de carbono,
mesmo que em detrimento do número de contratos efetivados. O plano-safra 2018/19 também melhorou a competitividade do
Programa ABC, reduzindo a taxa de juros para todas as finalidades. Com exceção da regularização ambiental, que se
alinha ao Código Florestal (recomposição da reserva legal e área de proteção
premente), cujas taxas de juros são ainda menores (5,25% a.a.), a taxa de juros
das demais operações do programa foi reduzida de
7,5% a.a. para 6,0% a.a., igualando-as à taxa de juros que seu principal
concorrente, o INOVAGRO (Tabela
3), o qual, conforme já mencio- Nesse sentido, torna-se premente o papel do
agente financiador em conscientizar o agropecuarista contratante que: a)
as tecnologias que se harmonizam com o ambiente (clima, solo e água) trazem
efeitos positivos sobre a renda do produtor, uma vez que interferem diretamente
na produtividade da agropecuária, e proporcionam melhor qualidade de vida à
sociedade; e b) o Programa ABC financia um pacote
tecnológico completo que vai desde os serviços destinados até a elaboração dos
projetos técnicos, como também a assistência técnica para a implementação das
ações até a fase de maturação das propostas. Somente
essa conscientização contribuirá tanto para o aumento da demanda pelas linhas
do programa (e consequentemente para o aumento dos recursos creditícios concedidos para as tecnologias do
ABC), como também para agilizar a implantação da agropecuária sustentável, sem
a qual tornar-se-á impossível minimizar o aquecimento da temperatura média do
planeta. _____________________________________ 1No Acordo de Paris, o Brasil determinou
que o montante das emissões de 2025 e de 2030 fossem, respectivamente, 37% e
43% abaixo dos níveis de gases de efeito estufa liberados em 2005. A estratégia
para isso é extinguir do desmatamento ilegal; restaurar 12 milhões de hectares
de florestas, 15 milhões de hectares de pastagens degradadas; e integrar 5
milhões de hectares de lavoura-pecuária-florestas, dentre outros. 2Calculado a
partir dos dados do SISTEMA DE ESTIMATIVA DE EMISSÃO DE GASES DE EFEITO ESTUFA
- SEEG. Base de dados. Brasil: SEEG,
2016. Disponível em: <http://seeg.eco.br/>. Acesso em: 1 jun. 2016. 3CANTARELLA, H. Nitrogênio. In: NOVAIS,
R. F. et al. (Eds.). Fertilidade do solo. Viçosa: Sociedade
Brasileira de Ciências do Solo, 2007. p. 375-470. 4Os dejetos animais emitem metano, poderoso gás de
efeito estufa. O tratamento de dejetos consiste em confinar o metano, para
evitar que seja liberado na atmosfera, e convertê-lo em biofertilizantes, gás
veicular e/ou geração de eletricidade, o que contribui para a mitigação dos
gases de efeito estufa em três setores econômicos: agricultura, transporte e
elétrico. 5BANCO
CENTRAL DO BRASIL - BACEN. Matriz de
dados do crédito rural. Brasília: BACEN. Disponível em: <http://www.bcb.gov.br/pt-br/#!/c/MICRRURAL/>.
Acesso em: 21 jul. 2018.
Palavras-chave: mudanças
climáticas, agricultura de baixo carbono, financiamento agropecuário, programa
ABC.
ria das finalidades oferecidas (Tabela
2). As exceções foram a inexistência de contratações para investimento
em FBN e a queda de 73,0% nas operações destinadas ao tratamento de dejetos,
cujo valor despendido nos contratos também teve forte redução (68,9%), em
relação à safra 2016/17. Nesse sentido, cabe uma ressalva: embora não seja
muito divulgado, a aquisição de biodigestores, máquinas e equipamentos tanto
para compostagem quanto para a produção de energia é item financiável do
Programa ABC. Também é passível de crédito o custo da elaboração de projeto
técnico e georreferenciamento das propriedades rurais. Esse financiamento
inclui as despesas técnicas e administrativas relacio-
nadas ao processo de regularização ambiental e à assistência técnica até a fase
de maturação do projeto e os serviços destinados à implantação e manutenção dos
projetos financiados5.
ristas nos planos-safra passados, que foram de, respectivamente, R$2,0 milhões,
R$5,0 milhões e R$2,2 milhões para as safras 2015/16, 2016/17 e 2017/18,
contribuindo para que o valor dos contratos efetivados seja inferior aos dos recursos
disponibilizados.
nado, não obrigatoriamente se vincula à implementação de tecnologias
sustentáveis ao meio ambiente.
Data de Publicação: 01/08/2018
Autor(es): Silene Maria de Freitas (silene.freitas@sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor