Artigos
Curva Futura do Café: geopolítica baliza cotações
O ciclo de desvalorização de amplo conjunto de
moedas ainda não se concluiu, uma vez que a maior parte delas continuará se
depreciando frente ao dólar. Para além de causas intrínsecas a determinados
países (instabilidade econômico/política brasileira, pedido de empréstimo
argentino ao FMI, vitória populista no pleito mexicano, acirramento da guerra
comercial EUA x China e EUA x UE, etc.), aspecto explicativo pouco comentado
entre analistas do mercado de câmbio consiste na reforma fiscal implementada
pelo governo Trump. A redução de alíquota de 35% para 21% no imposto cobrado
sobre o lucro das empresas2 (medida aprovada pelo senado americano
em dezembro de 2017) fez migrar a contabilização das receitas obtidas nas
filiais espalhadas pelo mundo para os EUA, obtendo vantagens tributárias, uma
vez que, na maior parte dos países, as alíquotas superam o novo piso estadunidense.
Assim, a manutenção desse ciclo de desvalorização, de amplo leque de moedas
frente ao dólar, somente será amenizada após os países alinharem suas políticas
tributárias as vigentes nos EUA, algo pouco factível no curto prazo. No mercado de futuros de câmbio da B3, os
investidores mantiveram suas perspectivas pessimistas em relação à trajetória
da paridade do real x dólar. As médias semanais dos contratos negociados no
mercado futuro de dólar apontaram sistematicamente para a depreciação do real.
Sem as vultosas intervenções do BACEN, o ritmo de perda de valor do real seria
ainda maior, pois fatores como arrefecimento do dinamismo econômico (reforçado
pela paralisação dos caminhoneiros), manutenção do patamar de ociosidade das
indústrias, encolhimento do saldo da balança e ainda elevada taxa de desemprego
formam contexto poucas possibilidades para a estabilidade do valor do real
(Figura 1). Ainda que no curto prazo a desvalorização tenha
potencialmente possibilidades em melhorar os preços praticados no mercado
doméstico, os investidores internacionais acabam descontando essa vantagem,
derrubando mais que proporcionalmente a cotação futura do produto e gerando, no
balanço dos movimentos financeiros, perda líquida para os cafeicultores. A média dos preços recebidos em junho pelos
cafeicultores do cinturão francano calculado pelo IEA foi de R$456,75/sc. 60 kg
de café beneficiado (tipo 6 bebida dura)4, considerando-se a média
das cotações da quarta semana de setembro/2018 (segunda posição), que fechou em
US$¢154,30/lbp. Convertendo-se essa cotação para reais/sc. de 60 kg (dólar
futuro a R$3,84), alcança-se R$592,43/sc. Estimando em 20% o deságio para o preço
de contrato (englobando diferencial frente ao contrato C, taxas da corretagem,
emolumentos, custo financeiro do aporte para ajuste diário, custo de
armazenamento do produto até a entrega futura), o cafeicultor receberia nessa
operação aproximadamente R$473,94, ou seja, R$17,19/sc., montante que pode ser
atrativo para contratação de hedge
para o produto, especialmente nesse contexto em que se esperam baixas ainda
maiores nas cotações. No mercado de contratos futuros de café robusta
negociados na Bolsa de Londres, a trajetória das médias das cotações futuras
semanais foi baixista, com mudança de patamar entre a primeira e a quarta
semana do mês, ou seja, bastante aderente ao que se observou no mercado de
arábica (Figura 3). Queda no preço do arábica conduz os torrefadores a
incrementar a adição de arábica no blend.
Esse fato pressiona as cotações do robusta, induzindo os investidores desse
mercado a descontar, nas cotações, a real possibilidade de substituição do
produto. A prevalência de posições líquidas vendidas, na casa
dos 60 mil contratos entre fundos e grandes investidores, situa muito
remotamente qualquer possibilidade de melho- ria
das cotações a médio prazo (Tabela 1). Até mesmo os investidores que atuam com
o produto no físico, ao menos na primeira semana, desfizeram-se de posições
compradas gerando posição líquida vendida, ou seja, aproveitaram-se da queda
sistemática das cotações para se aproveitar dos menores preços. O mercado de commodities
em geral exibe ambiente de mercado baixista, não sendo o café uma exceção. A
tendência de acirramento das disputas comerciais envolvendo os grandes players globais (EUA, China e UE)
promoverá mais e maiores baixas nos mercados de commodities em razão da necessidade de redirecionamento das vendas
para outros destinos dos excedentes que perderam mercado devido a retaliações.
Aos cafeicultores duas recomendações: a) evitar posturas especulativas retendo
produto; e b) aprimorar a gestão dos empreendimentos visando ganhos marginais
que permitam a travessia desse período de contração dos preços. 1O
autor agradece o trabalho de sistematização do banco de dados econômicos
conduzido pelo Agente de Apoio à Pesquisa Científica e Tecnológica do IEA, o
analista de sistemas Paulo Sérgio Caldeira Franco. 2Ver detalhes em: AFP. A reforma fiscal dos Estados Unidos em cinco cifras. Brasil: Exame,
dez. 2017. Disponível em:
<https://exame.abril.com.br/economia/a-reforma-fiscal-dos-estados-unidos-em-cinco-cifras/>. Acesso
em jul. 2018. 3Analista do mercado de café brasileiro foi dos primeiros
a anotar essa possibilidade: ROCHA, A. A. Rabobank
reduz projeção para safra 2018/19 de café no Brasil. São Paulo: Valor
econômico, mar. 18. Disponível em: <https://www.valor.com.br/agro/5372655/rabobank-reduz-projecao-para-safra-201819-de-cafe-no-brasil>.
Acesso em: jul. 2018. 4Disponível para assinantes em: INSTITUTO DE ECONOMIA
AGRÍCOLA - IEA. Banco de dados. São
Paulo: IEA/ CATI. Disponível em:
<http://ciagri.iea.sp.gov.br/precosdiarios/precosdiariosrecebidos.aspx?cod_sis=6>.
Acesso em: jul. 2018. Palavras-chave: mercado futuro,
cotações do café, Bolsa de Valores.
Data de Publicação: 11/07/2018
Autor(es): Celso Luís Rodrigues Vegro (celvegro@sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor