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Cafés do Brasil: qualidade, competitividade e reconhecimento... Só que não!
Em âmbito global, foi a partir dos anos 1990 que
ocorreu a inflexão na curva de consumo global de café. Nos primeiros 30 anos do
período considerado (1970-1999), a taxa de crescimento geométrico médio por
década saltou de 1,3% a.a. para 1,8% a.a. Esse ritmo de crescimento mantinha-se
similar ao do aumento vegetativo da população mundial. Entretanto, foi a partir
dos anos 2000 que se acelera a taxa de crescimento do consumo que evolui para
2,5% a.a. e, na década seguinte (2010-2017), ainda que exiba ligeiro
arrefecimento, o consumo se expande a taxa de 2,3% a.a., mantendo-se em ritmo
mais intenso do que nas primeiras três décadas da série (Figura 1). Ainda que já estivesse presente entre consumidores
japoneses, a aceleração recente do consumo de café é, reconhecidamente,
resultado da crescente aceitação do hábito entre as demais populações dos
países asiáticos. O chamado Eixo Pacífico ganha proeminência, destacando-se em
quantidades face as qualidades, caminhando para deslocar a habitual rota
Atlântica, tradicionalmente até então percorrida pelos embarques de café no
comércio internacional da bebida. Considerando o atual dinamismo para o consumo global
de café, torna-se possível estabelecer cenários para o desempenho da demanda
para a próxima década. Naquele que é considerado o cenário mais provável (a
taxa de crescimento anual da demanda de 2,0% a.a.), a quantidade de café
necessária para manter o suprimento mundial, em 2030, seria da ordem de mais de
205 milhões de sacas, podendo atingir 219 milhões de sacas se o cenário
considerado for o otimista (Figura 2). Essas projeções sinalizam como será o futuro do
agronegócio café e, especialmente, posicionam objetivamente os desafios que
esse segmento terá pela frente em território brasileiro. Todos os agentes
econômicos envolvidos terão que ampliar suas iniciativas centrando-se mais no
incremento da produção e da produtividade do que na expansão da área cultivada,
e a indústria inovando na tecnologia de processamento
e de apresen- tação
do produto e o comércio atendendo prontamente o clamor global por mais e
melhores cafés. Ao setor público caberá estabelecer, com criatividade e ações
pró-mercado (visando garantir a renda do cafeicultor), difundir novas
tecnologias e normatizar quesitos de sustentabilidade, sanidade, saudabilidade
e padronização dos tipos, entre outros temas necessários para a boa governança
entre os agentes de mercado. As informações exibidas denotam futuro promissor
para agronegócio café no mundo. O Brasil, enquanto principal produtor,
exportador e segundo maior consumidor, deveria, ao menos em tese, assumir
protagonismo nesse mercado. A história dessa cultura em nosso país, a
tecnologia agronômica aplicada à lavoura que aqui se desenvolveu, a excelência
comercial dos exportadores, o empenho da indústria em oferecer segmentada linha
de produtos e uma grande população majoritariamente apreciadora da bebida
configuram poderoso arranjo para posicionar o Brasil como país de maior êxito
no contexto de dinâmico desse negócio. Todavia, submetendo a análise pormenorizada dos
dados do comércio global de café por parte do Brasil, constata-se que, nos
últimos dez anos, os resultados obtidos seguem na contramão da tendência mais
geral destacada. No decênio 2008-2017, o ritmo de incremento dos embarques
brasileiros (considerando todos os segmentos) foi de apenas 1,1% a.a. Mesmo
tomando-se aquele de melhor desempenho (as exportações de arábica), a taxa de
crescimento do quantum enviado ao
exterior foi de 1,4% a.a., ou seja, 0,6% a.a., abaixo da média mundial (Tabela
1). Sendo o Brasil o principal player do mercado e tendo incrementado tão pouco seus negócios
internacionais em café, seus competidores certamente foram os responsáveis pelo
crescimento apurado de 2% a.a. para transações do produto (Figura 1). No
quesito valor apurado nas exportações de arábica, resultado de 1,8% a.a.,
denota que cafés brasileiros foram algo mais valorizados (interesse maior pelos
cafés certificados, gourmet e pelas
duas maravilhas da cafeicultura brasileira: o cereja descascado e o bourbon
amarelo). Muitos países competidores suplantaram em quantum exportado o desempenho
brasileiro em arábica. A pífia expansão de 1,4% a.a., no decênio passado, não
se compara com os 26,3% a.a. da Indonésia, 8,1% a.a. de Uganda ou 3,2% a.a. da
Etiópia. Procedendo--se mesmíssima análise para os competidores em robusta,
constatou-se que esse mercado cresceu 2,1% a.a. no decênio, com forte
incremento dos embarques de desse tipo na Índia, Vietnã e Uganda. Em contrapartida,
o Brasil amarga declínio dos embarques de -19,5% a.a. no mesmo período
considerado. O lamentável desempenho brasileiro se repete no caso do solúvel
com taxa mundial crescendo 7,3% a.a. (destaque para Vietnã, Indonésia e Índia)
e Brasil com ridículos 0,3% a.a. (Tabela 2). A essa altura surgem questionamentos. O que será que
esses países líderes atuais no avanço do comércio internacional de café, com
muito menos história na lavoura, com pior tecnologia e menor conhecimento
comercial e industrial, têm de melhor que o Brasil? Onde é que residem tais competências que por aqui não se vislumbram?
Tais questionamen-tos NÃO deveriam estar na ordem do dia das lideranças
do segmento e dos gestores das políticas públicas destinadas ao agronegócio
capazes de reinserir o país na rota de ampliação de seu market share no suprimento mundial? Entre 2012 e 2017, segundo dados da OIC1,
a taxa de crescimento do consumo de café entre países exportadores alcançou
2,0% a.a. (totalizando cerca de 49 milhões de sacas em 2017), suplantando a
taxa calculada para países importadores que, no período considerado, atingiu
1,7% a.a. (Tabela 3). . Para atender ao ritmo de aumento do consumo dos
países exportadores, melhor se prepararam a Indonésia e o Vietnã que o Brasil.
Os dois primeiros, em 2017, perfizeram 47% e 26% das exportações totais para
tais destinos, respectivamente, enquanto o Brasil incrementou suas exportações
em apenas 8%2. Ilegítimo tentar argumentar que a distância do
Brasil do Eixo Pacífico favorece nossos competidores, deslocando o país da até
então consolidada liderança do comércio exportador. Tomando-se como referência,
por exemplo, os embarques para os EUA (maior mercado consumidor), pertencente
ao Eixo Atlântico, evidencia-se acelerada substituição da origem Brasil pela de
outros países concorrentes (Tabela 4). Admirável o avanço hondurenho no mercado
estadunidense. A imagem de república de bananas, ao menos em café, pertence a
outro país, esse de dimensões continentais. O que temos de fato no Brasil é um deficit no crescimento da produção
associado a políticas mal desenhadas (vide o ranço contra o drawback e da destinação errática das
linhas de crédito), e persistente desconfiança entre os membros do mercado
(cafeicultor contra indústria, indústria contra exportação, etc.). Essa
incapacidade de produzir consensos e mútua confiança e, consequentemente,
crescimento econômico, não é exclusividade do segmento café, mas da economia
como um todo que permanece refém de modelos de desenvolvimento que já não mais
atende aos princípios que norteiam aqueles países que avançam aceleradamente,
crescem e se tornam mais prósperos que o Brasil. Em 2017, a participação da origem
Brasil (todos os tipos) no comércio mundial de café foi de apenas 25%3!
O rei está nu. Aqueles que acreditam que veem, e os cegos também, parecem não
desconfiar que uma ruptura está prestes a acontecer. 1Tabulação especial a partir do banco de dados do Conselho dos Exportadores de Café do Brasil (CECAFÉ). 2Tabulação especial dos dados estatísticos, fornecida aos
autores pela Organização
Internacional do Café (OIC). 3CONSELHO DOS EXPORTADORES DE CAFÉ DO BRASIL - CECAFÉ. Relatório mensal: fevereiro 2018. São
Paulo: CECAFÉ, 2018. Disponível em:
<https://docs.google.com/viewerng/viewer?url=http://www.cecafe.com.br/ Palavras-chave: mercado de café,
market share do café brasileiro, exportações de café.
site/wp-content/uploads/graficos/CECAFE-Relatorio-Mensal-FEVEREIRO-2018.pdf&hl=en>. Acesso em: abr. 2018.
Data de Publicação: 11/04/2018
Autor(es):
Celso Luís Rodrigues Vegro (celvegro@sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor
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