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Caravana do Delírio
Por meio do alargamento do horizonte imaginativo, os
humanos buscam novas possibilidades para a construção de sociedade capazes de
superar os mais angustiantes desafios. O enfrentamento das origens das mudanças
climáticas ou do aumento da desigualdade social são exemplos contemporâneos de
utopias que permeiam as urgências do imaginário moderno. Aos incautos encanta a utópica proposição
de que se destine parte das reservas internacionais brasileiras na
administração do fluxo de comercialização das commodities cotadas em bolsas de mercadorias (promovendo a
retenções de estoques na origem com o emprego dessa liquidez). Sustenta-se essa
proposta na necessidade de valorizar a riqueza contida na produção de matérias-primas
agropecuárias que, na maior parte das situações, são negociadas por
oligopsônios transnacionais com “capacidade” de manipular os preços. Concretamente, acarreta relativa perda
financeira para a autoridade monetária nacional a troca de dólares oriundos do
saldo da balança comercial que passarão a ser remunerados a 0,5% a 1,0% ao ano
(quando aplicados em TBonds - Treasury Bonds Estadunidenses), enquanto os reais
obtidos pelos exportadores passarão a receber no mínimo 8,25% a.a., atual
patamar da taxa SELIC, quando aplicados no mercado financeiro interno. Esse
descasamento gera prejuízo financeiro ao tesouro que pode ser, eventualmente,
compensado pela desvalorização do real. Entretanto, consiste no desajuste entre
taxas de juros e, mais recentemente, no acúmulo de prejuízo ao erário, o maior
apelo para que se convertam em mercadorias os dólares excedentes da corrente de
comércio ao invés de títulos soberanos dos países centrais de baixíssimo
rendimento. Como a flutuação cambial tem ocorrido
apenas na margem, ou seja, sem capacidade de amortizar o prejuízo financeiro
registrado pelo descasamento das taxas de juros, a queda acentuada da SELIC ao
longo dos últimos 12 meses contribuiu fortemente para mitigar a perda, ou seja,
reduzir o custo de carregamento das reservas internacionais. Pode-se considerar
que, ao invés de perda, esse é o custo financeiro da garantia de imunidade
(prêmio de seguro contra crises cambiais) frente a ataques especulativos contra
o real, como já ocorreu no passado, gerando imensa instabilidade na economia,
com necessidade de solicitação de socorro às agências internacionais (FMI e
Banco Mundial). O deslumbramento gerado pela proposta,
todavia, possui alicerce de barro. As operações financeiras de Adiantamento de
Contratos de Câmbio (ACC) e sua congênere, o Adiantamento de Contrato de
Exportação (ACE), consistem em modalidades de pré-financiamento dos exportadores
mediante transações que resultem em embarques internacionais futuros.
Coordenadas pelo Banco Central do Brasil (BACEN), entidade que também reponde
pela política monetária do país), as operações cambiais efetuadas, descontadas
das vendas de dólares demandados pelos importadores mediante depósito em reais
junto a instituição (balanço de compra e venda), são imediatamente acompanhadas
pelo lançamento de títulos do tesouro nacional, visando neutralizar o efeito
monetário, portanto inflacionário, desse excedente de moeda no mercado. A ação
sobre o mercado favorece o cumprimento do regime de metas inflacionárias,
elemento central da política monetária. O lançamento contábil diário das
operações no ativo e passivo do BACEN (marcação a mercado) o impede de dispor
desses valores para outros fins. Na apuração de seu balanço semestral e por
ordenamento legal do assunto (Lei de Responsabilidade Fiscal), caso a operação
resulte em lucro, o montante é repassado ao tesouro e, em caso contrário,
ocorrendo perda esta será coberta pelo tesouro. Empregar os dólares para a formação de
estoques de café, ou de qualquer outra mercadoria destinada à exportação, pode
até parecer razoável, mas na realidade impediria gestão ajustada da política
monetária, podendo colapsar a economia com surto inflacionários e recessão
prolongada, o que, evidentemente, traria mais prejuízos aos supostos
beneficiários (produtores rurais) do que vantagens. Refletir a demanda e abandonar a
linearidade do pensamento e convicções, dobrando-os (flexus) frente ao contraditório, induz à formação de nova
consciência sobre aquilo que antes escapava, enriquecendo o debate e tornando
profícua a ação. 1Artigo inspirado
em: OLIVEIRA, R. Propor uso das reservas é vender ilusão. Valor Econômico, São Paulo, 3 mar. 2016. Disponível para assinantes em: <http://www.valor.com.br/brasil/4464050/propor-uso-das-reservas-e-vender-ilusao>. Acesso em: dez. 2017. Palavras-chave: reservas
internacionais, estoques públicos, políticas públicas, política monetária.
Data de Publicação: 26/12/2017
Autor(es): Celso Luís Rodrigues Vegro (celvegro@sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor