Artigos
Dia Mundial da Alimentação e o Significado de Segurança Alimentar e Nutricional
No cenário de crise
política nacional, permeado de atos que colocam em risco inúmeras conquistas
sociais, torna-se urgente realçar contribuições promotoras da soberania
alimentar e redução da vulnerabilidade social. Portanto, o objetivo deste
artigo está em pontuar aspectos da construção de experiências que colocou o
Brasil em relevo ao nortear ações ao Direito Humano à Alimentação Adequada
(DHAA). A grandeza da expressão “segurança
alimentar e nutricional” resulta de conteúdo e organização intersetorial e
participativo, no direito de todos à alimentação regular e saudável, fruto de
práticas agrícolas sustentáveis da agricultura familiar e de comunidades
tradicionais. Em 12 de outubro, em
comemoração ao Dia Mundial da Alimentação de 2017, a Organização das Nações
Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) sugere como tema de reflexão: Mudar o futuro da migração. Investir em
Segurança Alimentar e Desenvolvimento Rural1. De fato, é
indispensável compreender as razões pelas quais parcela da população mundial é
obrigada a deslocar-se de seu território originário; e o que poderia assegurar
melhores condições e qualidade de vida a todos os povos. Os motivos para o
crescimento das correntes migratórias podem ser brevemente assinalados como
decorrentes de guerras civis, ocorrências de catástrofes ambientais (naturais
ou provocadas pela ação humana) e crises político-econômicas. O número de
migrantes internacionais cresceu nos últimos quinze anos, saltando de 173
milhões no ano de 2000 para a cifra de 244 milhões de pessoas em 2015. Por sua
vez, o número total de refugiados foi estimado em 19,5 milhões de pessoas em
20142. Segundo a FAO, na
tendência de avanço do movimento migratório internacional há a busca de uma
saída por aqueles que padecem de fome ou impossibilidade do acesso à
agricultura e alimentação adequadas. Como alerta a Organização lnternacional
para Migrações (IOM)3, os baixos salários e o desprestígio da
agricultura ocorrem, de um lado, pelos custos altos para produção: mecanização,
água, energia, fertilizantes, sementes; e, de outro, a pressão das grandes
corporações (agroalimentares e varejo) em impor condições e preços
desfavoráveis aos produtores. No Relatório Anual da FAO
de 2017 Estado de Segurança Alimentar e
Nutrição no Mundo, estima-se que em 2016 houve um aumento no número de
pessoas subalimentadas. Se em 2015 os subalimentados crônicos correspondiam a
777 milhões, em 2016, atingiram 815
milhões de pessoas, especialmente nas zonas de conflito da África subsaariana e
Ásia, acompanhadas de secas ou inundações4. O documento da FAO aponta
ainda que, de modo geral, a desnutrição infantil crônica continuou a diminuir
no mundo. Todavia, a preocupação que ganha vulto se refere ao sobrepeso e
obesidade em crianças e adultos no mundo todo5. O sistema
agroalimentar global centrado no poder das transnacionais promove o intenso
consumo alimentar de produtos ultraprocessados6. Isso indica outra
dimensão da insegurança alimentar e nutricional, com a prevalência de doenças
crônicas não transmissíveis. As análises sobre os
hábitos alimentares, segundo a ótica do acesso ao alimento, revelam que as
situações de insegurança alimentar e nutricional estão relacionadas com os
fenômenos da pobreza e desigualdade socioespacial das populações. Nas economias
de o mercado, a despeito da existência de projetos e programas locais de
educação alimentar e nutricional, a fome e a subalimentação espelham a renda
irregular e insuficiente para a aquisição permanente de gêneros alimentícios de
qualidade e diversidade. Soma-se a isso a indisponibilidade de terras,
recursos e orientações técnicas para uma grande maioria de camponeses e
agricultores familiares que, efetivamente, são quem assumem o compromisso com a
oferta de alimentos saudáveis à população. Esses exemplos ilustram as situações
que colocam em risco o Direito Humano à Alimentação Adequada (DHAA) e a
soberania alimentar dos países. A pauta dos deslocamentos
humanos forçados está na agenda da comunidade mundial. As respostas tentam ir
além da assistência humanitária de curto prazo, inserindo a questão do
desenvolvimento econômico e social sustentável dos países, no marco dos
Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS)7. As situações de
penúria estão, muitas vezes, associadas a práticas agrícolas impositivas, não
condizentes com as realidades locais, e causadoras de danos irreversíveis à preservação
da biodiversidade. O Brasil, Nação acolhedora de imigrantes e
refugiados, tem experiências que podem inspirar os diálogos a respeito do papel
do Estado contemporâneo, aliado à sociedade civil organizada, em desenhar um
conjunto de políticas públicas promotoras de segurança alimentar e nutricional.
Desde o cenário institucional da década de 1990, que culminou no Programa Fome
Zero, em 2003, o país se tornou referência mundial na elaboração e execução de
programas sociais e de desenvolvimento destinados a promover o acesso à
alimentação adequada e saudável de forma universalizante8. Entretanto, internamente, a apropriação do
significado conceitual de “segurança
alimentar e nutricional” parece estar restrito ao ambiente acadêmico ou
acessível à parcela da sociedade civil e movimentos sociais organizados. Para a
população, em geral, ainda prevalece o desconhecimento ou confusão entre os
termos: “soberania alimentar”, “segurança alimentar e nutricional” e “segurança
do alimento”9. Por isso, destacam-se, a seguir, definições para
auxiliar um maior domínio dos conceitos: Desse modo, segundo a Lei n. 11.346, a ideia de “segurança
alimentar e nutricional” abrange a ampliação das condições de acesso aos
alimentos por meio dos incentivos à produção, processamento e comercialização
praticados pela agricultura familiar em sistemas que sejam favoráveis à
conservação da biodiversidade. Deve haver a promoção da saúde, nutrição e
alimentação garantindo a qualidade dos alimentos (sanitária, nutricional,
tecnológica) com atenção a grupos específicos e em vulnerabilidade social. E
implementar políticas públicas para produção, comercialização e consumo que
sejam sustentáveis, participativas e respeitem a diversidade étnica, racial e
cultural da população.
No quadro 1 apresentam-se o marco legal e as experiências
de políticas públicas, desde a década de 1990, os quais têm pautado a
construção do conceito de “segurança alimentar e nutricional” no país. São
orientações e práticas elaboradas com o envolvimento e participação do conjunto
da sociedade, visando edificar um projeto nacional destinado à eliminação da pobreza
e a insegurança alimentar. 1ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A ALIMENTAÇÃO E A AGRICULTURA - FAO. Dia Mundial da Alimentação: 16 de
outubro de 2017. Mudar o futuro da migração. Brasil/Roma: FAO, 2017. Disponível
em:
<http://www.fao.org/fileadmin/user_upload/faoweb/Portugal/WFD2017_Brochure_PT_Website.pdf>.
Acesso em: 29 set. 2017. 2INTERNATIONAL migration report 2015: highlights. New
York: United Nations, 2016. 36 p. Disponível em:
<http://www.un.org/en/development/desa/population/migration/publications/migrationreport/docs/MigrationReport2015_Highlights.pdf>.
Acesso em: 4 out. 2017. 3TRIANDAFYLLIDOU, A. A sectorial
approach to labour migration: agriculture and domestic work. In: MCAULIFFE, M.;
SOLOMON, M. K. (Coord.) Ideas to inform
international cooperation on safe, orderly and regular migration. Geneva: IOM. 2017. p. 1-8. Disponível em: <https://publications.iom.int/es/system/files/pdf/agriculture_and_domestic_work.pdf>.
Acesso em: 24 out. 2017. 42017 EL ESTADO de la seguridad alimentaria y la nutrición en el mundo:
fomentando la resiliencia en aras de la paz y la seguridad alimentaria. Roma:
FAO/FIDA/OMS/PMA/UNICEF, 2017. 144 p. Disponível em:
<http://www.fao.org/3/a-I7695s.pdf>. Acesso em: 3 out. 2017. 5Op. cit. nota 4. 6MONTEIRO, C. A. et al. Ultra-processed products are becoming dominant in the global food
system. Obesity Reviews, Vol. 14,
Issue 2, pp. 21-28, Nov. 2013. Disponível em:
<http://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1111/obr.12107/full>. Acesso em: 5
out. 2017. 7TRANSFORMANDO nosso mundo: a agenda 2030 para o desenvolvimento
sustentável. Brasil: ONUBR. Disponível em:
<https://nacoesunidas.org/pos2015/agenda2030/>. Acesso em: 5 out. 2017. 8BOJANIC, A. J. (Coord.). Superação
da fome e da pobreza rural: iniciativas brasileiras. Brasília: FAO, 2016.
252 p. Disponível em: <http://www.fao.org/3/a-i5335o.pdf>. Acesso em: 12
ago. 2016. 10CONSELHO NACIONAL DE SEGURANÇA ALIMENTAR E NUTRICIONAL - CONSEA. Princípios e diretrizes de uma política de
segurança alimentar e nutricional. Brasília: CONSEA, 2004. 80 p. (Textos de
Referência da II Conferência Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional).
Disponível em:
<http://www4.planalto.gov.br/consea/eventos/conferencias/arquivos-de-conferencias/2a-conferencia-nacional-de-seguranca-alimentar-e-nutricional/documento-de-referencia.pdf>.
Acesso em: 8 out. 2016. 11BRASIL. Lei nº 11.346, de 15 de setembro de 2006. Cria o Sistema
Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional – SISAN com vistas em assegurar o
direito humano à alimentação adequada e dá outras providências. Diário Oficial
da União, Brasília, DF, 18 set. 2006. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11346.htm>.
Acesso em:12 ago. 2016. 12Op. cit. 9. Palavras-chave:
segurança
alimentar e nutricional, dia da alimentação.
Data de Publicação: 01/11/2017
Autor(es): Soraia de Fátima Ramos (sframos@sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor