Carne Bovina: comportamento dos preços de janeiro/2016 a junho/2017

A pecuária de corte é uma das principais atividades agropecuárias no país e no Estado de São Paulo, sendo o 2º produto no Valor da Produção Agropecuária (VPA) paulista, superada somente pela cultura da cana-de-açúcar. A carne bovina correspondeu a 9,4% do VPA do estado no ano de 2016 que, segundo o Instituto de Economia Agrícola (IEA)1 gerou um valor estimado de R$9,75 bilhões dos R$78,47 bilhões totalizados.

A carne bovina é um alimento nobre e indispensável para os consumidores, e é responsável por 11,8% dos gastos com alimentação domiciliar familiar (considerando apenas os cortes cárneos refrigerados/congelados), atrás somente do leite e seus derivados2. As variações de preços são significativas sobretudo para aqueles de baixa renda, sofrendo grande influência das variações de preços da cadeia produtiva.

Para este estudo, entende-se a sequência de produção da carne bovina (Figura 1) como um conjunto de agentes interativos (também chamados de elos), que são os fornecedores de insumos, os sistemas de produção da pecuária de corte, as indústrias de abate e processamento, os distribuidores atacadistas e varejistas, o mercado externo e os consumidores finais do mercado interno.

Na figura 1, a letra “A” representa a fase de comercialização do boi gordo na qual o pecuarista vende o animal pronto (boi gordo) para o abate ao frigorifico; “B” representa a fase de comercialização no atacado em que o frigorífico/entreposto vende a carcaça dividida em quartos (traseiro, dianteiro e ponta de agulha); e “C” representa a fase de comercialização no varejo na qual os supermercados/açougues vendem os cortes fracionados de carne bovina ao consumidor final.

A figura 2 apresenta os valores no período de janeiro de 2016 a junho de 2017 dos preços médios mensais recebidos pelos pecuaristas (pago ao produtor) na comercialização do boi gordo, dos preços praticados no mercado atacadista3 e dos preços no âmbito do mercado varejista4 na cidade de São Paulo, todos levantados pelo IEA5. Os coeficientes de variação (CV%) foram de 4,26% para o boi gordo, de 3,64% para o atacado e de 1,62% para o varejo; apesar de valores relativamente baixos, ainda apresentaram uma variação maior que as observadas nos anos anteriores, o que indica que os produtos da cadeia da carne bovina têm baixa variação de preços.

 

No primeiro semestre de 2016, visualizou-se uma leve alta nos preços da carne bovina no varejo, uma queda nos preços no atacado e aumento no boi gordo; chegou-se a junho com um aumento acumulado semestral de 0,81% para o varejo e de 5,66% para o boi gordo, e queda de 2,59% no atacado em relação ao dezembro de 2015 (Figura 3). No segundo semestre de 2016, atacado e varejo apresentaram altas e o preço do boi gordo sofreu recuo, mas todos encerraram 2016 com altas no acumulado; o varejo ficou em 1,83%, o atacado em 2,06% e o boi gordo em 1,13%. Os valores de acumulados encerraram 2016 com valores muitos próximos (Figura 3), e a inflação acumulada de 2016 foi de 6,13% para São Paulo6. Assim, os três segmentos ficaram abaixo da inflação acumulada em 2016.

 

Em 2017, o cenário se alterou; no primeiro semestre, os preços recebidos pelo produtor recuaram 10,91%, os preços no atacado sofreram queda de 6,86% e preços no varejo continuaram com alta, agora com 1,70% - todos em relação a dezembro 2015 (Figura 2).

Se for considerado somente o acumulado nos seis primeiros meses de 2017 (em relação a dezembro de 2016), os três elos apresentaram retração em seus valores comercializados: o boi gordo recua em 11,91%, o atacado em 8,74% e varejo em 0,13% (Figura 4).

Em valores nominais, o produtor passou a receber R$132,06 pelo boi gordo em junho de 2017, ante aos R$150,38 em janeiro de 2016. No atacado, passou a R$8,96 ante aos R$10,19, e no varejo, ficou com R$22,73 ante aos R$22,80, para igual período (Figura 2).

No período analisado, ocorreu a deflagração da intitulada Operação Carne-fraca pela Policia Federal (PF) em meados de março de 2017, que divulgou informações “desastrosas” e que foi maximizado pelos comentários, compartilhamento e sátiras tanto da impressa quanto de pessoas comuns nos meios digitais. Mais uma vez, o efeito “manada” foi verificado, o que prejudicou a cadeia como um todo e não beneficiou o consumidor interno.

 

Outro fator importante ocorrido no período foi o fim da isenção do ICMS no estado (que vigorava deste de setembro de 2009) a partir de abril de 2017, por meio do decreto 62.401/20167, no qual as carnes, incluída a bovina, passaram a recolher 11% de ICMS. Contudo, o valor efetivo é de 4% (já que um há um desconto de 7% que é “pago” pelo frigorífico, que também recebe desconto de 7% na compra do boi gordo)8, ocorrendo impacto somente nos preços no mercado varejista.

O impacto da operação da PF foi diferente nos três elos de comercialização da cadeia analisados. No atacado, em um primeiro momento os valores ficaram estáveis e com queda nos meses seguintes. Este comportamento deve-se ao fato do segmento ficar em compasso de espera, aguardando a reação dos mercados interno e externo. Como o consumo interno se manteve, embora as exportações tenham sido reduzidas drasticamente, ocorreu um aumento da oferta no mercado interno ocasionando retrações nos preços. O produtor foi quem mais sofreu com o episódio; de imediato as cotações do boi gordo caíram e continuaram em queda nos meses seguintes. Vale ressaltar que, em um primeiro momento, a comercialização de boi gordo foi reduzida ao mínimo, já que os frigoríficos ficaram em estado de espera pelos fatores já mencionados anteriormente.

No mercado varejista, que sofreu interferência dos dois eventos, ocorreu uma pequena queda em um primeiro momento, mas que foi revertida nos meses seguintes com valores maiores que aqueles praticados antes dos acontecimentos, mesmo com a intenção declarada de 30% dos consumidores de reduzir o consumo de carne9 – todavia o consumo permaneceu estável. Neste caso, pode-se perceber que o discurso é diferente da ação (não só no caso dos políticos e também da população em geral). Aqui a análise é mais abstrusa, já que operação da PF tende a pressionar os preços para baixo e aumento do ICMS para cima, logo com tendências antagônicas e não se consegue delinear com clareza a força de cada um.

Silva10 relatou com maestria as sequelas da operação carne fraca:

O estardalhaço feito pela Polícia Federal em cima de fraudes nas carnes brasileiras teve como maior vítima o Brasil, ou seja, o interesse nacional. Um pouco de bom senso não teria levado a Polícia Federal a expor o país a tamanha vulnerabilidade num momento tão importante para a economia do país e para os setores envolvidos, principalmente da carne bovina que até o momento foi a mais afetada com a divulgação.

 A nota técnica do DIEESE11 apresenta informações e uma análise dos impactos da operação da PF.

Para os pecuaristas, o período analisado não foi bom, especialmente no ano de 2017 (até junho), já que até dezembro de 2016 o boi gordo acumulou pequena variação positiva no acumulado (1,13%) e em 2017 encerrou o primeiro semestre com significativa variação negativa de -10,91%. Ou seja, houve manutenção da margem bruta do produtor em 2016 em contraste com 2017 e além dos custos de produção sofrerem relevantes aumentos, os recuos nas cotações culminarão na redução das margens e da lucratividade do produto.

Os frigoríficos conseguiram até aumentar sua margem bruta, já que no final do período, apesar de receberem menos pelo produto vendido, estavam pagando menos ainda pelo produto adquirido (-6,86% e -10,91% respectivamente), situação influenciada por fatores negativos (redução de renda e consumo, Operação Carne fraca). Assim, pode-se considerar que foi um período bom para o elo processamento/distribuição (atacado) que, apesar das adversidades ocorridas, conseguiu manter sua lucratividade.

O elo varejista, apesar do mercado consumidor desfavorável, principalmente para produtos mais nobres, que é caso da carne bovina, conseguiu repassar integralmente o aumento do ICMS de 4% e foi além: manteve os valores praticados e pressionou para cima os preços em contrapartida aos recuos nos elos anteriores (atacado e produtor), aumentando sua margem bruta. O varejo acumulou margem que poderá ser utilizada, apesar de não querer dizer que vai, quando do aumento nos elos anteriores e não repassará estes aumentos ao consumidor, prática já observada em períodos anteriores, quando o varejo não repassou/conseguiu todo aumento dos elos anteriores, justamente porque tinha margem para “queimar” e o consumidor não está disposto a aceitar (não tem renda para) reajustes muito altos. É admirável como o varejo consegue imprimir seu ritmo de aumento mesmo em cenários adversos, ou, pelo visto, o cenário não estava tão “ruim” como foi amplamente divulgado.

Para o consumidor, foi um período ruim em consequência do reajuste aplicado pelo varejo e pelo fim da isenção do ICMS. Mesmo em um contexto já discutido anteriormente, o consumidor não se beneficiou na redução nos valores ocorridos no atacado e no produtor (que foi comprometido pelo novo ICMS), mas provavelmente arcará com os aumentos quando ocorrem nestes - talvez não em sua totalidade, fato que tende a acontecer já nos próximos meses; diante da estiagem prolongada em várias partes do país, o preço do boi gordo já está com valores mais elevados e com tendência de alta. Deve-se aguardar o comportamento dos preços no atacado e varejo para constatar se estes elos devolveram os ganhos nas margens ao consumidor final.

No período de janeiro/2016 a junho/2017, em que inflação acumulada foi de 7,22% e o subitem “Alimentação no domicílio” foi de 7,94% para São Paulo - dados do IPCA-IBGE (estes valores ficaram próximos aos das médias nacionais, que foram de 7,55% e 8,17% respectivamente)12 -, o consumidor paulista pagou 1,70% mais caro pela carne bovina, não obstante das quedas nos elos produtor e atacado e o aumento do ICMS (–10,91%; –6,86% e +4,00% respectivamente). Todavia, a carne bovina contribui para que os índices inflacionários não fossem maiores.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Pelos números apresentados e pelo exposto no artigo, fica claro que as forças são desiguais na determinação dos valores de comercialização dos produtos da cadeia produtiva da carne bovina, continuando com os mesmos pesos dos períodos anteriores. O elo varejista continua tendo mais força e consegue impor-se com valores mais próximos que ele deseja; o elo atacadista tem uma força mais equilibrada, conseguindo ora melhores valores, ora não aos seus anseios; o elo produtor é seguramente o de menor força, pouco conseguindo impor os valores almejados, exceto em situações específicas; e o consumidor tem relativa força, já que faz com que valores praticados no varejo não inflacionem muito, não conseguindo, porém, pressionar para baixo os valores, mesmo em situações de crise. Ao consumidor final, falta a ferramenta mais importante na atualidade (não é dinheiro, este até falta no atual momento), que é a “informação de qualidade”. Aquele consumidor que está suprido de informações consegue sim, adquirir produtos de qualidade ao valor aceitável.

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1SILVA, J. R. et. al. Valor da produção agropecuária do Estado de São Paulo: resultado final 2016. Análises e Indicadores do Agronegócio, São Paulo, v. 12, n. 4, abr. 2017. Disponível em: <http://www.iea.sp.
gov.br/out/LerTexto.php?codTexto=14277>. Acesso em: 16. ago. 2017.

 

2FUNDAÇÃO INSTITUTO DE PESQUISAS ECONÔMICAS - FIPE. Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) 2011-2013. São Paulo: FIPE. Disponível em: <http://www.fipe.org.br/pt-br/indices/pof/>. Acesso em: 16 ago. 2017.

 

3Para o cálculo do preço da carne bovina no atacado, adotou-se a relação de quartos da carcaça: traseiro=48%, dianteiro=39% e ponta de agulha=13%, que são os mais comumentes relatados na literatura.

 

4Para o cálculo do preço da carne bovina no varejo, o IEA adota as seguintes ponderações: acém=18,63%; alcatra=7,19%; contrafilé=11,19%; costela de vaca=18,63%; coxão duro=11,99%; coxão mole=12,79%; filé-mignon=3,20%; lagarto=4,00%; músculo=3,20%; patinho=7,99%; e picanha=1,19%.

 

5INSTITUTO DE ECONOMIA AGRÍCOLA - IEA. Banco de dados. São Paulo: IEA, 2017. Disponível em: <http:
//www.iea.sp.gov.br/out/bancodedados.html>. Acesso em: 16 ago. 2017.

 

6INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA - IBGE. Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo - IPCA. Rio de Janeiro: IBGE. Disponível em: <https://sidra.ibge.gov.br/tabela/1419>. Acesso em: 18 ago. 2017.

 

7SÃO PAULO (Estado). Decreto n. 62.401, de 29 de dezembro de 2016. Introduz alterações no Regulamento do Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação - RICMS. Diário Oficial de São Paulo, Poder Executivo, São Paulo, 30 dez. 2016. Seção 1, p. 5. Disponível em: <http://www.al.sp.gov.br/repositorio/legislacao/decreto/2016/decreto-62401-29.12.2016.html>. Acesso em: 18 ago. 2017.

 

8No ICMS Paulista, a cobrança de 7,0% para os frigoríficos é zerada pelo crédito de 7,0% que estes podem obter sobre o valor da saída interna (op. cit. nota 7). Para os varejistas (venda ao consumidor final), a alíquota é de 11,0%, mas o imposto também tem o desconto do que já foi “pago” (7,0%) pelos frigoríficos, ficando assim em 4,0% para os varejistas arrecadarem do consumidor (op. cit. nota 7). Há também: varejistas de carnes e produtos cárneos (não optantes do Simples), que podem ser tributados em 4,0% das receitas brutas (é necessário efetuarem esta opção), e varejistas que são optantes pelo Sistema Simples Nacional, que tem uma tributação diferenciada.

 

9OLIVEIRA, F. Três de cada 10 paulistanos dizem comer menos carne após operação da PF. Folha de S. Paulo, São Paulo, 11 abr. 2017. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2017/04/1874413-um-de-cada-tres-paulistanos-afirma-comer-menos-carne-apos-acao-da-pf.shtml>. Acesso em: 18 ago. 2017.

 

10SILVA, R. de O. P., Considerações sobre a Operação “Carne Fraca”. Análises e Indicadores do Agronegócio, São Paulo, v. 12, n. 4, abr. 2017. Disponível em <http://www.iea.sp.gov.br/out/LerTexto.php?codTexto
=14275>. Acesso em: 18 ago. 2017.

 

11DEPARTAMENTO INTERSINDICAL DE ESTATÍSTICA E ESTUDO SOCIOECONÔMICOS -DIEESE. Impactos da operação carne fraca sobre o setor pecuário e os empregos. São Paulo: DIEESE, abr. 2017. (Nota Técnica, n. 176). Disponível em: <https://www.dieese.org.br/notatecnica/2017/notaTec176CarneFraca.pdf>. Acesso em: 18 ago. 2017.

 

12Op. cit. nota 6. 

Palavras-chave: pecuária de corte, carne bovina, preços, boi gordo, atacado, varejo.

Data de Publicação: 11/10/2017

Autor(es): Eder Pinatti (pinatti@iea.sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor