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Considerações sobre a Operação “Carne Fraca”
O estardalhaço feito pela Polícia Federal em cima de
fraudes nas carnes brasileiras teve como maior vítima o Brasil, ou seja, o
interesse nacional. Um pouco de bom senso não teria levado a Polícia Federal a
expor o país a tamanha vulnerabilidade num momento tão importante para a
economia do país e para os setores envolvidos, principalmente da carne bovina
que até o momento foi a mais afetada com a divulgação. A divulgação colocou
todo o setor cárneo do país sob suspeita e gerou problemas para a economia nacional. Depois de cerca de 20 anos tentando abrir o mercado
americano para carnes bovinas frescas, finalmente o Brasil conseguiu quebrar
essa barreira e deveria entregar os primeiros lotes nas próximas semanas de
março e abril. As exportações brasileiras para esse importante mercado, que tem
como maior mérito abrir outros mercados importantes, como por exemplo o Japão,
são consideradas um marco importante para a pecuária nacio- O escândalo
gerado ocorreu devido ao surgimento de nomes relacionados com a operação Lava
Jato. A ex-ministra acusou a Polícia Federal de provocar atraso de quase 10
anos ao país por “vaidade, arrogância e abuso de autoridade”1. Há
também considerações sobre a possibilidade de interesses externos terem ligação
com os fatos, frente ao avanço na liderança da posição brasileira no mercado de
carne bovina e de frango. Outro fato levantado é o movimento dos fiscais
agropecuários do Ministério de Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) que
pedem concursos públicos para repor os quadros e que podem ter a fiscalização
terceirizada. É claro que o consumidor brasileiro deve ter ciência
sobre o que está comendo e apurações rigorosas devem ser feitas, assim como
punir os responsáveis. Mas a reestruturação do sistema de fiscalização se faz
necessária e o Sistema de Inspeção Federal (SIF) precisa ser fortalecido para
que o país não tenha novos reveses. De qualquer forma, antes de divulgar
espetacularmente o fato, o MAPA deveria ser informado para averiguar, coibir as
falhas na fiscalização e obter laudos conclusivos de veterinários que entendem
da qualidade sanitária da carne, além de deixar claro que os problemas são
localizados, para que o consumidor não se assustasse. Isso é o que normalmente
tem sido feito quando ocorre alguma fraude com outros produtos. O resultado
imediato foi a retração das compras externas e um consumidor interno amendrontado
em relação ao que está pondo no seu prato e deixou de consumir carne. O Brasil é o primeiro exportador mundial de carne de
frango e de carne bovina e 4º exportador de carne suína, mercados importantes
para o país e conquistados com trabalho destas áreas. Quem trabalha com carnes
sabe muito bem que há uma preocupação mundial com a sanidade de alimentos que
vai além das preocupações com saúde do consumidor e tem relação direta com
aspectos maiores de concorrência (barreiras fiscais, legais e sanitárias). O país está à beira de declarar o país livre da
aftosa. Em 2018 a vacinação será suspensa e até 2020 deve-se declarar o país
livre de aftosa2. Já há algum tempo, constatou-se que os casos de
vaca louca, que ocorreram no país, foram isolados. Isso abriu mercados importantes
e fortaleceu a competitividade da carne bovina. O grande diferencial da carne bovina brasileira é
sua produção ser, em sua maior parte, a pasto, enquanto países como os Estados
Unidos e a Austrália têm os animais confinados. O Brasil tem áreas para manter
essa produção e ainda tem como expandir em áreas de pastagens, que podem ser
recuperadas através da Integração Lavoura, Pecuária e Floresta (ILPF). Após duas semanas do estardalhaço, a situação da
bovinocultura de corte brasileira não se normalizou e a expectativa é que ainda
demore um tempo. A produção que não foi escoada ficou estocada e agora as
empresas estão tentando regularizar as entregas. União Europeia, China, Hong Kong, Egito, Chile,
Argélia, Jamaica e Trinidad Tobago, que respondem por mais de 50% das
exportações brasileiras de carne bovina, impuseram logo após a divulgação dos
fatos restrições ou suspenderam temporariamente as compras do produto
brasileiro. Países importantes, como China, Hong Kong, Egito e Chile, voltaram
atrás e decidiram bloquear os 21 frigoríficos envolvidos, o que é promissor. A
Rússia resolveu suspender a compra de apenas duas unidades3. União Europeia e Estados Unidos estão firmes na
decisão de controle físico de 100% e no caso da UE, deve-se ainda ter a
checagem microbiológica de 20% da carne bovina exportada do Brasil, medidas
apenas técnicas que impactam menos as exportações. No entanto, a União Europeia
continuará em conversa com o MAPA para obter as respostas a todas as questões
técnicas da Comissão Europeia e não descarta medidas adicionais de controle
sanitário4. Entretanto, além das vendas externas, o consumo
interno também foi afetado pela desconfiança do consumidor o que resultou em
impacto nas vendas dos produtos. Segundo a Scot Consultoria, o mercado está
especulando e há pressões em algumas regiões, com praças que venderam o produto
até R$4,00 a menos do valor da arroba de um dia para outro. Em contrapartida, há
regiões onde ocorreu aumento dos preços de referência da arroba do boi gordo5. Apesar de as exportações já virem aumentando, ainda
há cautela. Internamente as compras caíram e os consumidores estão receosos.
Isso já afetou os preços e o volume de abate. Todo esse movimento acarretou
dificuldades ao setor. Dois dos frigoríficos investigados demitiram 280
funcionários e a BRF, de Toledo, deu férias coletivas. A JBS reduziu sua
produção dando férias coletivas de 20 dias aos funcionários de 10 de suas 36
unidades. O frigorífico Minerva chegou a reduzir em 10% seus abates6.
Esses fatos preocupam, pois podem levar ao desemprego
de muitos trabalhadores; só a JBS emprega 125 mil pessoas no país. Umas das consequências dessa crise e um fato
extremamente positivo, aguardado há muito pelo setor de produção animal, é que
finalmente foi assinado o Regulamento de Inspeção Industrial e Sanitária de
Produto de Origem Animal (RIISPOA). O regulamento é de 1952 e aguarda
atualização há cerca de 20 anos. Sua nova versão simplifica processos de
fiscalização e inspeção de frigoríficos, laticínios, granjas de ovos, fábricas
de mel e pescado. Na área de fiscalização, o regulamento criou penalidades
maiores e introduziu o conceito de risco sanitário, o que, segundo o ministro
Blairo Maggi do MAPA, tira dos fiscais a interpretação da norma. No caso de multas,
prevê valores mais altos que poderão chegar até R$500 mil7. No entanto, é pertinente lembrar que o Brasil tem
que se conscientizar que os mercados estão cada vez mais preocupados com as
questões sanitárias e que de agora em diante não haverá como permitir falhas
como esta no controle da qualidade dos produtos exportados. Cada vez mais o
cerco se fecha e o país deve estar atento que sua posição de maior exportador
mundial precisa ser consolidada com seriedade, pois problemas políticos
internos têm afetado a imagem do Brasil. 1LIMA, V.;
MURAKAWA, F. Kátia Abreu faz crítica dura a operação da PF. Valor Econômico, São Paulo, 22 mar. 2017. Disponível em:
<http://www.valor.com.br/politica/4909002/katia-abreu-faz-critica-dura-operacao-da-pf>.
Acesso em: abr. 2017. 2FREITAS, A. Retirada da
vacinação deve aliviar bolso do produtor.
São Paulo: Portal DBO, 16 mar. 2017. Disponível em:
<http://www.portaldbo.com.br/Revista-DBO/Noticias/Retirada-da-vacinacao-deve-aliviar-bolso-do-produtor/19883>.
Acesso em: 28 mar. 2017. 3ZAIA, C.; MENDES,
L. H.; VILARINO, C. Novas restrições ao Brasil; Maggi fala em ‘pancada’. Valor Econômico, São Paulo, 23 mar.
2017. Disponível em:
<http://www.valor.com.br/agro/4910504/novas-restricoes-ao-brasil-maggi-fala-em-pancada>.
Acesso em: abr. 2017. 4MOREIRA, A; ZAIA,
C. União Europeia reforça controle a produto brasileiro. Valor Econômico, São Paulo, 30 mar. 2017. Agronegócios, p. B10.
Disponível em:
<http://www.valor.com.br/agro/4919922/uniao-europeia-reforca-controle-produto-brasileiro>.
Acesso em: abr. 2017. 5SILVA, A. S. L. Mercado do boi gordo especulado, com praças
sem referência de preços. Bebedouro: SCOT Consultoria, 30 mar. 2017.
Disponível em:
<https://www.scotconsultoria.com.br/noticias/todas-noticias/45458/mercado-do-boi-gordo-especuladocom-pra%C3%83%C2%A7as-sem-refer%C3%83%C2%AAncia-de-pre%C3%83%C2%A7os.htm?utm_source=newsletterDiaria&utm_medium=email&utm_campaign=Newsletter%2BDiaria>.
Acesso em: 30 mar. 2017. 6LOPES, F.;
MENDES, L. H. Pecuária deverá sofrer por mais um mês. Valor Econômico. São Paulo, 30 mar. 2017. Agronegócios, p. B10.
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<http://www.valor.com.br/agro/4919918/pecuaria-devera-sofrer-por-mais-um-mes>.
Acesso em: abr. 2017. 7ZAIA, C. Riispoa
revisado sai, enfim, do papel. Valor
Econômico, São Paulo, 30 mar. 2017. Agronegócios, p. B10. Disponível em:
<http://www.valor.com.br/agro/4919920/riispoa-revisado-sai-enfim-do-papel>.
Acesso em: abr. 2017. Palavras-chave:
carnes,
Operação Carne Fraca, exportações.
nal, conquistado, recentemente, pela ex-ministra de Agricultura, Pecuária e
Abastecimento.
Data de Publicação: 10/04/2017
Autor(es): Rosana de Oliveira Pithan e Silva (rosana.pithan@sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor